Os próprios nomes das confrarias e das imagens remetem para tempos de linguagem rebuscada, esplendores e, por contraste, de exaltação do sofrimento: Fervorosa Irmandade do Culto e Procissão do Santíssimo Cristo da Crucificação; Maria Santíssima da Maior Dor na Sua Solidão; Maria Santíssima do Amor Doloroso... Mas também se afirmam, por contraste, a Senhora da Esperança, da Graça ou da Caridade, o Senhor Jesus da Misericórdia ou o Cristo do Amor, entre outras invocações.
Foi ainda no tempo dos reis católicos, depois de estes terem conquistado Málaga ao Al-Andaluz, que tudo começou. Fernando e Isabel patrocinaram a construção de conventos e igrejas. Em 1507/09 surgem as primeiras irmandades à volta de algumas imagens e também como forma de apoio mútuo e solidariedade.
Saem nesse início do século XVI as primeiras procissões de Semana Santa. Há irmandades de flagelantes ou de sangue (que a Igreja Católica proibiria no século XVII), e de luz (os seus membros transportavam círios). Com o Concílio de Trento (1545-1563), a Igreja Católica reage à Reforma protestante de Martinho Lutero incentivando, entre outras coisas, a arte das imagens como forma de catequese para os analfabetos. O advento e apogeu do barroco fariam o resto.
A diferença nota-se no número de pessoas necessárias para transportar os andores: nessa altura, bastaria uma dezena de confrades. Hoje, o trono da Senhora da Esperança precisa de 260 pessoas - é o maior, construído por artesãos. O aumento do tamanho e peso dos tronos tem razões paradoxais: uma afirmação das confrarias perante o ateísmo da República espanhola, derrotada por Francisco Franco após a Guerra Civil (1936-39); e as más relações entre as confrarias e o clero local, por causa dos problemas criados durante as celebrações litúrgicas da Semana Santa - e que só o tempo viria a resolver.
O Cristo dos Legionários
Poucos anos antes da guerra, em 1927, as irmandades tinham-se associado. Terminado o conflito, reorganizam-se, recuperam os bens que fora possível salvar e mandam construir novos tronos e imagens - sobram muito poucas de antes da Guerra Civil.
Ao mesmo tempo, desligam a sua sede física das igrejas a que estavam ligadas e constroem as casas da irmandade - gigantescos armazéns onde se guardam os tronos e o material necessário para as procissões. Algumas das casas da irmandade, como a da Confraria da Esperança, foram mesmo transformadas em museu, podendo ser visitadas em qualquer altura do ano.
Os rituais da Semana Maior de Málaga incluem ainda a libertação de um preso, numa cerimónia a recordar as cenas que antecederam a morte de Jesus: na Páscoa judaica, o governador romano da Palestina costumava libertar um preso. No ano em que Cristo foi morto, o governador Pôncio Pilatos fez o mesmo, perguntando à multidão se queria libertar Jesus ou Barrabás.
Não se pense que, de ano para ano, apenas se repetem rituais sem novidade: as imagens vão-se renovando, prometem-se novos mantos (para 2011, um novo na imagem da Virgem da Esperança) ou estreiam-se novas peças musicais - há todo um património de música de bandas e marchas processionais ligado aos actos da Semana Santa, que é possível ouvir já em discos e na Internet.