O essencial da excursão urbana
O centro histórico de Vicenza é exíguo, a maior parte dos 23 edifícios classificados pela UNESCO encontra-se em meia dúzia de quarteirões. Se esta classificação implica envolvimento de Palladio nos ditos edifícios, já não quer dizer que os tenha projectado a todos de raiz, nem que o seu valor artístico seja igual. Talvez por isso não há um só roteiro consagrado, mas uma multiplicidade de opções de visita. Vai do itinerário restrito ao best of de Palladio àqueles que o enquadram na descoberta de Vicenza por bairros. Vai dos guias que só contam anedotas da Vicenza de Quinhentos aos que se limitam ao jargão arquitectónico. No meio, como sempre, estará a virtude, ou neste caso o Palladio essencial.
Uma etapa comum à maior parte dos roteiros é o Palazzo Thiene (1542), natural quando se trata da estreia de Palladio em Vicenza. Pegou-lhe aos 34 anos de idade, devido à morte prematura do arquitecto Giulio Romano, que assinou o projecto original. É interessante, uma vez que se trata um típico palácio renascentista em que Palladio se envolveu um ano antes de mergulhar no estudo aprofundado da arquitectura clássica, na sua segunda estadia em Roma. A diferença entre o antes e o depois torna-se flagrante comparando com o Palazzo Iseppo da Porta, edificado na mesma rua, apenas dois anos depois. A fachada colossal, o branco imaculado, a repartição espacial da Antiguidade, aliada a concepções estéticas do Renascimento, fazem deste edifício um marco na sua obra.
Outra estação obrigatória é o Palazzo Chiericati (1550), porventura a mais formosa das residências urbanas desenhadas por Palladio. Testemunho de uma arquitectura aberta a toda a largura, é dominado por onze eixos ritmados em dois níveis, reencarnando à beira do rio de Vicenza o modelo da villa marittima da Antiguidade. Mesmo ao lado fica o Teatro Olímpico, desenhado por Palladio aos 72 anos de idade, em 1580, pouco antes da sua morte. É uma clara extrapolação do modelo dos teatros romanos ao ar livre para o primeiro teatro permanente de Vicenza, na realidade o mais antigo teatro coberto que se conserva no mundo inteiro.
Obra derradeira, mas também culminante de Palladio, é o seu trabalho seguramente mais complexo, dominado por uma espectacular scenea fronts de três andares, que põem em obra uma densa rede de elementos e variações. Palladio já não assistiu à inauguração do teatro com a tragédia grega Édipo Rei, para a qual Vicenzo Scamozzi construiu uma reprodução em miniatura da Tebas antigas, que veio conferir perspectiva e acabou como adição permanente ao requiem do mestre.
Há depois toda uma constelação de residências familiares disseminadas pela cidade velha que merecem uma visita, como o Pallazo Valmarana Braga Rosa, o Porto Breganze e sobretudo o Barbaran da Porto, que hoje alberga o museu e centro de estudos dedicados a Palladio. Falando na Vicenza actual, haverá que notar que boa parte dos edifícios do centro acolhem museus, teatros e imensas lojas. Palladio será equivalente a Vicenza, mas a verdade é que ele ou a sua herança nunca estão sós. Toda essa animação é um extra que subtrai a cidade do Veneto à estrita condição de museu a céu aberto.