- Foi nos Poveiros [Praça dos Poveiros] que tudo começou. Na Tendinha dos Poveiros. O meu pai comprou-a em 1978, tinha eu sete anos. Houve um período em que a entregou e voltou em 1987. Em 1989 passou-a a mim.
Alberto Fonseca tinha 18 anos e estava a começar um percurso que o tornou um nome incontornável da noite portuense. Hoje, quinta-feira, chega com dois sacos plásticos e logo um cheiro distintivo enche ali o espaço perto da porta do La Bohème entre Amis, o seu espaço mais diurno (abre às 15h). Num dos sacos vêm couves, no outro a hortelã que perfuma o espaço. “Tudo fresquinho.” Daqui a algum tempo vão servir para cozinhar os petiscos que são uma das âncoras deste bar — a outra, visível por todo o lado, já que é parte da decoração, é o vinho. Alberto Fonseca gosta muito desta combinação entre gastronomia e vinho. Não hesita em ir para a cozinha sempre que é necessário ajudar, sobretudo ao fim-de-semana.
- Gosto muito de cozinhar. Herdei isso da minha mãe que era, é, uma excelente cozinheira. Nunca quis nenhum restaurante grande, mas formavam-se filas à porta da Tendinha do Padrão, quando este era da família.
E a família bem poderia ser a da “Tendinha”, porque a “marca” Tendinha estará sempre ligada a esta e, agora, a Alberto Fonseca. Ainda que agora a única “Tendinha” entre os seus negócios seja a dos Clérigos.
- A Tendinha dos Clérigos nasceu porque a dos Poveiros cresceu demasiado, cheguei a ter 52 mesas na esplanada. Quando a abri chamavam-lhe o “tendão”, porque era tão maior do que a original.
A Tendinha dos Poveiros era uma tasca,
- No início era tasca-tasca, ainda com serrim no chão, pipos e portas de vaivém
que se tornou parte de um roteiro “alternativo” na viragem do milénio, que juntava o Valentino’s e o Passos Manuel, três vértices de um triângulo “onde todos se conheciam”.
- Foi um processo longo. Tudo começou com o rock. O André Spencer e a Emília Sousa vinham ao fim-de-semana com um gira-discos. Ganhou fama no rock. Agora sou mais versátil [aponta Zeca Pagodinho, Ana Moura, Carlos do Carmo], mas na altura era o que eu mais ouvia, Bob Dylan, U2, Joy Division, Pixies, Bruce Springsteen...
A Tendinha dos Clérigos é uma discoteca e, em 2005, foi quase pioneira na nova ocupação noctívaga da Baixa do Porto (um mês depois da abertura do Café Lusitano). Trouxe o rock, que se mantém no seu ADN,
- No início, os bares daqui [Baixa do Porto] seguiram-nos os passos, eram mais rock, alternativo e indie. Agora não. Aliás, não está fácil arranjar DJ de rock.
e está ainda mais exposto desde ontem, quando reabriu depois de obras, que criaram uma zona “mais bar”.
Estamos na mini-esplanada do La Bohème, na Rua das Galerias de Paris — sim, essa de onde houve a nova noite portuense —, que abriu em 2008. E este é um cenário completamente diferente do de então. Em (quase) cada porta há um bar, café, restaurante.
- Não está fácil. Eu ainda tenho rendas acessíveis, andam por aí valores astronómicos, quatro, cinco mil euros. Por exemplo, a [renda da] Tendinha, na altura, era caríssima, agora é irrisória. Nunca foi aumentada.
A do La Bohème também é baixa, não fala da do HD Bar To Be Wild, o último espaço que abriu aqui na Baixa, a poucos metros de onde estamos. Tem inspiração motociclista,
- Adoro motas. Fiz uma grande viagem pela Europa de Leste, mais de oito mil quilómetros.
e do american way of life — veja-se o menu de hambúrgueres e a jukebox. É aqui que o seu filho, Osvaldo, quase 18 anos, trabalha. Já estudou à noite, agora estuda à tarde, para poder estar à noite no bar.
- Está a seguir os meus passos. Mas vai acabar o 12.º ano e fazer formação em hotelaria. A minha formação foi toda na prática.
Ainda hoje lhe custa ter deixado a Tendinha dos Poveiros, mas foi o que lhe deu asas. Foi participante activo na construção da nova noite do Porto. Além dos três espaços que mantém, e da Presuntaria, novamente na Praça dos Poveiros (agora com exploração alheia), abriu a Tendinha Indiscreta, também na Baixa, que depois passou, tomou conta do Blá Blá, espaço mítico em Matosinhos, entre 2008 e 2010, teve um café em Gaia.
- Preferia a noite antes. Conhecia mais gente, fazia amigos. Se calhar até fazia mais dinheiro. Havia menos concorrência e era tudo mais barato. Agora tudo se paga. As entidades competentes viram forma de ganhar dinheiro com tudo.
Não esconde as várias batalhas que foi tendo com a câmara, incluindo da licença de funcionamento até às 6h na Tendinha dos Clérigos,
- Só há um ano a conseguimos. Mas com a câmara há sempre ocorrências, nunca estás legal. Isso começa a cansar.
Pode estar cansado, mas “nunca quis fazer outra coisa”. Agora até faz parte da nova Associação de Bares e Discotecas da Movida do Porto (ABMP).
- Sempre fui hoteleiro. Ao contrário de outros que vêm para aqui e não percebem nada disto. É mau porque prestam mau serviço e quem presta um bom serviço não tem hipóteses. Há bares aqui nesta rua que vendem finos a 1€; eu quando vim para aqui já vendia a 1,20€. Quando veio para aqui vivia na cidade. Agora vive em Cinfães há três anos. Uma espécie de regresso às origens rurais, já que a sua família era de Castelo de Paiva e era lá que passava todos os dias livres. Em Cinfães cultiva as couves e hortelã e outros que tais, cria galinhas, porcos (até bísaros), anho, vitela, cabra, faz vinho. Foi aí que criou uma empresa de turismo rural. É aí que cresce a sua filha de dois anos.
- Não vi o meu filho crescer. Estava a crescer também, em termos de trabalho. Quero ver a minha filha. E ser pai com esta idade é diferente, o sabor é outro.
Em Cinfães está também a (outra) nova menina dos seus olhos.
- Vou construir uma tasca mesmo tasca.
Há-de mostrar-nos o projecto, no telemóvel. Será tudo em madeira e terá pipos — sem vinho, porque a lei não o permite.
- Cidade agora só para trabalhar. E, se calhar, não por muito mais tempo.
Resposta rápida
Qual dos seus espaços é o seu preferido?
O Tendinha [dos Clérigos]. Quase desde que nasci estive sempre associado a uma “Tendinha”.
Quando sai à noite vai à “concorrência”?
Vou a bares onde tenho empatia com os empregados, com os donos. Normalmente, ao Pipa Velha. E para comer vou ao Pontual, ainda fazem pregos como deve ser.
O que mudava na noite do Porto?
Acho que diferenciava bares, cafés, discotecas e restaurantes. Antes cada um tinha a sua categoria. Agora não se entende o que é bar ou tasca, pões música e já és discoteca, há confeitarias abertas até às 4h... E todos querem ter o mesmo tratamento.