Fugas - Viagens

Fernando Veludo / NFotos

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Viajar, olhar, desenhar - devagar

Colher uma folha do chão, fixá-la atentamente até quase a visualizarmos com os olhos fechados. Atentar na complexidade dos pormenores, no contorno, nas texturas. Depois, acompanhar lentamente com a mão (sem olhar para o que o lápis desenha) o contorno que os nossos olhos fazem da pequena folha. Tudo isso muito devagar, como não podia deixar de ser. O truque é imaginar o percurso que uma formiguinha lenta iria traçando, primeiro pelo rebordo da folha, depois caminhando pelas nervuras, depois detendo-se em pequenos relevos... "Tu não estás a fazer um desenho, o objectivo é coordenar a visão/mente/mão que desenha", acalmou-me Melissa, quando viu o meu primeiro resultado. Nunca ninguém diria que aquilo que desenhei tentava passar por ser uma folha de uma árvore... Tentei mais vezes, e à medida que conseguia travar o ritmo da minha formiguinha imaginária o resultado apareceria melhor. Mas, dizia-me Paulo Borges, o terceiro professor, ainda estava muito preocupada com o contorno da folha e menos com os pormenores...

Na paragem seguinte, no meio da fabulosa Mata de Mateus, já nos foi permitido olhar de vez em quando para o papel. "Só para acertar a localização de uma textura, para definir melhor um contorno...", pedia Bodil. Se não fosse este exercício, porventura não estaria sentada debaixo dos castanheiros durante tanto tempo... só a ouvir o rio a correr uns metros abaixo e a deixar que as frondosas árvores me poupassem da inclemência do sol. Não fosse o repto de parar para desenhar o que quer que fosse, e que nos apetecesse, e eu teria optado por caminhar sempre, permitindo-me, apenas, a breves paragens.

Optei por recolher um pequeno ramo, daqueles que ficaram esquecidos pelos locais que vão àquela mata buscar lenha para se aquecerem ou para cozinhar. Nunca tinha estado tanto tempo a olhar, com olhos de ver, para um pedaço de tronco morto. Melissa continua a dizer-me para não me preocupar demasiado com o resultado dos desenhos, só deixar o lápis acompanhar sincronizadamente aquilo que os olhos vêem. Atentar no pormenor das texturas, dos contornos, dos preenchimentos... e deixar o lápis fluir. Quando o presidente da Fundação Casa de Mateus, curioso por perceber os progressos do grupo, olhou para o meu desenho brincou: não, não é uma pistola, como tinha dito, a brincar, o fotojornalista que nos acompanhou, Fernando Veludo; Fernando Albuquerque disse-me que eu havia desenhado algo que se parecia com o mapa de Itália. Estas leituras divertiam-me. E muito.

Por estas alturas, ainda não tínhamos andado a espreitar os desenhos de uns e de outros. Mas fizemo-lo, à tarde, na primeira sessão em estúdio. E este é um dos aspectos que foi muito bem resolvido pela equipa da Slow Mile. Estas residências podem ser frequentadas por qualquer um, experimentado ou não em fazer desenhos. Comigo estavam um arquitecto, um designer, e dois amantes assumidos do desenho - Teresa é daquelas pessoas que tem sempre um sketchbook à mão, que ainda tentou tirar um curso de belas artes, mas que desistiu, enfastiada com as regras. Para todos havia palavras de encorajamento e também reparos a fazer. E ainda bem, dissemos todos, os experientes e os nem por isso. Uma residência de desenho é para aprender e para aperfeiçoar. E para conviver, com o grupo e a natureza.

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