Numa tarde quente e húmida de Verão, Pequim é um bom lugar para guardar segredos: a neblina intensa e o fumo dos automóveis envolvem as ruas numa cortina que garante a discrição dos lugares. Na Praça Tianamen, filas intermináveis evoluem passo a passo em direcção ao mausoléu de Mao. Frente à porta de acesso à Cidade Proibida, o retrato clássico do ditador parece olhar indiferente à multidão que se espreme por entrar no outrora espaço reservado ao imperador e à sua corte. Lá dentro, grupos de chapéus amarelos, de bandeiras azuis ou de “t-shirt” laranja seguem obedientemente os guias que lhes desvelam os segredos do lugar. Não se sabe muito bem o que incomoda mais quem acaba de atravessar grande parte da Sibéria e de descer de Norte a Sul as belas e enigmáticas estepes e desertos da Mongólia: o clima inóspito ou o turismo de massas organizado? Não, o problema não está em Pequim, mas na cabeça de quem passou os últimos 15 dias a percorrer a rota do Transiberiano ou, como reclamam os puristas, o Transmongoliano. Nenhum lugar ao longo da rota pode competir com a monumentalidade do Jardim do Eterno Paraíso, ou com a densidade histórica da Cidade Perdida. Nem Moscovo, nem Irkutsk e muito menos Ulan Bator, a capital mongol.
Mas é de monumentos que ficam sempre bem nos cartões de memória das câmaras digitais que se faz a viagem? Pequim é uma cidade que impressiona, em todos os sentidos. Mas, enquanto na Rússia asiática ou nas estepes mongóis se procura alguma coisa, ali a descoberta é-nos servida em pacote. Na sua aparente monotonia plana e verde, a Sibéria raramente provoca “ahs” ou “ohs”, mas a sua solenidade instiga, perturba e gera aquela ansiedade própria do desejo.
Pequim, último quilómetro da rota. Ponto final na viagem. Hora de recuperar e consolidar as imagens recentes. Da planície, dos lagos, dos rios cujas bacias são maiores que a Europa inteira, dos pântanos, das aldeias perdidas e esvaziadas com o fim da colectivização soviética, das memórias do gulag, dos destinos de almas errantes que encontraram na vastidão da Sibéria o lugar da sua liberdade ou as paredes de uma prisão da qual era impossível fugir.
Na primeira parte deste trabalho, andámos mais de cinco mil quilómetros até Irkutsk, ao lado do lago Baical. A segunda etapa começa aqui porque, por muito que se revivam as imagens e se colem os fragmentos do Transiberiano, é aqui que se descobre a quintessência da viagem.
De olhos no Baical
Fotografado do espaço, o lago Baical parece um olho azul incrustado num lugar remoto da Terra. Esta gigantesca massa de água doce que se espraia ao longo de 640 quilómetros de comprimento por um máximo de 80 quilómetros de largura é um prodígio da natureza: o lago mais profundo do planeta, o lago que iguala em capacidade de armazenamento todos os cinco grandes lagos da América do Norte juntos ou o mar Báltico, o lago que se enche à custa do caudal de 300 rios e riachos mas que se vaza apenas pelo leito majestoso do Angara. Além de um enigma, o Baical é também um cenário de extrema beleza. A cadeia de montanhas cobertas de florestas densas envolve-o num abraço que o torna acolhedor nos dias do estio. No Inverno, as suas águas gelam e, apesar da fúria dos ventos, o lago torna-se o palco dos que adoram deslizar na neve.
Uma boa parte dos viajantes do Transiberiano escolhe Irkutsk, a 64 quilómetros, ou Listvianka, já nas margens do lago, para fazer uma paragem. Cruzar a Sibéria sem prestar a devida vénia à sua pérola é um exercício sem sentido. Depois de mais de cinco mil quilómetros de planície, parar os olhos nas águas do Baical e seguir ao longe o recorte das suas montanhas garante um momento único de solenidade e de conforto mesmo quando a chuva e o nevoeiro nos impedem de aceder a todo o cenário, como aconteceu no dia em que a Fugas por lá passou. A paragem por aqui faz também sentido porque quem viaja para Leste, em direcção a Vladivostoque, ou para Sul, para Pequim via Mongólia, tem a oportunidade de distender os músculos e recuperar energias para os três ou quatro mil quilómetros que falta ainda cumprir até ao destino.
