Fugas - Viagens

Poço de São Patrício

Poço de São Patrício Luís Maio

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Debaixo de Orvieto, a cidade que tem um duplo

Há tanta coisa para ver na fachada, que o visitante não hesita em comprar bilhete para saber que outras delícias o esperam no interior mas também há uma porta lateral para o culto, que dá acesso aos mesmos espaços e, portanto, dispensa o gasto. A surpresa, porém, é que lá dentro é o despojamento total, pelo menos até ao transepto. Não é que fosse sempre assim, antes pelo contrário, a catedral foi coleccionando obras de vulto de pintura e escultura logo desde a campanha da Contra-Reforma. Mas no século XIX acharam que era barroquismo a mais e mandaram tudo fora, ou melhor, o recheio do Duomo foi disseminado por outros espaços seculares, entretanto convertidos em museus. O bilhete de entrada na catedral dá acesso a esses museus e pelo menos o da antiga igreja românica de Santo Agostinho é imperdível pelas soberbas esculturas de Francesco Mochi (1580-1654), nomeadamente a sua enigmática Anunciação.

De regresso à catedral, o interior na maior parte esquelético dá lugar à mais triunfal exuberância nas capelas também construídas sob a batuta de Maitani, uma de cada lado do transepto. Ambas as capelas e o altar estão cobertas de frescos, mas é na da direita, chamada de San Brizio, que se encontra uma das maravilhas do Renascimento Italiano, o Juízo Final (1499) de Luca Signorelli. Impressiona o exímio detalhe dos corpos, na maior parte desnudos e em poses dramáticas, a sua extraordinária luminosidade que lhes confere um semblante quase tridimensional (incluindo a amante infiel do pintor, naturalmente lançada ao Inferno) e a inquietante presença do Anticristo que sussurra vá-se lá saber o quê a Jesus Cristo. O fulgor criativo, o despudor moral e a inquietude existencial fazem deste Juízo Final um marco na história da arte, chegando a ser considerado superior à Capela Sistina de Miguel Ângelo, pintada 35 anos depois e seguramente nele inspirada.

Como ir

A TAP liga diariamente Roma a Lisboa e ao Porto. Nesta altura do ano a conexão mais económica com Lisboa anda pelos 260€ (ida e volta) e com o Porto ronda os 290€. Orvieto fica a 100 km de Roma e a 150 km se Florença, distâncias que se podem fazer na auto-estrada A1 ligando aquelas duas cidades, ou mais confortável e economicamente de comboio intercidades. A gare ferroviária fica à beira do funicular que, em menos de dois minutos, leva à cidade medieval. O bilhete combinado para o funicular e para o autocarro que circula lá em cima custa um euro. Poupa esse custo, no entanto, quem adquirir a "Carta Unica Orvieto", que custa 18€ e dá acesso ao Duomo, aos museus e à visita guiada underground, para além de descontos numa série de lojas e restaurantes.

Quando ir

A maior parte dos forasteiros vai ao Duomo à procura de arte; no entanto, a catedral foi construída na base de um milagre - o de um pano de altar que produziu gotas de sangue numa missa, corporale hoje guardado numa das capelas do transepto. Justifica desde então uma procissão no domingo de Pentacostes, mas desde 1950 traduz-se num cortejo de reconstituição da Idade Média com 400 figurantes em trajos de época. Mais recentemente, essa procissão masculina é precedida no dia anterior (Sábado) de outra na qual só desfilam mulheres. Apesar de ser uma cidade pequena, Orvieto tem uma intensa agenda cultural ao longo do ano inteiro, na qual se destaca o festival de jazz, que decorre durante as férias de Natal.

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