Fugas - Viagens

Parque da Espanha Industrial

Parque da Espanha Industrial Luís Maio

Barcelona - A cidade dos parques esquisitos

Por Luís Maio

Demoliram fábricas, estações de comboios e até um matadouro para edificarem uma nova rede de parques e jardins. Depois chamaram Jean Nouvel e ganharam o espaço público mais insólito do século XXI. A Fugas apresenta a Barcelona que os de Barcelona não param de discutir

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Barcelona é um das cidades europeias que mais tem investido na renovação urbana. É um processo que deriva da queda do franquismo, em 1975, mas que arranca realmente no início dos anos 80, com a preparação dos Jogos Olímpicos de 1992, para atingir um novo pico com a organização do Fórum Universal das Culturas, em 2004. A face mais visível, ou mais mediática, desta constante reinvenção urbana é um conjunto de edifícios majestosos e espectaculares, já consagrados como novas atracções turísticas da capital catalã.

Estas peças de arquitectura iconográfica nasceram regra geral no contexto de planos urbanísticos, que também contemplaram o lançamento de novos parques e jardins. A rede de espaços públicos resultante é única e original, porventura a mais extraordinária da Europa actual. É todo um conjunto de soluções arriscadas, provocadoras ou mesmo revolucionárias, que por isso mesmo merecem ser admiradas, nem que seja pelo choque.

O que é estranho para quem vem de fora não está, porém, forçosamente entranhado em quem lá vive. A inovação em termos de espaços de lazer partilhados, sobretudo numa cidade em que eles escasseiam, é na verdade um tema de discussão quotidiana em Barcelona. Talvez mais do que qualquer outro tipo de equipamento público, os novos parques e jardins da cidade são palco de um aceso debate cultural entre a memória e o futurismo, entre o espectáculo e o uso social. E valem por isso igualmente, ou seja, como uma montra privilegiada sobre o que é hoje a identidade e os valores catalães.

Parque Joan Miró

Inaugurado em 1983, o Parque Joan Miró foi o primeiro da nova fornada de espaços públicos inaugurados na Barcelona pré-olímpica. Numa cidade à cunha, inaugurou a prática de inventar oásis urbanos prescrevendo o derrube de dinossauros da era industrial. Neste caso foram 4,7 hectares libertados, nas imediações da Praça de Espanha, graças à demolição do Excorxador, o antigo matadouro municipal (1881). No seu lugar, o colectivo de arquitectos Solanas, Galí, Quintana e Arriola delineou uma grande esplanada pavimentada em torno de um tanque, do qual emerge a estátua "Mulher e Pássaro" de Joan Miró. Foi o ponto de partida para toda uma série de parques dominados por "places dures" (pavimentadas).

A praça é complementada por um pequeno bosque mediterrânico, mas o centro das atenções recai naturalmente na escultura surreal de 22 metros de altura, coberta de trencadís (pedaços de cerâmica vidrada), a última assinada em vida por Miró. Um privilégio da arte sobre a natureza, que durante a década seguinte também norteou a criação de espaços públicos na cidade catalã. Foi o rastilho para muitas discussões na altura, ainda hoje não é um tema pacífico. Agora o parque Joan Miró tem pelo menos companhia na polémica, graças à vizinha praça de touros Les Arenes, recém-convertida em centro comercial com a assinatura de Richard Rogers.

Parque da Espanha Industrial

Ocupando os 4,6 hectares desocupados pela demolição de uma fábrica de têxteis do século XIX, o Parque da Espanha Industrial (1985) situa-se a dois passos da estação de comboios de Sants. Foi desenhado pelo basco Luis Peña Ganchegui, que desconstruiu brilhantemente, mas de forma muito pouco funcional, o conceito de jardim romântico. O parque é centrado num lago sinuoso e navegável, bordado por um anfiteatro da qual arrancam quatro torres-faróis, que iluminam na mesma medida em que servem de miradouro. O conjunto é rematado por um enorme escultura de um dragão, que serve também de tobogã, da autoria de Andrés Nagel.

