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CaixaForum

CaixaForum Luís Maio

Madrid, a cidade que se reinventa pela cultura

Por Luís Maio

Primeiro foram palácios, agora são edifícios industriais e de escritórios. Madrid lança novas atracções culturais para o século XXI na mesma medida em que recria a sua memória dos inícios do século passado. A Fugas foi ver onde pára a nova "movida" institucional.

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Madrid é uma das cidades europeias que mais têm apostado na requalificação do seu centro histórico nas últimas duas décadas. Mais que tudo, porém, a capital espanhola sonha em chegar ao top das grandes metrópoles culturais. Subir a parada implica investir em conteúdos, mas também num circuito forte de instituições culturais. O centro madrileno desta operação é o "Eixo Recoletos-Prado", que não pára de se enriquecer e inclusive de se ampliar, segundo uma filosofia que passa sobretudo por adaptar, renovar e eventualmente fazem crescer edifícios com história no lugar dos demolir e construir de raiz, como era mais comum na era modernista.

Começou com o triângulo de museus no coração do Passeio das Artes: o Thyssen-Bornemisza, o Rainha Sofia e o Prado, edifícios monumentais do século XVIII que conheceram recentemente obras de fundo e ampliações substanciais.

Chega agora a vez de prédios de escritórios e estabelecimentos industriais serem convertidos em novos ícones da cultura contemporânea em Madrid. A Casa Encendida, a CaixaForum e o Matadero vêm alargar a oferta seguindo estratégias de inovação, mas também de respeito do património em que se vêm inscrever. Só para tornar a transfiguração do coração de Madrid ainda mais apelativa, uma antiga passagem subterrânea foi recentemente transformada por Álvaro Siza num centro de turismo, destinado a servir de novo ponto de partida do eixo Recoletos-Prado.

Os novos ícones

1 CaixaForum

Desde que inaugurou em Fevereiro passado, a CaixaForum é a nova estrela de Madrid, o género de obra-espectáculo que atrai multidões, independentemente do que esteja a acontecer lá dentro. De dia ou de noite há um contingente de curiosos que se detêm na esquina mais próxima do Paseo do Prado, extasiados perante o artifício da fachada e sobretudo pela exuberância do jardim vertical que a enquadra.

Mas há também um mar de gente que faz fila à porta às horas de expediente para ver as exposições, ou apenas para calcorrear a "gaudiana" escadaria interior, recriando-se como se estivesse num parque temático.

É, de facto, uma obra extraordinária, uma peça de arquitectura vanguardista, única na forma como recupera e integra uma ruína industrial. Tem a assinatura da dupla suíça Herzog e De Meuron, mais conhecida pela reconversão duma central eléctrica na nova Tate Modern, em Londres, que lhes valeu a conquista do Pritzker, o mais alto galardão da arquitectura.

A conexão que justifica a sua chamada para a nova sede madrilena da fundação La Caixa é essa, justamente, quando o objecto da intervenção é a velha Central Eléctrica do Mediodía, construída em 1899 para produzir electricidade a partir da combustão de carvão.

As comparações acabam aí, uma vez que a intervenção da dupla suíça é francamente mais radical que a sua precedente londrina. Da antiga central madrilena resta pouco mais que as paredes uma operação mesmo assim complicada, quando dos 115 mil ladrilhos que cobriam o edifício 40 mil tiveram de ser substituídos, reciclando peças que estavam no interior ou fabricando novas segundo os métodos artesanais de antigamente. Ficaram as paredes e os lintéis das janelas, mas estas foram tapadas, preferindo a dupla suíça recortar quatro novas aberturas irregulares para o exterior, de modo a demarcar claramente o novo do antigo, filosofia que sustenta toda a intervenção. No mesmo espírito, a volumetria do edifício cresceu para cima com o acrescento duma nova carcaça forrada por 4500 pranchas de aço galvanizado, e para baixo demolindo a base em granito (o edifício passou a ser sustentado por três vigas de betão), o que permitiu criar uma nova praça coberta, sobre a qual o novo edifício parece levitar.

Herzog e de Meuron convenceram a Caixa a adquirir igualmente a antiga estação de serviço, que obstruía a visibilidade do edifício a partir do Paseo do Prado. Substituíram-na por uma segunda praça pública, desta feita a céu aberto, de planta irregular e decorada com duas pequenas fontes.

Mas a atracção maior da praça é sem dúvida o jardim vertical da autoria do francês Patrick Blanc, que cobre com 15 mil plantas de 250 espécies a empena do prédio contíguo, a fechar o espaço público a norte. É uma estrutura metálica com uma lâmina plástica e uma capa de feltro, sem terra, coerente com a tese de Blanc segundo a qual as plantas não precisam de terra para crescerem. Se à primeira não pegou, no entanto, a segunda versão plantada há três meses veio dar-lhe razão e está muito frondosa.

