Fugas - Viagens

Rafael Marchante/Reuters

Málaga - O bailado dos tronos na Semana Santa

Por António Marujo

Sete dias, 87 procissões com tronos transportados por mais de 200 pessoas. A semana que antecede a Páscoa é um apelo aos sentidos: o incenso e o alecrim, a música, o peso e a sumptuosidade dos tronos, a emoção das aclamações. E, claro, o gosto do pescaito frito nas praias de Pedregalejo. A Fugas experimentou tudo isto e conta como foi, para quem queira viver uma Semana Santa barroca e superlativa

Ao toque do sino, os homens de trono levantam o grande andor onde está colocada a imagem de Cristo a carregar a cruz. Há esgares de esforço. Mas, num segundo, o corpo, todos estes corpos, começam a bailar num ritmo lento e coordenado. No meio da multidão, há quem grite "Guapo, guapo, guapo", voltado para a imagem de Cristo - mas a da Virgem tem aclamações semelhantes, talvez mais frequentes. O aplauso colectivo premeia e incentiva os esforços de quem acabou de erguer a imagem venerada.

São 200 ombros, podem ir até 240 ou 260 no caso dos tronos maiores ou mais pesados - há os que chegam às quatro toneladas. Cada ombro suporta 30 a 35 quilos, durante sete a dez horas, doze em alguns casos. Os da Confraria da Esperança estão entre os mais espectaculares, mas o Cristo da Boa Morte, acompanhado pelo corpo de legionários espanhóis, é o que mais gente tem a ver a sua saída. Mas já lá vamos, que ainda só estamos nos preparativos.

Por toda a Semana Santa, Málaga não dorme. Literalmente. A cidade sai inteirinha à rua, todos os dias, para ver 87 procissões. Entre Domingo de Ramos e Domingo de Páscoa, o centro da cidade torna-se um gigantesco palco, desde o princípio da tarde à madrugada do dia seguinte - a excepção é Sábado Santo, em que não há procissões, recordando o dia do grande silêncio em que Jesus esteve no sepulcro. São oito procissões em Domingo de Ramos, seis na segunda, terça e quarta, sete em Quinta-Feira Santa, oito na sexta e uma no Domingo de Páscoa. Os dias mais importantes são quarta e quinta.

Esta é a mais intensa Semana Santa da Andaluzia, defendem os malaguenhos - e confirmam forasteiros. Pelo número e grandiosidade dos tronos, pelas pessoas que movimenta, pela adesão da cidade e dos turistas - 190 mil no ano passado. O actor Antonio Banderas, natural de Málaga, é apenas um dos cerca de 140 mil (um quarto da população da cidade, com mais de 560 mil habitantes) que fazem parte de uma confraria. Banderas, que vai a Málaga cada Semana Santa, sempre acompanhado de Melanie Griffith, é mordomo de trono (vai à frente) na confraria Fusionadas e homem de trono na da Esperança (neste caso, como "submarino", os que vão debaixo da imagem, cujo rosto não é visível desde fora).

Os membros das confrarias podem ser nazarenos (vão na procissão e vestem a túnica e o capuz da confraria), penitentes (levam uma vela) ou homens de trono. Neste último caso, há quem faça promessas - ir de olhos tapados, de pés descalços, no submarino - e a tradição e a força necessária para levantar o trono dizem que as mulheres são em muito menor número.

Este ano, apareceu mesmo um conflito na Confraria do Cristo da Redenção e da Virgem das Dores: a direcção não quer permitir que duas mulheres transportem o trono, tal como fizeram no ano passado.

O delegado do bispo para as confrarias está a mediar o conflito, advogando que nada impede a participação feminina - há irmandades andaluzas constituídas apenas por mulheres.

Regra geral, cada uma das 42 irmandades tem dois andores: um com uma imagem de Cristo, outro com uma invocação da Virgem. Quatro delas têm apenas um trono e a Fusionadas (que resultou da junção de várias) tem cinco tronos.

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