Fugas - Viagens

Poço de São Patrício

Poço de São Patrício Luís Maio

Debaixo de Orvieto, a cidade que tem um duplo

Por Luís Maio

Orvieto é o Duomo e outras jóias medievais. Mas é também uma cidade que foi crescendo debaixo de terra ao longo de três mil anos, ao ponto de a sua rede de cavernas funcionar como uma labiríntica urbe paralela. A Fugas desceu às surpreendentes entranhas deste antigo bastião papal

Por cada casa construída em Orvieto há (no mínimo) uma gruta escavada por debaixo. É uma verdadeira cidade paralela, que se escalona no subsolo do casario erguido sobre uma meseta vulcânica, agora à beira da auto-estrada que liga Roma a Florença. Só tardiamente, porém, a Orvieto subterrânea chamou a atenção dos investigadores e hoje mesmo a parcela restaurada e aberta ao público é mínima. Mapeadas estão já cerca de mil dessas cavidades de produção humana, havendo muitas mais para descobrir e basta dizer que um quinto da cidade é ocupado por uma antiga base militar, aos pés da qual se ignora o que poderá haver.

A extensa rede de galerias e túneis, de qualquer modo, não é nem nunca foi um chamariz para os contingentes de turistas que diariamente fazem bicha à entrada do famoso Duomo de Orvieto. Bem mais raros são, na verdade, os que se aventuram nas entranhas da meseta urbanizada, fazendo da cidade das profundezas uma atracção ainda recente e pouco conhecida, envolta numa certa aura de estranheza e mistério. Conta-se, aliás, que há um par de décadas, numa época mais informal, os "orvietaninos" tinham o hábito de convidar os forasteiros a entrarem em suas casas, para os surpreender com o recheio dessas caves seculares. Hoje (todas?!) as visitas são organizadas e a edilidade tem o seu próprio circuito underground, também conhecido por Museo della Rupe. Arranca mesmo ao lado da catedral e, durante cerca de uma hora, põe os visitantes a deambular pela serpenteante rede de cavernas, na ponta da ladeira mais próxima.

A teia de cavidades foi esculpida ao longo de 3000 anos, tendo mais recentemente sido empregue como abrigo contra as bombas dos Aliados, na Segunda Grande Guerra. As entradas da meseta foram, no entanto, mais intensamente procuradas nas épocas de maior esplendor da cidade: primeiro quando se estabeleceu como um dos principais centros da rede de cidades etruscas da península e, depois, na Idade Média e no Renascimento, quando se tornou numa das cidades mais procuradas pelos Papas. O Museo della Rupe testemunha precisamente essas épocas de especial florescimento da cidade suspensa na ponta sudoeste da Úmbria. Ou seja, funciona também como modalidade alternativa de contar Orvieto a partir do seu subsolo.

Tudo debaixo de terra

Uma das etapas mais impressionantes da visita underground é um poço etrusco com perto de 45 metros de profundidade, um dos mais fundos de que há notícia. Os Etruscos souberam fixar-se no alto de um promontório quase inexpugnável, a meio da Península Itálica, mas não há vantagem que não traga prejuízo. Neste caso o azar deriva do solo formado por cinzas e tufo vulcânicos, um composto incapaz de reter a água da chuva. Em compensação é fácil de trabalhar e foi o que os Etruscos trataram de fazer, na circunstância desenhando um rectângulo de 1,20 metros por 80 cm e escavando nessa área tão fundo quanto o necessário para encontrar água. O sistema de ventilação então usado para os trabalhadores não sufocarem é um quebra-cabeças que já apaixonava Vitrúvio, o famoso arquitecto romano do primeiro século da nossa era, que acreditava que a circulação de ar nessas covas era assegurada por tubos metálicos.

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