Fugas - Viagens

Luís Maio

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Vicenza - A cidade de Palladio

A praça que resume tudo

A Piazza dei Signori foi e continua a ser a praça principal de Vicenza. Uma longa praça rectangular dominada pela Torre do Campanário de 82 metros de altura e, um pouco mais abaixo, por colunas que sustentam um Leão Alado e um Cristo Redentor. É uma skyline que não destoaria em Veneza, mas os edifícios mais emblemáticos da praça pertencem já a essa outra galáxia que é a arquitectura de Palladio.

A intervenção no Palazzo della Ragione, mais conhecido por Basílica (1546), foi a primeira encomenda importante, ao passo que a Loggia del Capitaniato (1571) é um dos projectos mais emblemáticos dos últimos anos de carreira. Ambas são obras maiores do arquitecto quinhentista, mas têm essa mais-valia de se encontrarem quase frente a frente, sugerindo de imediato comparações entre as suas fases de juventude e de maturidade. A praça é, portanto, um perfeito ponto de partida (ou de chegada) para qualquer roteiro de descoberta de Vicenza e aquilo que não se pode perder, mesmo numa visita de médico.

O Palazzo della Ragione era a antiga sede das autoridades locais (os signori a que alude o nome da praça). Um edifício gótico, que a edilidade quis emoldurar com uma dupla ordem de loggias, em finais do século XV, por motivos estéticos mas também para dar tecto ao mercado que cresceu à volta. A primeira empreitada correu mal e ruiu, dando lugar a um novo concurso a que se habilitaram alguns dos arquitectos mais prestigiados da época. Andrea Palladio, então com 38 anos de idade, era ainda quase desconhecido um cortador de pedra originário de Pádua, que ambicionava reinventar-se como arquitecto em Vicenza.

Depressa, contudo, se fez notar e ganhou o patronado de personalidades influentes, como o humanista Trissino, que em muito terá contribuído para as autoridades lhe confiarem o projecto. Palladio resolveu a parada projectando nas duas ordens de loggias o motivo do chamado Arco Serliano, centrado num grande vão abobadado, flanqueado de dois vãos rectangulares mais pequenos, bordejados por filas duplas de colunas. Uma solução sóbria e ao mesmo tempo majestosa, funcional mas nem por isso menos elegante, resumindo toda a paixão do Renascimento pela Antiguidade, depois celebrizada como palladianismo.

Mas se Palladio sempre se manteve fiel aos ensinamentos clássicos, não é menos certo que nunca parou de se reinventar (ou de os reinventar, aos clássicos). De tal modo que quando foi chamado de volta à Piazza dei Signori, desta vez para desenhar a nova sede do governo veneziano, o resultado apurou-se substancialmente diferente. A Loggia del Capitaniato, da qual acabaram por ser construídos três dos cinco ou sete eixos inicialmente previstos (embora hoje pareça completo), é um edifício de acentuada impulsão vertical com uma fachada dominada por quatro colunas colossais, que se prolonga nas alturas por enormes capitéis misturando as ordens jónica e coríntia.

A matriz vertical da Loggia del Capitaniato contrasta com a horizontalidade dominante no Palazzo della Ragione, do qual descola igualmente pelo acento colocado no relevo das loggias e pelo jogo de cores, que faz alternar o vermelho do tijolo nas colunas ao branco da pedra talhada dos pedestais. As combinações de luz e sombras, bem como o profuso emprego de elementos ornamentais, justificam a aproximação ao maneirismo. A unidade dinâmica, vertical e plástica do conjunto poderá ser vista como uma antecipação do barroco. Mas o que é sobretudo ostensivo na comparação dos dois edifícios da Piazza dei Signori é o progresso de Palladio de um registo de refinada sobriedade para um de exuberância e complexidade.

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