Fugas - restaurantes e bares

  • O Tapisco é o novo restaurante do chef Henrique Sá Pessoa
    O Tapisco é o novo restaurante do chef Henrique Sá Pessoa
  • Paella Negra com choco (28 euros)
    Paella Negra com choco (28 euros)
  • Açorda de gambas (19 euros)
    Açorda de gambas (19 euros)
  • Esqueixada de bacalao (10 euros)
    Esqueixada de bacalao (10 euros)
  • Huevos rotos con morcilla (11 euros)
    Huevos rotos con morcilla (11 euros)
  • Bacalhau à brás com gema confitada (14 euros)
    Bacalhau à brás com gema confitada (14 euros)
  • La bomba de Lisboa (7 euros)
    La bomba de Lisboa (7 euros)

Entre tapas e petiscos, além-fronteiras

Por Catarina Lamelas Moura

O novo restaurante de Henrique Sá Pessoa serve tapas e petiscos. O chef convidou Joana Duarte, que trabalhou seis anos em Barcelona, para número dois do Tapisco. A nova sous-chef falou com a Fugas sobre a relação entre a gastronomia espanhola e portuguesa.

"Esparvoíce", "bótimo", cordiz (codorniz e perdiz), "empuxar"— sons que os nossos lábios entoam quando existem duas palavras em simultâneo a pairar no cérebro. É o que terá acontecido com o chef Henrique Sá Pessoa, quando procurava um nome para o novo restaurante onde iria servir tapas (espanholas) e petiscos (portugueses). O Tapisco abriu no final de Fevereiro no Príncipe Real, em Lisboa, e tem na dianteira Joana Duarte – que começou o seu percurso gastronómico em Barcelona, onde trabalhou seis anos.

Ficou a conhecer por dentro a gastronomia espanhola – muito além das paellas e tortillas –, como dificilmente quem passa pelas grandes cidades espanholas consegue e encontrou mais semelhanças do que diferenças em relação à comida portuguesa.

Antes de partir para Espanha, onde passou pelo Moo dos irmãos Roca e pelo Tapas 24, Joana chegou a exercer a profissão de bióloga marinha até aos 28 anos (tem hoje 39). De regresso a Portugal, já esteve no Pedro e o Lobo e fez uma breve passagem pela Fortaleza do Guincho.

A ementa do Tapisco tem pratos espanhóis e portugueses — cada um na sua língua de origem. Na frente lusa, há salada de polvo (12 euros), choco frito (12 euros), bacalhau à Brás (14 euros) e açorda de gambas (19 euros) – bem confeccionados e sem grandes invenções. Do lado espanhol, além dos mais conhecidos huevos rotos con paletilla (12 euros) e patatas bravas (6 euros), encontra, por exemplo, a paella negra con choco (28 euros) e a esqueixada de bacalao (10 euros) – um prato tipicamente catalão com bacalhau de meia cura, tomate e uma vinagrete.

O la bomba de Lisboa (7 euros), uma espécie de empadão panado com recheio de carne (neste caso, com alheira), é a única proposta que atravessa fronteiras. O nome original é la bomba barceloneta e no bairro de pescadores de Barcelona de onde é originário os locais chamam-lhe, simplesmente, la bomba. À excepção deste, avisa Joana, não há neste Tapisco mais nenhum  "prato híbrido”. A chef poderia talvez dar o nome cozinha de fusão àquilo que faz no Tapisco, mas não por misturar gastronomia portuguesa e espanhola. Antes porque a Ibéria, no fundo, é uma fusão de uma série de cozinhas vindas de outros países. “Acaba por ser um dos primeiros pontos no mundo onde é mais evidente aquele termo que muita gente gosta de usar ­— e que acho perigoso — que é fusão”, explica.

“Poderíamos abolir os conceitos de cozinha portuguesa e cozinha espanhola e criar uma noção de cozinha ibérica, porque utilizamos muitos dos mesmos produtos”, comenta a chef, apontando alguns exemplos: o tomate (“que veio das Américas, na altura dos Descobrimentos”), os frutos secos (“uma herança deixada pelos árabes”), o limão (“original da Ásia”) e o bacalhau (“que os espanhóis consomem com meia cura”).

Mesmo a nível de técnicas, Joana encontra sobretudo semelhanças entre as duas gastronomias. O cozido à portuguesa, por exemplo, que muitos poderiam pensar ser exclusivamente lusitano – como o próprio nome indica –, também existe noutras versões, por toda a Espanha. “O nosso cozido é muito parecido ao cozido madrileno”, comenta. Existe ainda o cozido catalão e muitos outros.

Passeie pelas ruas de Barcelona ou Madrid e dificilmente irá encontrar restaurantes que sirvam migas e cozidos. Não quer dizer que não existam ou que não façam parte das raízes da cozinha tradicional, mas, avisa a número dois do Tapisco, “é preciso ir lá com um amigo [que seja local]” – ter amigos cozinheiros, particularmente, ajuda muito. Isto para conseguir encontrar os poucos restaurantes que servem a comida mais tradicional ou para prová-la em casa de alguém. De resto, aquilo que vai encontrar da gastronomia espanhola será provavelmente a paella, a tortilla, as patatas bravas e as tapas, por exemplo.

Apesar de grande parte do receituário antigo não estar à vista nas grandes cidades, como Madrid e Barcelona, há muitos pontos em comum entre a comida portuguesa e espanhola: “A açorda é um prato árabe que já estava cá... Vais a Espanha e encontras pratos idênticos, também feitos com uma espécie de migas."

As refeições no trabalho também deram a Joana a oportunidade de conhecer melhor este lado da cozinha espanhola. “Eles têm uma massa em forma de caracol cozida com carnes – não me recordo do nome –, que experimentei na nossa comida de staff. Havia três cozinheiros catalães que diziam ‘no Natal vamos fazer isto’. Não encontrei um restaurante em Barcelona que tivesse [esse prato]”, lembra.

Uma diferença grande entre espanhóis e portugueses, menciona ainda Joana Duarte, é a difusão que fazem da sua cozinha. “Quando vamos lá para fora, achamos que cá dentro é tudo uma porcaria. Depois é que dizemos ‘realmente o que deixei para trás é muito bom’”. Os espanhóis, pelo contrário, já partem do princípio que os seus sabores são os melhores do mundo, aponta.

O resultado é negativo e positivo: por um lado, não comunicamos tão bem a nossa gastronomia, mas também estamos mais abertos a outros sabores. “Os meus chefs de cozinha, de estrela Michelin, sabiam mais de produtos e de pratos asiáticos [do que de comida portuguesa]”, conta. Quando falava a diferentes pessoas da cataplana, chegava a ouvir comentários como: “Vocês imitaram os asiáticos, isto é um wok invertido com outro wok." Na verdade, explica a chef, a cataplana é uma ferramenta herdada da cultura árabe, que ficou mais em Portugal, mas também existe, por exemplo, na cidade fronteiriça de Ayamonte.

Há um certo descrédito na cozinha portuguesa, aponta Joana, mas quem a conhece acaba por ficar "surpreendido", garante. Ainda mais porque, à medida que Lisboa ganha notoriedade, descobre-se que, afinal, a cidade “não é só monumentos e o Tejo". "Deve haver ali alguma coisa."

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