Fugas - Viagens

Cambridge por dentro e por fora

Por Joana Gorjão Henriques

Por fora, as cores das árvores na Primavera e no Outono vão de A a Z. Por dentro, há todo um mundo intelectual para aproveitar. Cambridge é Harvard e Harvard é o orgulho americano.

Cambridge, MA, 02138. Dizem, com aquela grandiosidade que caracteriza alguns americanos, que este é o mais cobiçado código postal americano. Tem boas escolas, boas casas, bons restaurantes, boas lojas, bons cinemas e teatros, boas livrarias, bons parques, boas igrejas, tudo coisas fundamentais para um americano de classe média-alta.

02138 é o código onde fica a mais antiga e prestigiada universidade dos Estados Unidos, Harvard (foi fundada ainda antes do nascimento da nação, em 1636). Abrange a Harvard University e o centro, Harvard Square, onde tudo vai dar: as 11 faculdades, os museus (o Carpenter Center, desenhado por Le Corbusier, é imperdível), as livrarias (a Harvard Book Store tem últimas novidades e óptimos negócios de livros em segunda mão), as gelatarias com sabores mais raros em Portugal (manteiga de amendoim e chocolate, por exemplo, na Lizzy's), os restaurantes (o Grafton Street tem dos melhores hambúrgueres da cidade e o Daedalus é perfeito com um copo de vinho tinto ao fim de tarde a acompanhar uns mexilhões), as lojas de roupa...

Um dos bares em que Mark E. Zuckerberg aparece em A Rede Social, o Thirsty Scholar, não fica em Cambridge mas numa das cidades adjacentes, mais barata, Sommerville, e é um dos sítios onde se vai ver jogos na televisão. A fazer-lhe concorrência tem o código 02139, uma zona mais moderna e também mais inóspita de Cambridge onde está o MIT (Massachusetts Institute of Technology).

Segundo Juan Enriquez, um dos gurus na área de cruzamento entre ciência e economia e política, o zip code 02139 é o mais interessante e com mais concentração de cérebros do mundo aqui gerou-se uma das maiores economias globais criadas por pessoas que estudaram no MIT. É também onde fica, por exemplo, o Human Genome Project, e onde se cruzam várias instituições de diferentes áreas que estão a investigar o cérebro, uma sinergia particular.

Por causa de Harvard, e também do MIT, Cambridge é um microcosmo intelectual. John Adams, Thomas Jeff erson, FD Roosevelt, JF Kennedy ou Barack Obama foram alguns dos Presidentes americanos que andaram pelas salas de aula de Harvard e a lista de pessoas conhecidas é enorme, do escritor TS Elliot ao antigo candidato à Presidência Americana tornado activista Al Gore. Vale a pena, por isso, tentar conhecer Harvard naquilo que tem de melhor.

Claro que é difícil entrar nas salas de aula, por exemplo, e ver os alunos, alguns de 18 anos, a competirem pelo comentário mais iluminado, ou professores como Henry L. Gates (estudos afro-americanos), Niall Ferguson (história/economia), James Kloppenberg (historiador) ou James Wood (literatura) a discutirem de igual para igual com eles. Mas muitos, e muitos outros convidados, vão a Harvard falar, quer em grupos mais pequenos, quer em conversas públicas.

Portanto o melhor é pegar numa agenda, consultar o plano de eventos de cada uma das faculdades através da Internet e aproveitar Cambridge por dentro a universidade é tão orgulhosa da sua descentralização que não tem um site com tudo o que acontece em todas as faculdades e há muitos eventos que só são agendados em cima da hora, como o próximo ciclo de conversas sobre o Médio Oriente na Harvard Kennedy School (em Março ainda há várias).

É uma oportunidade única, e é óbvio que se pode ter mais sorte de acordo com a altura que se escolher, mas ir a Cambridge pode ser também ter o privilégio de se ouvir o anti-americanismo do americano Noam Chomsky à hora de almoço e o nacionalismo de direita de Paul Wolfowitz à tarde. Percorrer os corredores das diversas faculdades é também cruzar-se com pessoas de todo o mundo e dá uma ideia sobre as elites do país.

Numa sociedade que se construiu com base na ideia de meritocracia, e que tem projectado a imagem de inexistência de classes sociais, Harvard funciona como um outro sistema de selecção, um elitismo que se orgulha de ser baseado na competência intelectual. A ideia de excepcionalidade faz parte da vibração diária da cidade, uma espécie de América dentro da América. A "nação" Harvard deverá ser, aliás, das mais eficazes armas do soft power americano (expressão cunhada pelo professor de Harvard Joseph Nye para se referir ao poder de atracção de um Estado).

