Fugas - Viagens

Nelson Garrido

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O economista que acabou o mundo

Também obrigatório é que metade da mala parta vazia. "Preciso desse espaço para as coisas que trago sempre, de todos os sítios onde vou", explica. "Quero sempre um CD ou DVD com música tradicional, um livro de receitas culinárias, um ou mais livros de fotografia sobre o país, uma ou mais peças de artesanato, às vezes uma t-shirt engraçada com referência ao local e ainda a colecção completa de todas as notas e moedas que lá têm em circulação."

"Se há viagens em que se quer companhia, há outras em que se gosta de ir sozinho". As preferidas são as "viagens épicas", como a Rota da Seda, o comboio Transiberiano e todos os grandes percursos que se possam fazer de carro, mas, na maioria das vezes, "metade do tempo passa-se a pensar no trabalho que fica à espera em Portugal", pelo que a volta se quer sempre às sextas-feiras, para "dois dias de descanso a sério antes do regresso à vida normal".

Já em casa, João Paulo Peixoto admite que fica desanimado se lhe faltam os mimos de boas-vindas. Gosta de acompanhá-los com "grandes jantaradas entre amigos" e, porque a maior parte dos CD e DVD que traz consigo raramente chegavam a ser ouvidos, os seus filhos têm agora direito a "dias temáticos, em que ficam a conhecer tudo o que exista lá em casa sobre determinado país".

Acabado o mundo, resta ao professor descobrir novos detalhes ao hemisfério e partilhar com os outros aqueles que já conhece. Para isso, a tarefa que tem em mãos é escrever um livro sobre as coisas que "Só sabe quem lá vai" e dá-las a ler numa edição multimédia, em que as imagens que recolheu por esse mundo fora passem a ter mais sorte do que até aqui. Afinal, o economista diz não notar a inveja natural que as suas viagens possam despertar em quem o rodeia, mas é ao considerar a hipótese que parece descobrir a explicação para uma tristeza recorrente: "Será por isso que os meus amigos nunca querem ver os meus vídeos?"

Esse é, no entanto, um desgosto menor. João Paulo Peixoto já esteve preso em África, viu-se obrigado a pagar cinco subornos consecutivos para prosseguir viagem pelo Congo e receou o pior nas Seychelles, quando o obrigaram a despir-se integralmente perante polícias com luvas de látex. Mas o facto é que deixou as Ilhas Salomão "dois dias antes de um terramoto enorme"; saiu do Hotel Intercontinental, no Iraque, "seis meses antes de os talibãs lá terem ido chamar os hóspedes estrangeiros para os matarem a todos"; e abandonou um autocarro marroquino onde não tinha lugar vago, pouco antes de o ver despistar-se numa ravina, provocando 39 feridos e a morte de nove portugueses.

"Sei que sou um homem com sorte", reconhece o viajante. "Se às vezes não reparava nisso, depois de Marrocos não me esqueço mais."

As viagens de eleição

Índia, 2002
"Se alguém quiser verificar se tem realmente espírito de viajante, é pela Índia que deve começar." Não foi o caso de João Paulo Peixoto, que só aí chegou em 2002, mas ele esclarece: "Quem tem filhos, sabe que eles despertam o melhor que há em nós. A Índia funciona da mesma forma - desperta o melhor de cada viajante. Pela forma de estar na vida dos indianos, pela forma como se relacionam e pela sinceridade com que o fazem, comprovam que Rousseau tinha razão quando dizia que todo o Homem nasce naturalmente bom".

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