As "gravuras rupestres"
A sessão em estúdio foi precedida por mais um pequeno passeio, junto ao rio que atravessa a Casa da Levada, para que pudéssemos, de novo, escolher entre a natureza, viva e morta, os pequenos tesouros que nos apetecesse desenhar. Ouriços, flores, pedras, paus, troncos, folhas.
Pediram-nos para começar a carregar mais ou menos no traço do lápis, para dar profundidade e textura ao objecto. Ainda não estamos a falar de sombras, e do claro-escuro - isso há-de vir mais tarde, e com experiências com o pó de carvão. Só estamos a falar de deixar o lápis desenhar... Quando acharmos que não estamos a conseguir, há um truque que funciona com todos. Quem for destro, que desenhe com a mão esquerda. Quem for canhoto, desenha com a mão direita. Funciona! Até com os mais experimentados - ou será antes sobretudo com eles? Já explico: o automatismo na forma como pegamos no lápis, a mente que é mais rápida do que o olhar, e que nos leva a desenhar de memória, a ter pressa de continuar, de acabar rápido, não respeitando a lentidão da formiguinha... quando há menos controlo na mão que desenha, ela, porventura, obedece melhor ao exercício.
Melissa explica ainda melhor: quem está habituado a fazer esboços rápidos, como André, arquitecto, ou José Manuel, designer, tem tendência para fazer os desenhos quase mentalmente, de cabeça, quase não parando para captar o que os olhos estão a ver. Não é que o desenho saia mal. Mas se conseguirem travar o cérebro, que se adianta aos olhos, e desenhar só no momento em que olhos vêem, faz a diferença. André, canhoto, desenhou com a mão direita e ficou mais contente com o resultado. Também eu, que não tenho prática nenhuma, e que uso lápis só para escrever caracteres, aventurei-me com a mão esquerda. E saiu muito melhor... Pela primeira vez na minha vida desenhei algo que qualquer um conseguiria perceber o que é. Sem ambiguidades.
O mesmo não pode ser dito das cabras que desenhei, horas mais tarde, quando subiam as fragas do Alvão. As "gravuras rupestres" com que enchi páginas e páginas não serão prontamente identificáveis. Mas foi um dos exercícios mais divertidos que nos foi proposto: o desenho gestual. Só com esboços, rabiscos, sem preocupações com o contorno, mas antes a preocupação de tentar captar o movimento, a emoção, captar a matéria e a profundidade. As cabras do pastor Carlos foram o melhor pretexto para fazer este exercício. O pastor tinha o desafio de as impedir de irem para longe; nós tínhamos o desafio de as travar no papel, nos três segundos que elas consomem até partirem para o movimento seguinte. Eu achava impossível consegui-lo. Bodil explicou-me que não. Ao ver o exemplo que ela me mostrou, e o esboço que traçou em poucos segundos, dei uma gargalhada: "Ah... isso acho que consigo!". A verdade é que depois não conseguia parar de fazer os rabiscos...
O que faz falta é saber olhar
O desafio seguinte foi o de usar as duas ferramentas que já havíamos aprendido, o desenho gestual e o contorno cego. As cabras, e o pastor, seguiram o seu trilho, e nós ficamos ao sol, a lagartar, e a tentar desenhar as pedras, imponentes, enormes, majestáticas, a darem-nos a sensação que estão posicionadas naquelas encostas desde sempre.