Fugas - restaurantes e bares

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Com atum, ovas de espada e maracujá, a Rota das Estrelas passou pelo William

Por Alexandra Prado Coelho

Para o restaurante do Belmod Reid’s Palace, no Funchal, foi uma estreia. Com a estrela Michelin conquistada no ano passado, recebeu agora a sua primeira Rota das Estrelas.

Era impossível que um grupo de sete chefs de cozinha, fardados com jalecas e tudo, passasse despercebido no meio do Mercado dos Lavradores, no Funchal. Havia grupos de curiosos no topo das escadas a observar a zona de venda do peixe enquanto os chefs conversavam com os vendedores, gente de telemóvel em punho a filmar toda a agitação, pescoços esticados para ver melhor o que se passava.

E o que se passava era simples. Luís Pestana, chef do restaurante William, do Belmond Reid’s Palace, guiava pelo famoso mercado os seus convidados para a Rota das Estrelas que, nos dias 23 e 24, passou pelo William pela primeira vez (foi no final do ano passado que o restaurante conquistou a sua primeira estrela Michelin).

A acompanhar Luís Pestana vinham Joachim Koerper, do Eleven (uma estrela), em Lisboa e chef consultor do William; Kazuo Harada, do MEE – Belmond Copacabana Palace no Rio de Janeiro (uma estrela); Michel van der Kroft, do ‘t Nonnetje, na Holanda (duas estrelas); Vítor Matos, do Antiqvvum, Porto (uma estrela); Rui Silvestre do Bon Bon, no Algarve (uma estrela); e ainda Pedro Campas, chef de pastelaria do William.

Com a noite de São João dali a algumas horas, nas bancadas de pedra dos vendedores do mercado via-se o gaiado seco, pronto para ser petisco nas festas, e o atum, a curar em sal com alho e orégãos. Mas o que prendeu as atenções dos chefs — e sobretudo do brasileiro Kazuo Harada — foi o atum que acabava de chegar e que era o que procurava para o prato que ia servir nessa noite no William.

Kazuo nunca tinha estado em Portugal e começara esta visita precisamente pela Madeira. Por isso, tudo o que via parecia-lhe novidade. “Achei que a ilha da Madeira fosse menor”, confessa. Sabia, no entanto, que iria encontrar bom peixe. “Tenho muitos amigos portugueses no Brasil e sempre me falavam do pescado e dos frutos do mar. Olhando o atum, vejo que é muito melhor que o nosso.” À noite irá servi-lo selado com molho de miso e pimenta doce e acompanhado por uma ostra com gema de codorniz, ouriço e molho ponzu.

Na véspera, num passeio pela Camacha, tinha, juntamente com os outros chefs, sido convidado para um almoço no qual foram servidas as célebres espetadas da Madeira, que Kazuo não conhecia. Tal como, conta-nos agora, não sabia que tinham sido os portugueses a levar a cana do açúcar para o Brasil. “Pensava que tinha vindo do Brasil para a Madeira”, admite, sorrindo.

Mas se para o chef do restaurante asiático do Copacabana Palace tudo é novidade, para o holandês Michel van der Kroft estar aqui é estar em casa. Casado com Maria do Céu, uma portuguesa da serra da Estrela — “e apaixonado há vinte e cinco anos”, diz, com um sorriso a iluminar-lhe o rosto — é um admirador absoluto dos produtos e da cozinha portuguesa.

Chama-nos porque, na zona dos legumes, encontrou umas “cenouras maravilhosas” para o prato que vai preparar e que é uma homenagem a Portugal: dim sum de porco preto com rábano, alho fermentado e jus de cenoura picante. Já para provar o prato que fez em homenagem à mulher, raviolli com queijo Serra da Estrela, acompanhado pelo vinho Conciso, de Dirk Niepoort, será preciso ir até à Holanda.

Luís Pestana explica que não pede aos seus convidados que usem produtos da Madeira, até porque o objectivo da Rota é que cada um possa dar a conhecer a sua cozinha ao público de outras partes do país — neste caso aos turistas, mas também aos madeirenses.

No entanto, “nascido e criado” na Madeira, Luís acha que cabe-lhe “dignificar os produtos mais emblemáticos da ilha”. Daí que no seu prato use as ovas de espada, os milhos fritos, o maracujá, a banana. “Pego nos produtos típicos da ilha mas com um conceito de alta cozinha, que é o nosso, trabalhando-os de forma mais subtil, mais inteligente, mais criativa. Por isso, a tudo isto junto o lavagante azul.”