Durante os primeiros anos da história do Transiberiano, os comboios atravessavam o lago em poderosos “ferries” construídos a propósito no Reino Unido. Um desses colossos, o quebra-gelo Angara, pode hoje ser visitado nas imediações de Irkutsk. Com o tempo, as autoridades imperiais aperceberam-se dos custos dos atrasos e dos acidentes. Na guerra russo-japonesa de 1904-1905, os estrangulamentos da linha no Baical tornaram-se insuportáveis e uma nova linha para atravessar a difícil orografia da margem sul do lago começou a ser projectada e construída. É por aí que hoje os comboios seguem em direcção à República Buriácia, onde definitivamente as peles brancas, os olhos claros e os cabelos louros cedem a sua hegemonia às faces morenas e de olhos rasgados dos mongóis.
Prefácio perfeito
À chegada a Ulan Ude, a capital da república, um simples olhar prova a nova realidade asiática com que a Sibéria se mostra nestas longitudes. Na estação, o nome da cidade está escrito em russo com caracteres claramente inspirados na grafia mongol. Nas plataformas, as feições asiáticas predominam. Nas planícies que antecedem a chegada ao miolo urbano, os cavalos que deambulam livremente no verde sugerem-nos a proximidade de um novo mundo, onde a criação de equinos assume um papel essencial não apenas ao nível da economia, como da própria cultura quotidiana. A Buriácia é a região capital do budismo na Rússia.
Templos como o de Datsan recuperam por estes dias o fulgor da era pré-soviética, estacas com panos que simbolizam a devoção dos crentes encontram-se esparsamente na orla das estradas, inscrições gigantescas feitas com pequenas pedras observam-se a longas distâncias nas encostas das montanhas. Ulan Ude é o prefácio perfeito para a nova etapa do Transiberiano.
Poucos quilómetros depois, em Zaudinsky, o comboio deriva para Sul. Acabaram os dias de mudança constante de fusos horários, as planícies verdes, o frenético movimento de comboios carregados de minérios, madeira ou petróleo.
Vladivostoque fica longe, a 3600 quilómetros, nos confins do continente, a escassa distância do Japão, e custa ver o comboio mudar de trilhos e falhar este destino. Mas cruzado o essencial da Sibéria, uma grande parte dos viajantes prefere a mudança em vez da continuidade, a surpresa em detrimento da obsessão por um destino. A Mongólia, um dos países mais remotos do Mundo, fica ali, a apenas 300 quilómetros.
Mudam as locomotivas da electricidade para o diesel, a linha, apesar de ter sido construída na década de 1940, agrava as condições de circulação. Em breve, os dias ficarão mais curtos. Só os horizontes permanecerão grandiosos. Já sem o bucolismo da Sibéria nos dias quentes do Verão, mas com a carga dramática das estepes, de onde se erguem montanhas nuas e límpidas, a impor novas sensações.
O deserto de Gobi
Por muito que se tenha visto em filmes ou postais, por muito que a imaginação tenha antecipado a beleza depurada da Mongólia, quando se acorda numa manhã e se olha pela janela do comboio o que se desenrola lá fora, é impossível suster um estranho estado de felicidade. O verde da erva rarefeita é ilusório, o cinza escuro da montanha é estéril. Custa a acreditar como pode uma paisagem inóspita assim suscitar prazer aos sentidos. Há qualquer coisa de mágico, encantatório, naqueles lugares. Apetece correr sem parar para lado algum, apetece meditar, apetece acreditar que se é único numa daquelas paisagens que se sucedem, vale após vale, planalto após planalto, montanha após montanha.
Nos 1300 quilómetros da travessia da Mongólia é fácil detectar que as estepes do Norte são apesar de tudo mais amenas que o deserto do Gobi a Sul, mas, num ou noutro lugar, a Mongólia é um daqueles sítios que as cópias jamais serão capazes de traduzir. Erguido à custa do empenho soviético contra a dominação secular da China, o país é um paradoxo. Um terço da sua população continua a ser nómada.
Em lado algum se vê uma horta, quanto mais um campo de trigo. Os mongóis continuam, como nos tempos de Gengis Khan, a ser criadores de gado. Não custa a acreditar que a liberdade de movimentos se desenvolveu como um instinto, uma capacidade de adaptação a uma paisagem que instiga a liberdade que a residência fixa pode comprometer. Ao longo da travessia, os ger, tendas feitas de pele de animais e revestidas com lã, encontram-se nos mais inesperados lugares, seja nas periferias de Ulan Bator, seja no sopé de uma qualquer montanha, seja na orla da ferrovia em pleno deserto do Gobi.
