Casa da Sorte, Rua Garrett e Rua Ivens
Querubim era já professor de cerâmica na Escola de Artes Decorativas António Arroio (onde leccionou durante 43 anos), quando decidiu juntar ao currículo o curso superior de pintura na ESBAL (diplomou-se em 1978). Boa parte dos professores tinham sido seus colegas em Belas Artes, mas o mais estranho é que para ganhar o diploma teve de tirar uma cadeira de cerâmica, na qual os docentes eram seus ex-alunos. Para ultrapassar o embaraço, Querubim propôs que a sua avaliação fosse feita na base do trabalho que acabara de realizar na loja da Casa da Sorte, no Chiado (1963). Outra maneira de dizer que se trata de uma das suas obras fundamentais, classificada como parte do património modernista de Lisboa (e isso significa que se o estabelecimento fechar, ou for remodelado, a peça deverá ser trasladada para o Museu da Cidade).
É uma das intervenções esteticamente mais arrojadas alguma vez impressa num edifício pombalino, efeito que em boa parte reconduz à singularidade da metodologia que lhe presidiu. Uma das muitas colaborações de Querubim com Conceição Silva, a loja da Casa da Sorte é um caso à parte, no sentido em que desta vez a arte não se submeteu à arquitectura, mas aconteceu o inverso. Na prática, Querubim começou por ir à Fábrica Viúva Lamego perguntar quais as medidas máximas que o processo de cozedura permitia. Responderam-lhe com um rectângulo de 20cm x 30cm e foi a partir desse módulo que o arquitecto definiu as superfícies murais, para evitar o corte das placas.
A lotaria não é um tema fácil de ilustrar, mas as placas cerâmicas que revestem a Casa da Sorte também não podiam ficar em branco. Nestas circunstâncias, o artista optou por uma composição à base números, evitando contudo quaisquer tentações esotéricas. O acento é colocado nas cores e se no exterior dominam os azuis e as cores claras, para aplacar o choque com o edifício pombalino, já no interior se verifica uma verdadeira orgia cromática. Como uma explosão psicadélica avant la lettre.
Brasília, Museu do Azulejo
Chorão Ramalho, arquitecto que já empregara Querubim noutros projectos, voltou a chamá-lo para a decoração da Embaixada de Portugal em Brasília (1976). Daí resultou outra ousadia, na verdade uma composição tão original que na época até motivou forte contestação por parte do Ministério dos Negócios Estrangeiros. Pois o que lhe tinham encomendado eram dois painéis para os exteriores da embaixada e ele de facto entregou dois, mas reproduzindo a mesma composição azulejar, sempre na vertical, com a única diferença de serem colocados em posições inversas. Ou seja, é o mesmo painel, mas um, dependendo de qual se vê primeiro, está de pernas para o ar. O autor defendeu-se, porém, argumentando que é aí que reside a beleza da obra abstracta.
Abstracta e lúdica, uma vez que se trata de um reportório de rectas e diagonais, alternando com composições circulares, executadas com esmaltes azuis e amarelos intensos. É todo um jogo de contrastes subtis, invocando técnicas e motivos antigos, onde se pode divisar uma antecipação da pós-modernidade. Os painéis de Brasília persistem nas paredes da embaixada (sendo, por isso, pouco vistos), mas em contrapartida há uma reprodução da mesma composição à entrada do Museu do Azulejo, um dos mais visitados de Lisboa. Foi uma das obras oferecidas pelo artista àquela instituição, na sequência da retrospectiva da sua obra cerâmica aí levada a cabo, no contexto de Lisboa - Capital Europeia da Cultura 94.