Tem as coisas que é costume ver num jardim (lago, escadarias, esculturas, mas conjugadas de forma completamente inédita. Mesmo numa cidade tão dada a ousadias quanto Barcelona, este parque constitui uma excentricidade que ainda hoje dá que pasmar. Não tardou, aliás, a dar problemas, uma série de infelizes acidentes que ditaram o encerramento tanto do anfiteatro como das torres, a que se veio juntar o esvaziamento do lago por causa da seca. Agora a criação visionária de Luis Peña Ganchegui entrou em obras que vão durar até 2011 e que prometem tornar o parque mais verde, seguro e adaptado ao recreio dos vizinhos.

Parque Del Clot

Outra variação sobre o modelo de parque de arquitecto encontra-se no antigo bairro de Clot, a dois passos da Praça das Glories e da Torre Agbar. O que aqui havia eram oficinas da ferroviária Renfe e uma estação de comboios, ocupando uma área total de cerca de quatro hectares. A sua reconversão em parque, assinada por Daniel Freixas e Vicente Miranda, ocorreu em 1986 e implicou demolições, mas que neste caso foram apenas parciais.

As demolições criaram espaço para manchas de bosque e de jardim, bem como peças de mobília urbana destinadas ao seu usufruto, tais como pontes pedonais e torres de vidro. Preservados foram, por outro lado, alguns dos elementos mais emblemáticos das antigas instalações ferroviárias, incluindo uma enorme chaminé, colunas de ferro e arcos de tijolo. Assim nasceu uma mancha de natureza artificial, decorada por ruínas industriais, que responde às necessidades de lazer dos habitantes do bairro, na mesma medida em que presta homenagem ao seu passado operário. Foi e continua a ser um caso de sucesso popular e por isso mesmo começa a estar gasto e a precisar de obras.

Parque da Creueta Del Coll e Vall D'Hebron

Outra ideia pioneira foi esta de transformar em espaço público uma pedreira abandonada nas alturas de Barcelona. São 16,4 hectares de terreno escarpado, já nas faldas da serrania da Collserola, alguns degraus acima do famoso Parque Güell. O plano de reconversão, desenvolvido entre 2001 e 2007, deve-se a Josep Martorell e David Mackay (os mesmos da Vila Olímpica), que no lugar da antiga cratera da pedreira desenharam um elegante lago em meia-lua, mantendo em redor a vegetação que naturalmente cobre as montanhas. No Verão o lago funciona como piscina artificial, complementada por parques de merendas e trilhos nos bosques circundantes, que oferecem vistas fantásticas sobre a cidade. Típico parque artístico, a Creueta Del Coll tem por elemento mais distintivo "O Elogio da Água" da autoria de Eduardo Chillida: uma garra de cinco toneladas de betão, ameaçadoramente suspensa por cabos de aço sobre um pequeno tanque, recortado na concha interior da cratera.

O colosso de Chillida é parte de uma colecção de esculturas, mais de uma centena plantadas um pouco por toda o lado no perímetro urbano de Barcelona, a propósito das Olimpíadas. Algumas destas obras marcaram tanto a história da cidade como da arte pública internacional. É o caso por excelência de "Matches", de Claes Oldenburg, réplica gigante de uma carteira de fósforos, que faz humor com a chama olímpica. Encontra-se numa encruzilhada de vias em Vall d'Hebron, outra vasta mancha verde nos sopés da Collserola, que foi um dos centros olímpicos em 92.

Jardim Botânico

A vaga de parques artísticos levou a um excesso do design sobre a funcionalidade, fez subir de tom os protestos populares e conduziu a edilidade a adoptar uma política mais verde e atenta aos valores ambientais. A mudança chegou com a requalificação do Jardim Botânico, nas alturas de Montjuïc, um recinto que data de 1931, mas foi bastante danificado pelas obras de construção dos equipamentos olímpicos nas vizinhanças. A intervenção em 14 hectares prolongou-se de 1995 a 99 e foi assinada por uma equipa multidisciplinar, incluindo o arquitecto Carlos Ferrater e a paisagista Bet Figueras. O resultado é uma nova síntese de arquitectura contemporânea (edifícios futuristas, bancos em aço, caminhos angulares em betão) com a escrupulosa recriação dos habitats naturais das espécies botânicas que constelam o jardim.