Apesar de distante e pobre, a Mongólia é um paraíso para os amantes das viagens e os cultores da natureza. Os poucos hotéis de Ulan Bator são a base para expedições que duram semanas ou meses pelo coração deste país que, apesar de ser 15 vezes maior que Portugal, é habitado apenas por 2,9 milhões de pessoas (é o país independente menos densamente povoado do Mundo). A concentração de turistas endinheirados (há também imensos “backpackers”) gerou uma multidão de vendedores de “souvenirs”, de esquemas entre guias e lojas de caxemiras ou artesanato, de redes de carteiristas que convém avaliar com cuidado. De resto, em si mesmo, Ulan Bator é uma cidade desinteressante, feia até.
Não custa, por isso, continuar para Sul. A última barreira antes da China é o Gobi, interminável, monocórdico e belo como o são a generalidade dos desertos. Custa a imaginar como puderam viver dinossauros naquele lugar agora tão nu. A passagem da fronteira e a chegada a Erlian, na China, coincide com diferenças óbvias na qualidade da linha ferroviária, no aprumo das estações, na modernidade das máquinas. As carruagens do “comboio dos czares” no qual viajámos desde Moscovo num programa operado pela agência alemã Lernide (representada em Portugal pela agência Trópico) preparam-se para fazer a viagem de volta. A tripulação russa esforça-se por comprar quantidades industriais de bebidas alcoólicas ou de equipamentos electrónicos nas curtas horas de permanência em Erlian. O novo comboio é mais silencioso, mais moderno, mais “kitsch”, menos romântico. As hospedeiras não riem, não falam.
Partimos. O deserto do Gobi continuará a fazer-nos companhia, pelo menos até aos limites da Mongólia interior, a parte do país que se conservou na esfera do controlo da China.
Pequim, válvula de escape
Datong, a próxima paragem, é uma cidade que parece representar na perfeição a China dos nossos dias. Com os seus três milhões de habitantes, é uma cidade em ebulição. No centro (e nos subúrbios) não procure a beleza ou a arte; elas não existem ali. Mas a curta distância (cerca de 65 quilómetros) há-de haver uma curva que depois de vencida o deixará espantado: chegámos ao mosteiro de Hanging, uma obra-prima da engenharia incrustada numa rocha gigantesca que é ao mesmo tempo um prodígio de beleza. Outro lugar que torna Datong um ponto obrigatório da rota são as grutas de Yungang, a sul da cidade, onde os homens escavaram buracos gigantescos para poderem aí instalar imponentes estátuas de Buda. Aos poucos, a sensação de que a viagem se aproxima do fim instala-se. Pequim está a escassas centenas de quilómetros e quem quiser visitar a Grande Muralha faz bem em despedir-se do comboio em Datong e seguir o caminho pela autoestrada.
Pode ser que, como aconteceu à Fugas, tenha de esperar longas horas por causa de um acidente ou qualquer outro impedimento, mas vale a pena evitar a ida até à capital para depois andar para trás cerca de 70 quilómetros para medir com os próprios olhos o único monumento humano que se pode ver do espaço. A Grande Muralha construída para poupar a China às sucessivas invasões mongóis (e de outros povos da Ásia Central) é um marco que define a última etapa da longa jornada iniciada quase 15 dias antes na capital russa. Quem fizer o Transiberiano com início em Moscovo sentirá em Pequim o peso destas reflexões.
Neste particular, a capital chinesa funciona como uma primeira válvula de escape para o regresso à normalidade quotidiana. Quem a visitar de propósito ficará certamente impressionado com a sua grandeza e com a sua arte; quem lá chegar depois de sete mil quilómetros na Rússia e na Mongólia começará de imediato a acumular aquela saudade que faz das grandes viagens experiências inesquecíveis.
1.ª parte: Transiberiano I (Moscovo - Irkutsk): Um outro olhar sobre a Terra
Tempo e paciência
O cruzamento das fronteiras entre a Rússia e a Mongólia e entre a Mongólia e a China recorda-nos outros tempos em que a passagem das fronteiras só se fazia com medo, tempo e paciência. Nestas latitudes, por cada vez que se cruza a linha que separa dois países há que contar com pelo menos quatro horas de tempo perdido. E se os agentes das alfândegas e do controlo fronteiriço da Rússia e, principalmente, da Mongólia são razoavelmente simpáticos, não conte com o mesmo dos chineses.
