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O sal foi um dos temas que os cozinheiros estudaram

O sal foi um dos temas que os cozinheiros estudaram Adriano Miranda

Chefs reivindicam cozinha portuguesa "orgulhosa" mas "subversiva"

Por Alexandra Prado Coelho

Investigar as raízes, conhecer a identidade portuguesa, mas criar coisas novas: é este o espírito do manifesto apresentado pelos cozinheiros portugueses.

Trabalhar produtos nacionais, pensar a cozinha portuguesa, respeitar a sazonalidade, garantir a sustentabilidade, colaborar com os pequenos produtores e conhecer a tradição. Depois, partir daí para criar, inventar, e para, como disse José Avillez, “cada um fazer o que lhe apetecer”.

Alguns dos principais cozinheiros portugueses reuniram-se esta sexta-feira num simpósio para discutir o futuro da cozinha portuguesa, organizado pelo festival Sangue na Guelra no Hub Criativo do Beato, em Lisboa e, no final, apresentaram um manifesto com onze pontos.

O documento, que pretende ser o ponto de partida para uma reflexão conjunta que vai continuar a acontecer daqui para a frente, formal ou informalmente, começa com uma declaração de orgulho: “Temos orgulho no nosso país, na nossa tradição gastronómica e reconhecemos a riqueza da identidade da cozinha portuguesa!”.

Mas, prestado o tributo às origens da identidade gastronómica portuguesa, “reflexo do nosso território, mas também dos povos e culturas que a influenciam desde séculos aos dias de hoje”, o que os chefs vieram defender foi “a liberdade para criar e para explorar novos caminhos”.

A questão do equilíbrio entre tradição e inovação tinha já estado presente, logo no arranque do dia, com a gastrónoma e autora de uma das grandes obras de referência da cozinha tradicional portuguesa, Maria de Lourdes Modesto, a subir ao palco para dizer que “a expressão cozinha portuguesa não pode servir de guarda-chuva para coisas que nada têm a ver com a sua matriz”. Sublinhou, contudo, que não estava ali a representar o passado e que uma coisa é a cozinha tradicional e de família e outra é o trabalho dos chefs.

E esse trabalho é, voltando ao manifesto, a procura do bom sabor, mas não só. Diz o texto que “o acto de cozinhar não se esgota” nessa procura, e que “a cozinha é cerebral, interventiva, criativa, subversiva”. No entanto, essa criatividade “não pode ser um fim em si mesma; deve ser consciente e informada”.

Daí que os cozinheiros tenham acompanhado este manifesto com um trabalho feito em conjunto. Divididos em quatro grupos, trabalharam três produtos (sangue, sal, pão) e uma técnica (a fritura) e apresentaram no Beato o resultado dessas pesquisas. O grupo do sangue, liderado por Henrique Sá Pessoa (Alma), apresentou um produto a que chamou Tulisangue, inspirado na pasta para barrar Tulicreme mas com… sangue.

O da fritura, com Alexandre Silva (Loco), trabalhou em várias frentes, criando um óleo especial e até um instrumento em metal para “desenhar” um polme que serviu de base a um creme de escabeche e peixe frito. O grupo que trabalhou o pão, e que tinha à frente José Avillez (Belcanto), pensou na ideia de partilha e deixou aos presentes um pedaço de massa mãe e a “responsabilidade” que é tomar conta dela.

Por fim, o grupo do sal, com João Rodrigues (Feitoria), contou como tinha percorrido muitas das salinas do país, investigando o sal do mar e o da terra (das minas) e como tinha, depois, trabalhado as plantas halófitas, e feito diversas experiências com sal. No palco fizeram um garum, o molho de entranhas de peixe de que os romanos tanto gostavam, e colocaram-no numa ânfora de barro. Será para abrir daqui a um ano, no próximo simpósio do Sangue na Guelra, cujo tema já foi anunciado. Será: Activismo. 

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