As galerias permaneceram séculos escondidas da História até que o terramoto de 1755, ao mesmo tempo que destruía sem compaixão boa parte de Lisboa, as revelou, vai contando o nosso guia. A descoberta data de 1771. Desde essa altura, foram alvo das mais diversas teorias, incluindo julgarem-se termas, fórum municipal ou possuírem "águas milagrosas" para curar certas maleitas. Hoje, dá-se por quase certo que são criptopórticos, construções em abóboda que os romanos usavam em terras instáveis para servirem de plataforma de suporte a outras edificações, e que terão estado também ligadas a actividades portuárias e comerciais.
Entre tanto trabalho pós-terramoto, pouca importância se deu à preservação desta parte importante da história alfacinha e lusa: apenas foi salvo um pedestal romano onde uma inscrição em latim assinala Esculápio, o deus da Medicina. Já as estruturas romanas foram adaptadas para alicerçar a construção pombalina superior. As visitas regulares, a estras outrora conhecidas como Conservas de Água da Rua da Prata, começaram já década de 80 do século passado, sendo agora habitual a sua abertura integrada na semana das anuais Jornadas do Património - a não ser que as águas subam tanto que impeçam a visita, o que já sucedeu. Como não há lugar a reservas, o cenário repete-se todo o ano: muita gente à espera em fila pela vizinha rua dos Correeiros acima.
Durante a visita, a uma parte das galerias - já que existe outra parte conhecida mas cortada a visitas por uma parede do caneiro da rua da Prata - vamo-nos desviando de poças e paredes húmidas e seguindo os passos e ensinamentos do nosso guia. Quem espera do passeio toda uma revelação monumental, poderá ficar seriamente desiludido. Trata-se mais de uma lição de história in loco. Com a particularidade de ser dada entre paredes milenares e podermos cheirar as entranhas da Baixa enquanto sentimos e ouvimos vinda de cima a sua vida, particularmente a cadência do icónico eléctrico 28 que cruza o sistema vital do centro histórico alfacinha.
O passeio faz-se na semipenumbra, com focos teatrais, pela rede de galerias perpendiculares. Vão-se espiando pequenas celas escuras, que deverão ter servido de áreas de armazenamento, núcleos de água, arcos em cantaria, até ao clímax aquático: a Galerias das Nascentes, que é também chamada de "Olhos de Água". Uma galeria com uma fractura contínua de onde brota incessantemente toda a água que invade o espaço. E daqui nascia um poço, o "poço das águas santas", o tal de onde, ainda no século XIX, a população ia encher bilhas de "águas milagrosas". E de onde vêm estas águas? "Dos níveis freáticos que correm por baixo da cidade", explica o arqueólogo, "das ribeiras da Almirante Reis e Avenida da Liberdade que antigamente corriam a céu aberto".
Além da lição de história, do feito por fim conseguido de penetrar nas galerias e dos pés e roupa mais ou menos húmidos conforme a sorte ou a falta de jeito, há que ter em conta também a experiência, seguramente inesquecível para quem não tem nada a ver com trabalhos subterrâneos por Lisboa, de descer e subir das profundezas no meio de uma rua da Baixa com, no nosso caso, o 28 a vibrar ao lado da cabeça.