O pesadelo das fronteiras
Na passagem da Rússia para a Mongólia, o comboio pára em Naushki e as suas portas são encerradas. Passados uns minutos, várias brigadas de agentes da fronteira entram nas carruagens e recolhem todos os passaportes e formulários recebidos no momento em que se entrou no país. Horas mais tarde, as portas do comboio voltam a abrir-se para que os passaportes sejam entregues. A primeira etapa do ritual está cumprida, mas háde repetir-se 21 quilómetros à frente, em Sukhbator, já na Mongólia. Agentes (homens e mulheres) aguardam a chegada do comboio em formação militar e, organizadamente, entram nas carruagens para repetir o gesto dos seus congéneres russos. A mesma formalidade repete-se à saída da Mongólia. Já em Erlian, na China, uma multidão de polícias toma conta do comboio. Interpelam-nos aos pares, com um agente a olhar detalhadamente o passaporte (visto por visto, carimbo por carimbo) e para o nosso rosto, enquanto o seu companheiro nos fotografa desalmadamente. Não perguntam se levamos armas ou drogas, importa-lhes mais os livros Depois, os passaportes são recolhidos e entregues mais tarde. Quando se pode sair do comboio, outra surpresa nos espera: agentes com câmaras de vídeo filmam os recém-chegados. Depois de tanta intimidação, acabamos por relaxar e chegamos a acreditar que tudo aquilo faz bem ao ego: por um momento, é bom sentir que somos importantes.
Ulan Ude
O seu nome pode ser exótico e a sua situação geográfica, acima da Mongólia e ponto de partida para a grande etapa do Transiberiano rumo a Vladivostoque, estratégica, mas nem por isso Ulan Ude é uma cidade aprazível. Após o primeiro olhar pela arrumação do espaço público, das ruas e dos edifícios, percebe-se que a capital da República da Buriácia é pobre, mais pobre que as cidades que a antecederam até Moscovo. Centro económico outrora importante pelas suas fábricas de equipamentos militares, Ulan Ude colapsou com o estertor da URSS e só agora começa a encontrar alternativas capazes de sustentar os seus 380 mil habitantes. De resto, os vestígios da sovietização são aqui ainda mais evidentes que em qualquer outro lado: os edifícios públicos, sejam teatros ou os serviços locais, exibem ainda os símbolos da era comunista. Numa das suas orlas, surpreende uma escultura da cabeça de Lenine desmesurada é a maior cabeça de Lenine de todo o mundo, vangloriam-se os habitantes. Os subúrbios, embora pobres, são mais autênticos. Ali, as reminiscências da cultura mongol que se expandiu na região com as rotas de mercadores surgem não só na arquitectura como na religião. A 35 quilómetros de Ulan Ude vale a pena visitar o Ivolginsky Datsan, um mosteiro budista que voltou a ser habitado por lamas como nos seus tempos de fulgor, antes de Estaline ter encerrado todos os templos religiosos da região e enviado os seus monges para o Gulag. Actualmente, os buriatos são o maior grupo de origem indígena da Rússia, com cerca de 400 mil pessoas. Na Buriácia, porém, representam apenas 30 por cento da população total.
Ulan Bator
Quem acaba de atravessar as belíssimas estepes contornadas por montanhas da Mongólia rural e chega a Ulan Bator sente de imediato o desconforto da desilusão. Ali não há nem a beleza da paisagem natural, nem grandes maravilhas da arte. Sobra o desordenado quase caótico de uma cidade que conta actualmente com um milhão de habitantes, as heranças soviéticas visíveis nos símbolos nacionais de outros tempos ou em monumentos que glorificam as realizações do regime extinto em 1990 (Ulan Bator quer dizer Herói Vermelho em mongol). Sobram também todos os sinais que se encontram nas capitais dos países pobres: mendigos e vendedores com carroças lado a lado com carros de luxo, níveis elementares de subsistência a par do consumo ostentatório de Moet&Chandon. Sendo ponto de partida para grandes viagens pelo coração do país ou para peregrinações mais acessíveis até ao fantástico Parque Natural de Terelj, a apenas 80 quilómetros de distância, Ulan Bator oferece também a possibilidade de se conhecer templos budistas (Mosteiro de Gandan e, bem mais interessante, o Museu Templo do Lama Choijin) ou ainda o Palácio Museu de Bogd Khan, o último rei celestial da Mongólia que não passava de um súbdito do imperador chinês. Para se ter uma panorâmica geral da cidade, recomenda-se uma subida até ao Memorial Zaizan, uma oferta dos soviéticos para celebrar a cooperação dos mongóis na Segunda Guerra Mundial.
