Fugas - Viagens

Fernando Veludo / NFotos

Viajar, olhar, desenhar - devagar

Por Luísa Pinto

Acha que não sabe desenhar e pensa que do seu lápis só saíram esboços ininteligíveis? Esqueça, não é verdade. A natureza e a paisagem do Alvão ajudam muito, mas quem faz milagres são mesmo os três professores da Slow Mile, que começaram a organizar em Vila Real residências de desenho.

Manda a honestidade que comece pelo fim: eu achava que não seria a pessoa indicada para aceitar o desafio que foi proposto à Fugas pela Slow Mile. Já não acho. Afinal, garantiu-me Bodil Eide, professora norueguesa e um dos três mentores desta iniciativa, acabei por ser a prova provadinha de que sim, qualquer um consegue desenhar. Uma residência de desenho com estes três pacientes e bem-humorados professores e o milagre acontece. Os milagres acontecem. Assim, no plural.

No oitavo ano, fiquei traumatizada na disciplina de Educação Visual porque não consegui sequer esboçar a cadeira que me puseram à frente. Agora consegui desenhar folhas roubadas dos jardins da Casa de Mateus; corri as fragas do Alvão atrás de apressadas cabras e logrei travá-las para sempre numa folha de papel; perpetuei a perspectiva do pequeno núcleo de casas que têm vindo a ser recuperadas para aumentar a capacidade da Casa Agrícola da Levada, em Vila Real. A proposta da Slow Mile consegue ainda um outro milagre, esse mais difícil de concretizar do que aquele que operou em mim, em apenas dois dias. É também um milagre bem mais difícil de descrever: o de nos obrigar a abrandar e a ver com os dois olhos as coisas que no dia-a-dia se escapam como areia fina por entre os dedos. E a concordar que sim, é na natureza que encontramos o mestre que equilibra todas as coisas. Parece chavão? Não faz mal.

Agora que já sabem o fim, voltemos ao início. E arranquemos com a história desse fim-de-semana prolongado.

A proposta era tentadora. E o nome do projecto não engana. Depois do slow travel, do slow food, dos muitos slows que vão surgindo para contrariar as pressas em que vivemos, um grupo de três pessoas - e agora, também, três professores de desenho - acharam que ainda faltava um slow à já longa lista. E acreditaram que deveria haver maneiras diferentes de visitar museus ou de fazer passeios pela natureza sem ser daquela forma de queimar os percursos de uma forma apressada, de máquina fotográfica na mão. Eles preferem desenhar - é verdade, neste aspecto nunca seremos todos iguais, é difícil, nos dias de hoje, prescindir de uma prática e competente máquina fotográfica.

E, começava por dizer Melissa Morris - uma das professoras, americana, residente da Toscana, onde também organiza residências de desenho e sketchbook walks - é fácil esquecer algo a que tiramos uma foto mas é difícil esquecer algo que desenhamos. Por isso, pedia aos participantes para depois manter em prática aquilo que iríamos experimentar na residência de desenho que nos propunham: se não a prática de desenhar (lá está, uns gostam mais, outros gostam menos, e eu apenas agora mergulhei nisto), pelo menos a de olhar para as coisas mais devagar, e de uma forma diferente.

A formiguinha

Inês Albuquerque, dona da Casa da Agrícola da Levada, onde uma casa foi transformada em estúdio para albergar estas residências, cresceu nos jardins da Casa de Mateus. E garante-me que ao percorrer os jardins da forma que nos foi sugerido, em silêncio, com calma, conseguiu reparar em árvores que antes não tinha valorizado. Foi nos jardins da casa de Mateus, sentados numas pedras que se converteram magicamente num pequeno anfiteatro de aulas, que executamos o primeiro exercício: o Blind Contour.

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