Outro fruto inovador do cruzamento do design com o verde é o Mirador de Poblo Sec, também inaugurado em Montjuïc, em 1999. O projecto, da autoria de Patrizia Falcone, devolveu ao Mirador (construído nos anos 20) a dimensão teatral de balcão sobre a cidade e de pólo de transição entre o vale urbanizado e a montanha florestada. Veio, por outro lado, enriquecê-lo com uma nova mancha verde de perto de três hectares que alterna zonas ajardinadas convencionais com pomares de árvores de fruta, reminiscentes das hortas ilegais que antes aqui estavam plantadas. O Jardim Botânico e o Mirador de Poble Sec são, entretanto, as primeiras obras acabadas do projecto em marcha de transfiguração de toda a montanha a sul da cidade num parque de múltiplos cenários ajardinados, já publicitada como "a nova acrópole verde de Barcelona".

Diagonal Mar

A construção do bairro Diagonal Sul, na frente marítima norte da cidade, foi a última grande empresa urbanística lançada em Barcelona, na contagem decrescente para o Fórum de 2004. O parque, obra póstuma de Henric Miralles (1955-2000), foi projectado para servir não apenas de pulmão do bairro, mas também de eixo à nova trama urbana. Eixo que é tudo menos convencional, uma vez que a sua planta é a de uma árvore, que se bifurca a partir do mar e depois se ramifica em várias direcções, alongando-se no espaço livre entre a constelação de ilhas de imóveis luxuosos que o circundam.

São 14,3 hectares de acrobacias paisagísticas, incluindo colinas artificiais com diversões pré-adolescentes, um lago de esculturas de aço as emblemáticas estruturas tubulares que são a assinatura de Miralles, passadeiras irregulares em madeira, sinuosos bancos de pedra e vasos gigantes em cerâmica fragmentada suspensos sobre pérgulas, mais um par de ruínas conservadas da antiga oficina de construção de carruagens de comboios, que existia no local. É também o primeiro parque de Barcelona a reger-se por critérios de sustentabilidade, alimentando-se de águas freáticas, um expediente que virá igualmente a ser adoptado no parque de Poblenou.

Parque Central de Poblenou

É o mais recente parque de Barcelona, mas também o mais alienígena e controverso dos novos espaços públicos da capital catalã. Ocupa cinco hectares e meio, junto à Diagonal, no coração do 22@district, o sector de empresas de informática e logística, que vai crescendo no antigo subúrbio industrial de Poblenou. Foi desenhado por Jean Nouvel, recentemente galardoado com um Pritzker (o Nobel da Arquitectura), também autor da Torre Agbar, o edifício mais alto da cidade, apenas um par de quarteirões mais à frente. Apresenta-se, por um lado, como um parque-jardim, onde foram plantadas mil árvores, 5000 arbustos, perto de 11.000 trepadeiras, 35 palmeiras e 5000 cactos. Mas é também um parque de um arquitecto, que emprega para o definir expressões quase místicas como "lugar misterioso", "microclima acústico", "universo de tranquilidade" e "selva urbana". Não tem, porém, nada a ver com os devaneios naturalistas herdados do século XIX.