Graças ao actual projecto (orçado em 60 milhões de euros), a superfície de 2000 m2 ocupados pela velha central eléctrica quintuplicou, ou seja, está agora nos 10000 m2. Debaixo da praça foram escavados dois pisos, que albergam um auditório, armazéns, escritórios e garagem. Recepção e loja estão no primeiro piso, as salas de exposições nos dois seguintes, sendo o último reservado ao restaurante e à administração. O auditório tem conferências e concertos, as salas de exposição alternam selecções da colecção permanente da Caixa (700 obras dos anos 80 em diante) com exposições temporárias doutras procedências, como é actualmente o caso da retrospectiva do checo Alphonse Mucha (até 31 de Agosto).

Como ir

A EasyJet conta com um voo diário de Lisboa para Madrid, de domingo a sexta-feira com partida às 12h15 e chegada às 16h15, a partir de 23.99€ (taxas incluídas). Aos sábados parte de Lisboa às 13h55 com chegada a Madrid às 16h15. O avião regressa de Madrid às 13h30 (13h10 sábado e 13h35 domingo) com chegadas a Lisboa pelas 13h45.

2 Matadero

Outra grande obra de reconversão dum estabelecimento industrial num centro cultural contemporâneo. Neste caso há menos aparato arquitectónico envolvido, mas em contrapartida maior ambição no capítulo da reabilitação urbana. O antigo matadouro de Arganzuela nasceu em 1909 para abate de gado, armazenamento e venda de carne e mais produtos alimentares, ocupando num vasto perímetro amuralhado (165.415 m2) no sul da cidade, bordejando o rio Manzanares. O matadouro foi transferido para outro lado em 1998, mas a edilidade decidiu manter e reabilitar o conjunto de pavilhões desenhado pelo arquitecto Luis Bellido, lançando um programa de reconversão do enclave orçado em 100 milhões de euros, na maior parte destinado a criar um grande laboratório de criação actual. O projecto foi iniciado em 2003 e vai prolongar-se até 2011, mas desde o ano passado que boa parte dos espaços está em funcionamento.

O propósito é fazer do Matatero um dos grandes centros culturais multidisciplinares da Madrid do século XXI e, do mesmo golpe, potenciar o prolongamento do eixo cultural Recoletos-Prado, contribuindo assim para criar uma nova centralidade urbana em torno do rio Manzanares. Em funcionamento estão as naves dedicadas a espectáculos musicais, que acolhem festivais como o de Cultura Urbana, Verões na Cidade e Noites Brancas, ao teatro e à dança (residências das companhias Teatro Español, Compañía Nacional de Danza e Ballet Nacional), a Central de Design (com exposições como a que actualmente se articula com a versão holandesa da Experimenta Design), o laboratório de criação Intermediae e os pavilhões dedicados a grandes exposições (a primeira das quais é "Tesouros Submersos do Egipto", que acaba de inaugurar e estará em exibição até 28 de Setembro próximo). Seguem a instalação das colecções de arte contemporânea do Arco e a abertura de espaços dedicados à literatura, à arquitectura e ao cinema.

Se na CaixaForum o termo de comparação é a londrina Tate Modern, já no Matadero a analogia é o parisiense Pavilhão de Tóquio, com o seu perfume a Arte Povera. Diferentes arquitectos têm sido convocados para reconverter os pavilhões do antigo matadouro de Madrid, mas o denominador comum é intervir o menos possível, ou melhor, intervir sobretudo para clarificar e acentuar o esqueleto industrial dos edifícios, intercalando-lhe apenas os elementos que viabilizam os seus novos funcionamentos. Assim na recepção e na primeira nave, que acolhe o programa Intermediae, o arquitecto madrileno Arturo Franco adicionou placas de aço para definir o acesso e um novo pavimento em betão, mas, de resto, tanto o tecto como os pilares são os originais.

3 Paseo do Prado ampliado

Os pavilhões do antigo matadouro de Arganzuela são construções em ladrilho e granito, ao estilo neomudejar em voga na Espanha das primeiras décadas do século XX. É o mesmo estilo que se reconhece no antigo prédio de escritórios da Caja Madrid, uma dezena de quarteirões mais acima (Ronda de Valência, 2), outro edifício centenário recriado para fins culturais. Reabriu fez em Dezembro cinco anos, passando a responder pelo sugestivo nome de La Casa Encendida (incendiada), destacando-se como a primeira extensão do eixo cultural da cidade, cerca de meio quilómetro a sul do Rainha Sofia. Fachadas e pátio foram devolvidos ao seu brilho original, ao passo que os espaços interiores se adaptaram à dinâmica dum centro multiusos, que expõe arte de vanguarda e promove espectáculos alternativos, ao mesmo tempo que organiza jornadas sobre as questões ambientais e debates sobre os grandes dilemas do nosso tempo, integrando ainda uma loja de comércio equitativo. Até hoje registou cerca de dois milhões e meio de visitantes, na maior parte jovens, funcionando como uma espécie de corolário "indie" do triângulo de grandes museus do Paseo Do Prado, ele próprio sujeito a intervenções de fundo ao longo da última década.

