Fugas - Viagens

Luís Maio

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Trieste, a cidade-encruzilhada

Amesterdão do Adriático

Uma ampla praça quadrada, emoldurada a três quartos por palácios monumentais, para no outro quarto, virado a sul, abrir directamente sobre o Adriático. É a Piazza dell'Unità d'Italia (o nome será outra ironia?), forrada de esplêndidos edifícios "neo-qualquercoisa", típicos do eclectismo que a viu nascer, no último quarto do século XIX. Súmula dos paradoxos que é Trieste, é uma das praças à beira-mar mais bonitas do mundo uma espécie de Terreiro do Paço recriado em versão imperial austríaca. Não há Cais das Colunas, mas a mesma função de remate místico-paisagístico é na circunstância desempenhada pelo Molo Audace. Aqui vem passear a cidade inteira quando se quer ver reflectida nas águas (um desses lugares onde o pôr do sol é hora mágica) ou imaginar-se de abalada pelo mar dentro.

A Piazza dell'Unità d'Italia ocupa o centro em termos espaciais, mas também de evolução da frente marítima de Trieste, que foi sendo construída ou reconstruída de ocidente para oriente. Começou com o ambicioso plano de urbanização lançado pela imperatriz Maria Teresa (1717-80), uma grelha de ruas direitas e ângulos rectos, desenvolvida a partir de uma rede de canais paralelos, que deveriam converter Trieste numa Amesterdão do Mediterrâneo. Uns foram depois cobertos, outros não chegaram a ser construídos e o único que resta é o Canal Grande, meia dúzia de quarteirões a oeste da Piazza dell'Unità d'Italia. Destinado a receber navios mercantes de grande calado, foi entretanto parcialmente recoberto e é hoje atravessado por pontes fixas, que só permitem o trânsito a barcos rasos na maré baixa.

O Canal Grande é assim mesmo outro postal mágico de Trieste, com a imponente fachada neoclássica da igreja de Santo António Taumaturgo ao fundo e, de ambos os lados do estreito, sumptuosas mansões-armazém construídas pelos maiores mercadores da cidade, com destaque para o Palazzo Carciotti (1802), um clássico do estilo palladiano. Depois, a vertiginosa aceleração da actividade mercantil de Trieste levou a desviar o tráfico portuário dos bairros residenciais, vindo a fixar-se um pouco mais a oeste, na zona hoje conhecida por Porto Vecchio. Ocupa uma superfície de 600 mil m2, alonga-se por 3 quilómetros de costa e inclui uma notável herança de arqueologia industrial. São molhes, cais, gruas e armazéns hoje abandonados e fechados a visitas.

Há um único armazém recuperado (que se pode contemplar, por exemplo, do Molo Audace), para amostra do que virá a ser a reconversão do Porto Vecchio na prometida versão local do Parque das Nações. Entretanto, um Porto Novo nasceu na ponta oriental da cidade, já a caminho da Eslovénia. É uma gigantesca cidade de cargueiros e contentores com os seus terminais especializados, já sem romantismo algum, mas com o mérito de relançar Trieste na rota das encruzilhadas portuárias da Europa.

Alfama triestina

O traçado racional da Cidade Nova de Maria de Teresa estendeu-se para a Piazza dell'Unità d'Italia e para os quarteirões que se lhe sucedem a leste. São constelados de edifícios notáveis dos inícios do século XX, como o antigo Mercado Central de Peixe (1913) e a Gare Ferroviária de Campo Marzio (1907), ambos em estilo Arte Nova, ou ainda a Estação Marítima (1928), que ilustra na perfeição o modernismo italiano. Acontece que toda essa frente de mar a oriente da Piazza dell'Unità é artificial, quer dizer, foi conquistada ao mar.

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