Uma cidade onde há dinheiro

Além disso, por fora Cambridge consegue ser desarmante, sobretudo no Outono ou na Primavera. A região da Nova Inglaterra é conhecida pela sua foliage outonal e muita gente programa viagens para acompanhar de Norte a Sul a caída gradual das folhas. A verdade é que não é preciso sair de Cambridge para ver o espectáculo de cores a fazer do céu um lugar ainda mais desejado para olhar: tantos tons de laranja, vermelho, amarelo, verde, castanho, num A a Z de cores que parece curto para descrições; ou então, na Primavera, todas as árvores em flor, agora com a luminosidade dos brancos, amarelos, verdes fluorescentes, rosas, azuis, em doses extra large americanas.

Se há uma altura para visitar esta cidade, é numa destas duas. Até porque, sendo um sítio que ainda tem as quatro estações muito demarcadas, no Verão é extremamente quente e húmido (a humidade chega a mais de 80 por cento, parece que estamos nos trópicos) e no Inverno um frio de rachar, com a neve a cobrir toda a cidade de branco (menos 20 graus às vezes.).

Ao todo, Cambridge abrange uma área geográfica relativamente pequena (cerca de 18 quilómetros quadrados, facilmente percorridos a pé). Fica naquele que é considerado o estado mais liberal dos Estados Unidos, Massachusetts: predominantemente democrata, foi o primeiro a legalizar o casamento entre homossexuais em 2004, tem sistema de saúde para todos ao contrário do resto do país, e é conhecido pelos brandos costumes e tolerância. Sem esquecer, claro, que a cidade a 10 minutos de metro de Cambridge, Boston, tem todo um simbolismo nacional: uma das mais antigas cidades americanas, foi lá que nasceram os primeiros movimentos que levaram à Revolução Americana e independência e activismos políticos pela abolição da escravatura.

Com prédios baixos e casas de não mais de três andares, cheias de cores, alpendres e jardins, a arquitectura de Cambridge define-se pelo que mais próximo estará da ideia europeia de "antigo" foi oficialmente fundada em meados do século XVII e essa história é conservada e protegida. É, como já se disse, uma cidade onde há dinheiro: numa população de 106 mil segundo os últimos dados do Census Americano, o rendimento per capita, 44,171 dólares, é bastante superior ao da média nacional, cerca de 27 mil dólares. Mas tem 15 por cento de pessoas na pobreza, algo bastante visível em áreas centrais como Harvard Square, onde a cada esquina há um sem abrigo a aproveitar cantos para dormir.

Tudo está organizado para as universidades e para os estudantes. Em cada esquina uma camisola com Harvard estampada à venda, em cada esquina comércio direccionado para jovens. Não significa, no entanto, que seja uma cidade barata, pelo contrário. E estudar numa das duas maiores universidades também não. Por ano, o custo de Harvard com dormida e despesas é estimado em 50 mil dólares e os números do MIT não são muito mais baixos (cerca de 33 mil dólares só propinas). Há, no entanto, uma opulência nos estudantes muitos deles subsidiados por fundações e pelas próprias universidades que contrasta com o resto da população.

Se se visitar a cidade num dos períodos de mudanças (fim ou princípio do ano lectivo) pode-se constatar que aquilo que eles deixam para trás, e é depois vendido ao desbarato para dar os fundos a organizações não governamentais, vai de computadores e televisões a tudo o que se precisa para mobilar uma casa. E passeando pela cidade em dias de recolha de lixo encontram-se muitos objectos que faltavam na nossa sala. Mas não nos deixemos iludir pelas aparências: por dentro, a elite intelectual americana é muito mais estimulante do que o lixo que deita fora em Cambridge.

Como ir

A Continental Airlines tem voos para Boston com preços a partir de 581 euros com taxas já incluídas.

Onde comer

Temple Bar
1688 Massachusetts Avenue, Cambridge, MA 02138 Tel.: 617 547 5055 www.templebarcambridge.com

Casablanca Restaurant
Cambridge, MA 02138
Tel.:617 876 0999
www.casablanca-restaurant.com

Crema Cambridge
27 Brattle Street, Cambridge, MA
Tel.: 617 876 2700
http://cremacambridge.com

Onde dormir

Charles Hotel
Harvard Square, One Bennett Street, Cambridge, MA 02138
Tel.: 617 864 1200
www.charleshotel.com

Irving House
24 Irving Street, Cambridge MA 02138
Tel.:617 547 4600
www.irvinghouse.com

Net: www.harvard.edu | www.thirstyscholarpub.com 

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5 filmes, 5 cidades, 5 viagens

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