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O artista plastico Querubim Lapa no seu atelier

O artista plastico Querubim Lapa no seu atelier Pedro Cunha

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Lisboa (desconstruída) por Querubim Lapa

Passado meio século, ou seja, em 2006, Querubim recebeu nova encomenda para a escola de Campolide. Desta vez, no entanto, realizou dois painéis abstractos, quase a antítese do modelo figurativo dos primeiros. Ele justifica: "Passaram 50 anos, eu tinha de andar, tinha de estar já a pensar de outra maneira".

Oliveira Martins, então ministro da Educação, gostou do contraste, tanto que anunciou a Querubim a intenção de dar o seu nome a uma nova escola secundária. O artista contrapôs, no entanto, que preferia uma escola primária, porque assim os miúdos aprendem a escrever correctamente o seu nome, coisa que os graúdos parecem ter mais dificuldade em fazer. Foi assim que a escola primária de Campolide, o espaço público em que o arco da obra do artista melhor se retrata, ganhou o nome de Querubim Lapa.

Loja das Meias (virtual)

Esta é uma daquelas peças que já foi à vida e pela qual Lisboa deveria vestir de luto. Data de 1960, ano em que a Loja das Meias entrou em remodelação, a cargo dos arquitectos Carlos Tojal, Manuel Moreira e Carlos Roxo, mais conhecidos pela estética pop que depois projectaram em várias casas comerciais da capital. Nesta estreia o chamado "Trio Maravilhas" contou com a colaboração plástica de Querubim, que assinou não apenas um grande painel lacado, à moda chinesa, mas também puxadores de porta exteriores e painéis mais pequenos, integrados à maneira de molduras artísticas. Este trabalho representou a sua descolagem definitiva do neorealismo, no sentido de uma figuração mais livre e sugestiva. Daí os embutidos de madrepérola no painel maior, a brilharem como se fossem seda, e as invocações da cosmética através de lábios, anéis e colares nos painéis inferiores.

A felicidade da solução de Querubim resultou em amizade com António Pedro, proprietário do estabelecimento. Uma amizade que acabou por se desfazer, no entanto, muitos anos depois. O relato é do próprio Querubim: "Lembro-me de o encontrar, já nos anos 90, e de ele me dizer: 'Olhe que vamos modificar a loja, mas preservamos a cerâmica'. Parece, no entanto, que ele quis passar o painel para o andar de cima e, como não cabia, mandou serrar a parte de baixo. Justificou-se com a dificuldade de tirar os azulejos, que estavam ligados com cimento e depois partiram-se. Eu achei que era um acto criminoso e até deixei de lhe falar. Sei que ele depois vendeu o espaço à Benetton e ainda me telefonou a perguntar por quanto é que podia vender o painel. Eu disse-lhe que estava tão chateado com ele que nem ia responder".

Sol Ardente, A Mexicana

"Comecei a modelar, porque o primeiro curso que tirei foi de escultura, mas a minha paixão era a pintura. Até costumo dizer que sou um pintor escondido atrás da cerâmica. A paixão pela pintura levou-me desde muito cedo a conjugá-la com a modelagem e foi isso que deu a cerâmica modelada. É o caso por excelência do painel Sol Ardente da Mexicana (1962)."

Assinada pelo arquitecto Jorge Chaves, esta casa de chá pastelaria no alto da Guerra Junqueiro é uma das obras maiores do nosso modernismo, conjugando linguagens arquitectónicas próximas do expressionismo e do cubismo. Respondeu-lhes Querubim desenhando um sol mexicano, um sol antropomorfizado de face amarela e raios verde-azulados, acompanhado por um cacto florido e estilizado, ambos relevados, sob um fundo de azulejos entre os quais também se destacam formas quadrangulares salientes. Hoje ainda a freguesia que faz salão nas mesas da Mexicana deve entreter-se a discutir que bicho terá mordido os proprietários para embarcarem em semelhante loucura.

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