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Poço de São Patrício

Poço de São Patrício Luís Maio

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Debaixo de Orvieto, a cidade que tem um duplo

O poço etrusco integrado no Museo della Rupe cruza a galeria de uma enorme pedreira subterrânea e foi descoberto nas vésperas do seu encerramento por razões de segurança, em 1822. A extracção de pedra, seja na forma de blocos talhados, empregues na construção, seja de pozzolano, uma espécie de cimento feito de cinzas, foi uma das actividades mais comuns no subsolo da Orvieto medieval. Nessa época a cidade viu a sua população crescer até aos 30 mil habitantes (quase o dobro da actual), concentração que forçou boa parte da sua actividade produtiva a deslocar-se para debaixo de terra. Testemunho dessa transferência são as duas grandes rodas em granito que agora se encontram logo à entrada do perímetro visitado. Eram parte de numa engrenagem destinada a prensar azeitonas a frio, numa espécie de lagar subterrâneo (debaixo de terra a temperatura é mais estável e portanto mais indicada para a produção e conservação do azeite). A actividade medieval mais surpreendente da Orvieto subterrânea é, no entanto, testemunhada meia dezena de metros mais abaixo, num conjunto de galerias com nichos regularmente escavados, como se fossem estantes de uma enorme biblioteca esculpida na pedra. São na verdade gaiolas de pombos, que os senhores medievais faziam construir para assegurarem o abastecimento de carne fresca (só comiam aves recém-nascidas, por serem mais tenrinhas), nas épocas por vezes longas em que a cidade se encontrava sitiada. As "janelas" (melhor será dizer, buracos feitos nas paredes exteriores das galerias) abertas para os pombos e, portanto, os próprios pombais foram mandados fechar nos inícios do século XVII pelo Papa Urbano VIII, quando foi alertado para o fluxo de "penetras", que por essa via entravam na cidade sem pagar o tributo da praxe.

A vertigem dos poços

Cem anos antes, ao fechar do pano do Renascimento, o Papa Clemente VII mandou construir a cova artificial que ainda hoje é a mais espectacular de Orvieto. Na ressaca do brutal Saque de Roma provocado por Carlos V, Imperador do Sacro Império Romano-Germânico, em 1527, Clemente VII refugiou-se em Orvieto onde, receando que as reservas de águas resultassem insuficientes para abastecer as suas tropas em caso de cerco prolongado, mandou construir um poço capaz de atingir uma fonte, situada já por baixo da Rocha de Orvieto.

O arquitecto florentino António Sangallo desenhou para o efeito um amplo cilindro de 57,13 metros de fundo por 13,40 metros de diâmetro, iluminado por 70 janelas e flanqueado por duas escadarias em caracol, cada qual com 248 degraus. Uma das escadarias servia para os animais de carga descerem, a outra para eles subirem, as duas nunca se encontrando de modo a assegurar a fluidez da circulação em ambos os sentidos.

Semelhante a uma de Torre de Babel invertida, é o género de obra que ainda hoje provoca vertigens e arrepios. Sensações que terão inspirado a designação de Poço de São Patrício, associada às lendas medievais sobre o Purgatório de São Patrício na Irlanda, segundo as quais essa gruta da Station Island teria sido identificada como entrada para o inferno por Deus mesmo. Clemente VII não estava, porém, a construir para impressionar, mas a actualizar um método de captação de água conhecido desde a Antiguidade e ele sabia-o, uma vez que a sua primeira tentativa nesse sentido foi ampliar um velho poço etrusco, no perímetro medieval da cidade.

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