Fugas - Viagens

Fernando Veludo / NFotos

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Viajar, olhar, desenhar - devagar

Primeiro o esboço rápido, para ajudar a captar a dimensão, a ocupação do espaço. Carregar no traço nas linhas mais visíveis, aligeirar naquelas que vemos menos definidas. Aqui, voltei a ter problemas... era mais fácil tentar reter a voracidade das cabras do que desafiar aquelas fragas, que nos diminuem pela sua grandeza. À tarde, haviam de nos dar uma outra ferramenta que se revelou essencial para ajudar aqueles que, como eu, não estão nada à vontade para desenhar perspectivas e profundidades.

E o método é simples. Bodil chama-lhe caixilho, a técnica chama-se placement, ou enquadramento. Consiste em fazer uma espécie de moldura que delimite a folha ou o caderno em que vamos desenhar. Depois, escolhemos um ponto da paisagem que queremos desenhar, e vamos passar a vê-la sempre através desse caixilho. E a paisagem tridimensional num horizonte alargado transforma-se, assim, numa realidade a duas dimensões, como se estivéssemos a olhar para um slide de uma fotografia. Escolhi desenhar o núcleo de pequenas casas que Inês Albuquerque tem vindo a recuperar, para aumentar a oferta da sua Casa Agrícola da Levada. Com a ajuda do caixilho, lá consegui desenhar primeiro as ruínas do que foi a adega da quinta, apenas traçando aquilo que estava ver. Porque quando desenhamos de cor (porque já sabemos que um telhado tem uma determinada aparência), e não apenas aquilo que estamos a ver no momento, as coisas não correm tão bem.

Foi incrível perceber como todos estavam a gostar dos resultados obtidos, com a aplicação de técnicas que parecem tão simples, mas que, ao mesmo tempo, parece que ninguém se lembraria de aplicar. Mesmo os mais habituados aos esboços e aos lápis. Às vezes, basta um gesto simples, como o de semicerrar os olhos (parece um contra-senso!) para ver melhor. No fundo, no fundo, diz, animada, Bodil, não são precisas grandes teorias sobre o desenho. O fundamental está no olhar, e na qualidade da atenção. "Quando existe esta abertura para ver, sem preconceitos, expectativas, nem ideias sobre o resultado, quem desenha responde àquilo que realmente vê..."

E, já perto do final da residência, lá acabei por admitir que Bodil Eide, Paulo Borges e Melissa Morris tinham muita razão. Ninguém pode dizer que não sabe desenhar porque, afinal, o que é preciso é saber olhar. A qualidade do desenho virá depois, com a prática e a experiência. Saber olhar será, pois, a maior das aprendizagens, numa altura em que tudo à nossa volta parece voraz e veloz. O segredo é mesmo andar devagar. Se tiver por companhia estes três professores, terá muito a partilhar e a aprender. E a garantia de que, com eles, virão outros interessados no mesmo: em fazer passeios em lugares agradáveis, em deixar ser a natureza e a paisagem a impor-nos o ritmo do nosso percurso. A boa companhia está garantida.

Projecto Slow Mile

O projecto Slow Mile foi fundado em Novembro de 2008, por uma norueguesa, Bodil Eide, que vive em Portugal, por Paulo Borges, que vive com ela, e por Melissa Morris, uma americana que vive na Toscana. Apaixonados pelos desenhos, misturaram as teorias e as técnicas dos autores que gostam e propõem aos participantes - com prática de desenho ou não - visitas a museus, sketchbook walks e, agora, também residências de desenho. O primeiro lugar em que assentaram poiso foi a Casa Agrícola da Levada, em Vila Real.
Pelo ambiente tranquilo e familiar que oferece e pela localização privilegiada para aceder a monumentos da natureza como são o Douro e o Alvão. Os preços são a partir de 350 euros por pessoa, com tudo incluído.

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