Fugas - restaurantes e bares

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O Dezaseis é espantoso, mas não o digam a Suso

Por Paulo Pena

Provámos as delícias da casa de xantar em Santiago de Compostela, Galiza, que incluem, para além do tradicional polvo à feira, uma outra versão na grelha.

É muito difícil encontrar falsos amigos na Galiza, como o "espantoso" deste título. Menos ainda quando nos sentamos debaixo das videiras da casa de xantar que Suso e os seus sócios abriram há mais de 20 anos, em pleno caminho de Santiago, na Rua de San Pedro, a cinco minutos da Praça Cervantes, na zona velha de Compostela.

Espantoso é um adjectivo que assenta bem, em português, ao espaço - umas velhas cavalariças, que mantêm a escada de pedra com rebordos arrendondados, para que os cavalos descessem em segurança à zona onde agora se servem as refeições. Mas em língua galega, como em castelhano, espantoso é assustador. E ninguém quer dizer uma coisa dessas depois de provar o polvo à grelha, uma reinvenção da cozinha d'O Dezaseis, baseada no popular polvo à feira galego.

Suso já ouviu o equívoco elogio uma vez, da boca de um dos seus muitos clientes fadistas portugueses - a preferência actual do dono vai para António Zambujo, mas sem esquecer Dulce Pontes, Carlos do Carmo, Ana Moura, todos eles iniciados nesta boa mesa. 

Agora ri-se, Suso. Ao descermos pela escada abaixo, temos uma mapa-mundo com "a nossa língua no mundo", uma geografia que vai do cabo Finisterra a Timor. Passamos por uma sala interior onde se corta o pão e se dividem em rações as empadas que aconchegam o paladar para o que virá depois. 

As vieiras, servidas na sua concha icónica (símbolo religioso), os canivetes, idem (mas sem qualquer referência na Catedral), foram as entradas escolhidas. Também houve umas croquetas e uma tortilha ("espanhola"). Depois veio o polvo. Primeiro na versão tradicional, à feira, com colorau e azeite, e uma inteligentemente parcimoniosa dose de batatas cozidas. O prato especial da casa é, contudo, o polvo à grelha, que é servido com os tentáculos inteiros, em círculo. E é ainda melhor (se possível) que o apurado e sábio velho prato tradicional. Ainda se provou um belo esparguete com tinta de choco e lagostins.

A carne chegou depois. Uma "ò caldeiro" e outra dose de vaca assada na famosa grelha, tenra e saborosa como a sua prima barrosã. 

Mas a carta de "tapas" chega para as encomendas, e quem quiser deixar-se surpreender pode contar com a simpatia de Suso para lhe indicar o caminho. E, sendo assim, não rejeitar a oferta final da refeição (que pode contar com uma lista de sobremesas, com a tarte de queijo tradicional): um licor de tostada, feito com o bagaço das uvas alvariño.

Mas o hábito, por aqui, é comer tarde (a cozinha d'O Dezaseis fecha à meia noite). Por isso, na Rua da Raiña, a dois passos da Praça do Obradoiro, há uma tasca que abre portas às 19h30 - se o dono para aí estiver virado, e é de advertir que nem sempre está. Chama-se O Gato Negro e ainda resiste à padronização dos bares de tapas. Estando aberto, o problema pode ser encontrar mesa. Não há muitas, e os clientes abundam. Mas consegue-se, com perseverança, e vale a pena. Há vinho servido em malgas no balcão. Não há imperiais, só Estrela Galiza em garrafa. E uma lista modesta de coisas óptimas das rias galegas: navalheiras, santolas, zamburiñas, berbigões, amêijoas, polvo, percebes. Queijo tetilla, fígado de cebolada e caldo galego também, claro. Tudo espantoso, incluindo o preço. 

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