Fugas - restaurantes e bares

Enric Vives-Rubio

As receitas de Mr. Lyan são feitas de geekness

Por Catarina Lamelas Moura

Um dos barmen mais conceituados de Londres, Ryan Chetiyawardana — ou Mr. Lyan, como é conhecido na sua área —, veio a Portugal para participar no Lisbon Cocktail Week. Em conversa com a Fugas, contou como criou uma nova forma de servir cocktails, questionando tudo o que fazia.

Esteve cinco dias em Portugal. No primeiro visitou 12 bares lisboetas num espaço de nove horas, ao segundo deu uma masterclass e ao quarto seguiu para o Douro, para visitar algumas quintas na companhia de Dirk Niepoort, figura icónica da região, que conheceu através da irmã. Ryan Chetiyawardana, conhecido como Mr. Lyan no mundo da coquetelaria, passou pela capital durante o Lisbon Cocktail Week (26 a 29 de Abril) para ajudar a eleger o “Melhor Cocktail de Lisboa” — prémio atribuído ao Tales of Thailand, do Double 9.

Se o apelido oriundo do Sri Lanka é difícil de pronunciar para adultos, também o primeiro nome o era para os colegas de infância — assim o “L” substituía o “R” de Ryan. A alcunha tornou-se nome de profissão e serviu para baptizar os dois bares que Mr. Lyan — distinguido como “Melhor Barman do Mundo” — abriu em Londres, o White Lyan e o Dandelyan. O primeiro passou recentemente a chamar-se Super Lyan.

À partida, a ideia de cocktails pré-fabricados — que começou a servir no White Lyan, onde não havia ingredientes perecíveis nem mesmo gelo atrás do balcão — pode parecer estranha ou pouco apelativa, mas é na preparação que está o segredo das suas bebidas. “É como na cozinha”, explica: “podem preparar-se alguns elementos em avanço”. É uma forma de tornar de aumentar a qualidade, focando o tempo nos aspectos importantes. O conceito não é totalmente novo — já Peter Dorelli, barman do Savoy, em Londres, preparava martinis em antecedência, para poder acompanhar a procura, aponta o próprio Ryan. Aquilo que conseguiu fazer foi vender esta ideia como algo atraente.

Depois da aventura pelos bares de Lisboa, no dia em que aterrou pela primeira vez em Portugal, Mr. Lyan ficou impressionado com a vida nocturna da cidade a uma quarta-feira: “Quando começámos [a avaliar os cocktails], às 17h, as ruas estavam mais calmas, mas às 2h havia montes de pessoas, é incrível.” Apareceu no lobby do hotel às 9h30 da manhã seguinte, para falar com a Fugas.

Como é que pode fazer em avanço os cocktails e manter a qualidade?

Há certas coisas que se pode fazer e outras que não. Se tivermos algo muito fresco só fica fresco durante um período de tempo. Por isso, se usarmos uma fruta ou uma erva num cocktail que estamos a fazer em avanço este vai diminuir em qualidade. Mas há certas coisas que não vão mudar ou cuja mudança podemos usar de forma positiva. É como na cozinha: às vezes cozinha-se a baixa temperatura durante seis horas e essa preparação faz parte da criação de sabores. Quando vamos a um restaurante não queremos esperar seis horas pelo cordeiro. Também não queremos esperar meia hora por uma bebida.

Como é criam uma variedade de cocktails sem usar esse tipo de produtos?

Evitámos coisas como citrinos e ervas frescas ou fruta. Mas podemos reproduzir alguns desses efeitos. Se quisermos acidez no cocktail podemos tê-la na mesma, não precisamos de usar um limão. Podemos usar ácidos em pó orgânicos, por exemplo.

Não é menos saboroso?

É um perfil diferente. Não podemos só criar uma bebida que normalmente teria sumo de limão e dizer que é a mesma quantidade de ácido cítrico que estaria num limão. É preciso pensar nisso de forma diferente.

Com o White Lyan ficou conhecido também por não usar produtos perecíveis. É algo negativo para si?

