Apenas o som dos nossos próprios passos interrompe o zumbido das moscas no percurso pacato que atravessa a aldeia em direcção ao Parque Natural da Serra da Estrela. No horizonte, os aerogeradores, cuja base quase tocámos de manhã, parecem agora inalcançáveis no cimo da serra.
Acorrentadas à placa que indica o início da aldeia estão três bicicletas enferrujadas, que parecem esquecidas, ou talvez ali colocadas de propósito como uma homenagem à localidade. Mais tarde descobrimos, através de uma das muitas histórias contadas por Vítor, que foram ali colocadas para serem vendidas pelo homem, já falecido, que vivia na casa amarela do outro lado da rua, conhecido pela sua especial habilidade na construção de todo o tipo de geringonças.
A serra de Verão
No lugar onde as horas parecem não passar, o dia dá ainda tempo para uma pequena excursão ao pôr do sol, desta vez de carro, até à ponte romana que faz a ligação entre Pêro Soares e Vila Soeiro. A pouco mais de seis quilómetros da Aldeia Viçosa, a ponte pode ser alcançada passando pelo Parque Natural da Serra da Estrela (caminho mais curto), ou passando pela aldeia da Faia. Como ambos os caminhos são merecedores de uma visita, decidimos alternar o de ida e regresso, com uma incursão pelas ruas estreitas da Faia, a esta hora já mais agitadas, com os habitantes, na sua maioria idosos, sentados à porta das suas casas a lançar olhares curiosos aos visitantes de fora.
Deixamos o carro na margem esquerda e atravessamos a ponte a pé, com algum cuidado visto que a construção apenas tem largura para pouco mais do que um automóvel. Chegados ao outro lado, percorremos caminhos que parecem pertencer às traseiras das habitações plantadas margem abaixo, e cruzamo-nos mesmo com um grupo de residentes sentados no pátio de sua casa, de cartas de jogar na mão e garrafas de cerveja pousadas em cima da mesa. Descemos até junto à água, cuja corrente se vai esquivando das formações graníticas no seu percurso, e que podemos acompanhar passando por baixo dos arcos redondos de pedra.
Engolidos pelas duas encostas do rio, envolvidos num calor fatigante, mesmo quando a luz diurna já começa a escassear, é difícil imaginar os declives viçosos cobertos de neve e as baixas temperaturas de Inverno pelas quais a serra da Estrela é mais conhecida aos olhos dos visitantes.
Mas há uma serra da Estrela no Verão, feita de dias azuis e quentes e noites frescas e estreladas, mergulhos no rio e passeios nas searas. Vítor prefere-a no Inverno, mas critica o seu subaproveitamento na época estival. "O Vale do Mondego é o Algarve do interior", repete várias vezes durante a nossa estadia. E Vítor gostaria de o ver aproveitado como tal. µ
Os amigos da família
Natural da Guarda, há oito anos, comprou, juntamente com a sua mulher Sílvia, a Quinta do Moinho, mesmo em cima da margem esquerda do Mondego, em pleno Parque Natural da Serra da Estrela. Na altura, conta, "os carros não vinham cá" e o moinho nem se via, engolido pela vegetação. A quinta tornou-se a sua casa desde o início, mas sempre tiveram a vontade de partilhar aquele recanto escondido no vale. A partilha começou com festas com os amigos aos fins-de-semana. Aos poucos, as casas foram sendo restauradas e, há três anos, concretizaram o projecto de transformar a quinta num espaço de Turismo de Natureza.