Datong
Ser distinguida com o título da “capital do carvão” não parece ser gratificante para cidade alguma. Excepto para Datong. O carvão é a razão do seu crescimento, do seu sucesso, da sua própria existência. Em Datong, se vir um comboio carregado de carvão com mais de três quilómetros de extensão puxado por seis, sete ou oito locomotivas, não se admire: a escala do carvão é a medida da prosperidade local. Datong não é uma cidade bonita, mas é uma cidade interessante. Fica a uns 400 quilómetros de Pequim, mas o turismo ou os hábitos estrangeiros ainda não chegaram a estas paragens Datong é, aliás, um daqueles sítios onde as crianças olham espantadas para os rostos ocidentais com que se cruzam, onde os mais crescidos exibem sorrisos de cumprimento com o ar de quem celebra um acontecimento extrasensorial. Uma caminhada nocturna leva-nos a uma praça onde centenas (milhares?) de pessoas... brincam. Jovens e velhos, homens e mulheres. Cantam canções tradicionais, jogam à bola, lançam papagaios (com luzinhas, não estivéssemos nós na China), partilham pipocas, saltam à corda, correm uns atrás de outros. O espectáculo, terno e inocente, é comovedor. Seriam assim os modelos de convivência nas nossas cidades antes da televisão? Datong é também um ponto de partida para se conhecerem dois prodígios da arte chinesa: o mosteiro de Hanging e as grutas de Yungang. O primeiro, uma construção cravada numa escarpa gigantesca junto ao leito de um rio, é de cortar a respiração. Pela sua beleza própria, pelo enquadramento e também pela originalidade. Encontra-se a cerca de 65 quilómetros de Datong. As grutas de Yungang, mais um tesouro protegido pela lista do Património Mundial da UNESCO, acolhem milhares de esculturas de Buda, a mais pequena com dois centímetros, a maior com 10 metros de altura.
Pequim
Pequim, a capital de um país cuja economia regista o mais elevado e sucessivo surto de crescimento da História, é um gigante com 14 milhões de habitantes que se vai transformando paulatinamente do centro para a periferia, que vai deixando de ser uma urbe de casas baixas e de ruas labirínticas para ceder espaço aos arranha-céus belos e futuristas. Em cada um dos anos das últimas décadas, 10 mil casas dos tradicionais bairros populares (Hutong) foram demolidas. E o objectivo alcançado: a capital da China é hoje uma cidade tão moderna como a mais moderna das capitais ocidentais.
Por estes dias, Pequim vive ao ritmo da contagem decrescente para os Jogos Olímpicos. E face ao desafio, já não lhe basta ser uma cidade gigante de vidro e aço; tinha de ser uma cidade limpa, civilizada e com níveis de poluição aceitáveis. O primeiro objectivo foi conseguido: nas ruas já não se vê no chão uma beata, quanto mais vestígios de cuspo, uma excrecência que até há bem pouco tempo fazia parte dos hábitos públicos dos chineses; o segundo, nem por isso. O calor, a humidade e o fumo dos milhões de automóveis que circulam na sua intricada rede viária não o permitem.
Os parques monumentais são por isso verdadeiros oásis na escala desmesurada da cidade. Claro que a Praça de Tiananmen é um lugar de visita obrigatória. Mas olhemo-la de passagem e entremos no interior do espaço reservado à corte imperial, uma boa maneira de podermos recuar no tempo e relativizarmos as ideias feitas sobre os impérios ocidentais. Ali tudo é grande, poderoso e, sem ser deslumbrante, belo. Obrigatória é também uma visita ao Palácio de Verão, um parque belo e enorme. Outro destino recomendável é o Templo do Paraíso, um parque com 267 hectares em pleno coração de Pequim. Além dos templos, o que merece atenção são as manifestações populares que por lá acontecem, principalmente ao fim-de-semana. Um lugar onde as pessoas cantam, dançam ou jogam cartas, indiferentes aos turistas curiosos e aos cliques sucessivos das suas máquinas fotográficas.
1.ª parte: Transiberiano I (Moscovo - Irkutsk): Um outro olhar sobre a Terra
A FUGAS viajou a convite da Agência Trópico