Da “sinfonia de lagostim com caviar” de Koerper, que abriu o jantar, ao supremo de pato e beterraba, shiso e ponzu, de Rui Silvestre, passámos ainda pelo robalo do mar cozinhado a vapor com molho de Alvarinho, mexilhões, açafroa dos Açores, xarém de amêijoa à Bulhão Pato, carabineiro, codium e salicórnia, de Vítor Matos. E terminámos com uma sobremesa à base de vários queijos e pitanga, de Luís Pestana, e outra na qual Pedro Campas trabalhou os citrinos em várias texturas.

A Rota segue agora para o Norte, para a Casa de Chá da Boa Nova, do chef Rui Paula, em Leça da Palmeira, por onde passa no dia 7 de Julho. E depois, a 20/21 do mesmo mês, estreia-se do outro lado do Atlântico, no Rio de Janeiro, no Eleven Rio de Joachim Koerper.

 

Camacha

Um museu para mostrar a arte dos vimes

 

Sentados em bancos baixinhos, os chefs convidados pelo restaurante William para a Rota das Estrelas tentavam, com maior ou menor sucesso, manobrar o rachador para separar o vime em lâminas finas, a liaça. O objectivo era depois entrançá-lo, tecendo pequenas cestas — provavelmente o objecto mais simples que se pode fazer nesta arte do vime, que se tornou famosa na Madeira e, em particular, na Camacha, onde no passado servia de ocupação a perto de 90% da população.

Quem nasceu na Madeira, como Luís Pestana, chef do William, mostrava, naturalmente, mais facilidade. Os outros aceitavam de bom grado a ajuda dos artesãos que trabalham na Fábrica de Artesanato e Bazar de Vimes, no edifício do Café Relógio, o mais icónico da Camacha.

O café está aqui desde 1896 encimado pelo relógio da sua torre, vindo da Igreja Paroquial de Walton, em Liverpool, depois de esta ter sofrido um incêndio. Agora, Ivo Correia, antigo bancário e filho da vila, que adquiriu recentemente o edifício, quer dar uma nova vida ao lugar e, sobretudo, à arte de trabalhar o vime, que perdeu muita da importância que tinha e muitos dos que nela trabalhavam.

No seu iPad, Ivo apresenta-nos o projecto, que passa por um centro de formação e inovação (com o apoio de uma universidade polaca) e por um museu com o qual pretende recuperar peças em vime únicas que hoje já ninguém sabe fazer, e contar todo o processo de cultivo, apanha, cozedura e tratamento do vime.

Fotografias antigas mostram as gentes da Camacha, homens, mulheres e crianças, a trabalhar os vimes, uma actividade familiar que era um complemento dos trabalhos agrícolas. Noutras imagens vemos vendedores em pequenos barcos (os bomboteiros) junto aos navios, exibindo cadeiras, cestos e outras peças aos turistas que chegavam à Madeira. Uma das fotografias mais curiosas é a que mostra dois exploradores na Antárctida, no início do século XX, a tomar champanhe para celebrar o Dia da Bastilha e sentados em cadeiras de vime que tinham comprado na Madeira.

Mas Ivo Correia acredita que há muitas outras histórias para contar na Camacha e que o núcleo formado pelo Café Relógio (que tem também uma estalagem) e pelo futuro museu será apenas o pólo congregador de uma nova dinâmica turística. Esta passará também pelo folclore (só na Camacha existem cinco grupos folclóricos), pelas floristas (a vila é conhecida também pela produção de flores) e ainda pelo futebol — e lá está a placa que indica que foi na Camacha que, em 1873, se jogou, pela primeira vez em Portugal, futebol, um jogo trazido pelo filho de uma das famílias britânicas da ilha.

 

Um nascer do sol no Pico do Areeiro

 

Acordar antes de o sol nascer e seguir de jipe para um dos pontos mais altos da Madeira, passando, ainda ao lusco-fusco, pela extraordinária paisagem do interior da ilha para terminar nas escarpas dramáticas do Pico do Areeiro e aí ver, finalmente, o sol nascer – esta é uma das propostas que o hotel Belmond Reid’s Palace faz aos seus hóspedes.

E, como se imagina, tudo isto abre o apetite – por isso, depois de o sol nascer, na Casa de Abrigo das Sorveiras, uma das casas de apoio situada nas proximidades, estará pronta uma mesa com sumo de laranja natural, variedade de pães, manteigas, queijos, carnes frias, mini-quiches, saladas, frutas, peixe fumado e várias outras coisas.

O Reid’s tem uma oferta de experiências para os seus hóspedes que pretende que sejam exclusivas e o passeio de jipe para ver o nascer do sol, com pequeno-almoço incluído, é apenas uma delas (550 euros para duas pessoas). Entre as outras há, por exemplo, um passeio num carro clássico (um Daimler Sovereign ou um Mercedes 280SE) até à Vila da Ponta do Sol (150 euros para duas pessoas).  

A Fugas viajou a convite do Belmond Reid’s Palace

 

 

 

 

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