Os três museus do Prado estão alojados em edifícios civis do século XVIII, que acabaram por precisar de ser modernizados e ampliados. A adaptação do Palácio de Villahermosa destinada a acolher o Museu Thyssen-Bornemisza, inaugurado em 1992, passou sobretudo pela reorganização do espaço interior pelo arquitecto navarro Rafael Moneo. A sequente adição da colecção de Cármen, a esposa do barão Thyssen, ditou por seu turno a ampliação de 2004, assinada pelo atelier de Manuel Baquero e Francesc Plá. Esta ampliação pautou-se por uma linha de continuidade com o palácio de origem, uma equação quase inversa da que veio a marcar a ampliação do Rainha Sofia protagonizada pelo arquitecto francês Jean Nouvel em 2005, que resultou numa espécie de duplo futurista do Hospital Geral, sede primeira do museu de arte espanhola do século XX.

A extensão mais recente e popular é, porém, a do principal museu de Madrid. O projecto de Rafael Moneo para o Prado integrou o velho claustro do Mosteiro dos Jerónimos num edifício de tijolo tão discreto que quase passa despercebido, acabando por calar os protestos que durante uma década inviabilizaram as obras. Já os jardins de buxos que Moneo desenhou para articular o antigo com o novo edifício e sobretudo as monumentais portas de bronze deste último, da autoria da escultora Cristina Iglésias, foram instantaneamente promovidos a novas capelas da peregrinação cultural de Madrid.

4 Centro de turismo Colón

O novo eixo cultural Prado-Recoletos requer um ponto de informação específico e é justamente para o servir que nasceu o Centro de Turismo da praça Colón. Situado na porta de entrada, por assim dizer, do Passeio do Prado, o centro tem a assinatura do arquitecto português Álvaro Siza e inaugurou faz agora um ano. Tal como os museus e centros culturais que divulga é uma reconversão dum espaço que começou por ter outro uso: era uma passagem subterrânea, ultimamente muito degradada, que servia de pernoita aos sem-abrigo.

Agora serve de novo de passagem para os peões que atravessam a Castellana, mas os seus mais de 1.000 m2 passaram igualmente a abrigar um posto de turismo state-of-the-art, integrando duas salas audiovisuais e uma zona multimédia com oito pontos de acesso gratuito à net através de sofisticados iMacs. Para já tem um problema, que é urgente resolver: além de subterrâneo, o centro está localizado numa praça que não será das mais turísticas de Madrid, e cá fora não há nada que indique a sua existência. Ou seja, é essa coisa delirante dum posto de turismo quase clandestino.

Nada disso afecta, porém, a qualidade da intervenção de Álvaro Siza. Como sucede com outras obras do arquitecto português, esta surge à primeira vista como um espaço austero, dum minimalismo frio e sisudo. Quando se começa a ver melhor, porém, descobre-se uma fantástica dialéctica de luz e sombra dominada por uma grande clarabóia aberta na superfície da Praça Colón, que ilumina directamente um pequeno espelho de água e o pátio central bem como um cem número de pequenos/grandes detalhes que lhe emprestam calor e fantasia. Na sua extraordinária depuração, este é o primeiro projecto na capital espanhola do arquitecto português, também ele vencedor do Pritzker de arquitectura. É assim tentador interpretá-la como uma espécie de anúncio de Siza da sua polémica regeneração do eixo Prado-Recoletos, a grande peça central que falta agora preencher no puzzle da nova Madrid cultural.

Onde ficar

NH Prado****
Plaza Cánovas del Castillo, 4, Madrid (Spain)
Tel.: +34 91 3302400
nhpaseodelprado@nhhotels.com
Novo hotel da cadeia NH em pleno coração do triângulo de museus do Prado e também a dois passos da CaixaForum. Requinte, sossego, um clássico moderno. Duplos a partir de 168€ e suítes desde 218€.

Urban*****
Carrera de San Jerónimo, 34
Telefone: +34 91 7877770
http://www.derbyhotels.com/
Também muito central e próximo do Paseo das Artes. Arquitectura e design arrojados, excelente restaurante, um dos hotéis mais "cool" do momento. A partir de 225€ por pessoa, com estadia de duas noites em quarto duplo.

Bauzá****
C/ Goya, 79
Telefone: +34 91 4357545
http://www.hotelbauza.com/
Hotel de design elegante, ambiência arty e clientela cosmopolita, em pleno distrito chique da Salamanca. Duplos a partir de 200€.

Onde comer

No triângulo de museus do Prado, o melhor em termos de restauração é agora o Thyssen-Bornemisza com uma lista de pratos tradicionais servidos com um toque de refinamento moderno (à base dos 30€ por refeição). O restaurante do Rainha Sofia abriu com a cozinha vanguardista de Sergi Arola, mas estava fechado quando lá passámos. O restaurante do Prado mudou-se do exíguo subsolo do palácio de Villanueva para um novo e amplo espaço no piso térreo, na nova zona de passagem entre o museu e a nova extensão, mas continua a ser self-service. O sétimo e último piso da CaixaForum é ocupado por um excelente restaurante com pratos a preços acessíveis (15-20€) e vistas soberbas sobre a cidade, reenquadradas pelo caprichoso rendilhado das lâminas de aço de Herzog & de Meuron.

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