Não, de todo, desde que se dê atenção ao facto de que se estragam e podem tornar-se ingredientes chatos. No Dandelyon e Super Lyon usamos uma enorme quantidade [de perecíveis], mas de uma maneira cuidada — não atiramos um limão para uma bebida porque é a forma como sempre foi feita. Se as pessoas só seguirem a regra, não estão a prestar atenção à razão pela qual ela está lá.

Qual foi a reacção inicial das pessoas a esta forma de servir cocktails?

Quando anunciámos, houve provavelmente mais reacções negativas. Olharam para isso como um insulto à indústria, uma forma de fazer mais barato. Mas quando lançámos — depois de visitarem o bar — acho que compreenderam. Demorou um bocadinho até considerarem “preciso mesmo de ver alguém a misturar ou a agitar a minha bebida naquele momento?”. E começaram a perceber que podíamos passar mais tempo [com os clientes].

O objectivo não é, portanto, facilitar a produção para tornar o produto mais barato?

Não, de todo. E muito tem a ver com qualidade mesmo. Há coisas que fazemos que não podem ser feitas no momento — coisas que podem celebrar um aspecto diferente de um perfil de sabor. Não estou a dizer que não podemos usar um limão ou uma toranja, mas é bom poder dizer que há outra maneira de o fazer.

Como é que chegou a todas estas ideias?

Provavelmente com um bocadinho de geekness. Trabalhei com pessoas e espaços incríveis, e ao longo desse tempo aprendi diferentes lições, prestei atenção às coisas com as quais não concordava e comecei a criar uma forma diferente de olhar para elas. Em qualquer indústria, não devemos apenas seguir o que outras pessoas estão a fazer. Nós estamos provavelmente no lado mais estranho da nossa área: não digo que seja o melhor, mas é importante que exista.

No seu site apresenta-se como o barman “mais estudioso” e chegou a entrar num curso de biologia e mais tarde filosofia. Ainda hoje se considera um académico?

Sim, fazemos muita pesquisa. Não somos cientistas, mas queremos aprender e trabalhamos com as pessoas. Há montes de cientistas importantes que estão interessados em ver como os seus dados ou resultados se traduzem em algo diferente — algo em que podemos tocar, experimentar, consumir.

Tem mais ideias revolucionárias na manga?

Não sei se chamaria revolucionárias, mas temos montes de coisas que não vejo no cenário actual. Estamos prestes a relançar um dos nossos espíritos, que é um gin e está quase a celebrar dez anos desde a sua criação, em 2009. O mundo do gin explodiu, houve uma altura em que havia um novo cada semana. Acho que no futuro vai reter a sua popularidade, mas não vamos ver tantos lançamentos.

Que lições é que Portugal pode tirar da forma como a categoria do gin se conseguiu elevar?

É importante compreender a herança, mas não jogar só essa carta — tem de ser relevante para um público moderno. Se não inovarmos morremos. Vimos isso com muitas categorias que se estão a agarrar ao seu aspecto histórico — que é maravilhoso —, mas precisam de o fazer relevante para uma audiência moderna. Não quero dizer só para os jovens, mas sim para todas as faixas etárias no mundo de hoje. As ideias evoluem e se mantiveres tudo da forma como era não conseguimos falar para o público actual.

Consegue dar exemplos práticos?

As receitas antigas de Martini tinham xarope de açúcar e as pessoas hoje não têm esse palato. Se fizermos da maneira como sempre foi feito, porque é essa a origem do Martini, não vamos ganhar os corações e as mentes de ninguém. O gin tem uma história, mas conseguimos trabalhá-lo para um público moderno — por isso teve um boom. O Porto, por exemplo: a herança é fantástica, mas há montes de novas formas de contar isso que são relevantes. As pessoas na primeira linha — empregados, bartenders, sommeliers — são quem tem conversas honestas com o público sobre os produtos. Não vem tudo das marcas e é preciso ter pessoas bem formadas. Para mim a questão vai sempre ser a educação — saber é poder.

Sei que vai visitar o Douro. Porquê essa região?

Tenho um grande fascínio pelos vinhos de cá — os fortificados e os de mesa. Tenho uma boa colecção de portos muito antigos e é algo em que sempre estive muito interessado. Gosto da ideia da oxigenação, por isso acho que os tawny são encantadores.

--%>