Será um complemento da Torre Agbar e sobretudo um sucedâneo do tapete ajardinado sobre o qual Jean Nouvel suspendeu o parisiense Quai de Branly. Mas em Poblenau o arquitecto francês conseguiu superar-se a si mesmo na ousadia e não há, seguramente, algo que se pareça com este parque à face da terra. A natureza está em todo o lado, mas é sobretudo convocada a título de matéria-prima, como uma espécie de argamassa orgânica usada para erguer cenários que invocam a ficção científica. O espectáculo só ficará realmente pronto dentro de cinco ou mais anos, quando as árvores e plantas plantadas atingirem um crescimento razoável. No entanto, o parque foi oficialmente inaugurado em Abril de 2008 e para já permite admirar a olho as estranhíssimas formas que no futuro darão lugar a esculturas de verde. Ou ainda a cratera espiralada que conduz ao "centro da terra", ou melhor, a uma instalação telemática que assegura a ligação com a cidade equatoriana de Guayaquil.

As ousadias estilísticas de Nouvel parecem neste caso passar ao lado dos catalães e se o Parque Central de Poblenou tem dado, e muito, que falar é por outras razões. Critica-se o muro perimetral, porque Barcelona é uma cidade aberta, censura-se o parque ser cortado por duas ruas, porque minam o ambiente de evasão urbana. Mas o muro também serve para isolar o jardim do bulício da Diagonal e em breve estará coberto por buganvílias, enquanto uma das ruas que atravessa o parque será coberta por uma pérgula de flores multicoloridas. Em qualquer caso, o jardim de Jean Nouvel não está sozinho, mas representa um novo patamar (um novo arranque também?) na subversão dos conceitos de espaço público tradicional em que Barcelona se tem especializado ao longo das últimas três décadas.

 

Onde ficar

Habitat Sky Hotel
Pere IV/Diagonal 276-286
Tel.: +34 934929394
http://www.habitatskyhotel.com/
Hotel de cinco estrelas em torre de 115 metros de altura, sobranceira ao Parque Central de Poblenau. A assinatura é de Dominique Perrault, outra estrela da arquitectura francesa. Acima dos 137€.

Silken Diagonal
Avenida Diagonal 205
Tel.: +34 934895300
Apoteose do design futurista, num hotel aos pés da Torre Agbar, ou seja, a dois passos dos parques de Poblenau, Clot e Diagonal Mar. Duplos a mais de 100€.

Barcelo Sants
Plaza Paisos Catalans
http://www.barcelosants.com/
Situado mesmo por cima da gare de Sants, o Barcelo oferece as melhores vistas em picado sobre o parque de Espanha Industrial e fica ainda a curta distância do parque Joan Miró. Duplos desde 90€.

Omm
Calle Roselló, 265
Tel.: +34 934454000
http://www.hotelomm.es/
O hotel mais "trendy" da cidade, incontornável em qualquer "tour" da Barcelona contemporânea. A decoração do restaurante é igualmente feérica. Duplos acima de 240€.

Onde comer

Can Cortada
Avinguda de l'Estatut de Catalunya
Tel.: +34 934272315
Situado numa quinta do século XVI, mesmo ao lado escultura "Matches", nas alturas de Vall d'Hebron, é um dos restaurantes mais carismáticos de Barcelona. Woody Allen filmou aqui algumas das sequências mais memoráveis do filme "Vicky Cristina Bercelona". Média de 35€

Montjuïc El Xalet
Av. Miramar, 31
Tel.: +34 933249270
Ao lado do Estádio Olímpico e do Jardim Botânico, vistas estupendas sobre a cidade e cozinha muito razoável. Média de 40€

Evo (Hesperia)
Gran Via 144, L'Hospitalet de Llobregat
Tel.: +34 934135000
http://www.hesperia.com/
Vistas aéreas a mais de cem metros de altura combinam com a cozinha celestial do chefe Santamaría. No distrito de Sants, não muito longe do parque Espanha industrial. Menu único a 135€.

Bestial
Ramón Trias Fargas 2-4
Tel.: +34 932240407
A praia em frente, as torres da Vila Olímpica nas costas, o Bestial tem uma localização fantástica e um design excepcional. Menu de 15€ ao almoço, média de 50€ ao jantar.

Informações

Turismo de Barcelona
Tel: +34 807117222
www.barcelonaturisme.com

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