Fugas - Viagens

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    Igreja da Penha Nelson Garrido
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    Pousada de Santa Marinha Nelson Garrido
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    Antiga Fábrica Âncora Nelson Garrido
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    Antiga Fábrica Âncora Nelson Garrido
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    Tanques de curtir peles Nelson Garrido
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    Largo do Toural Nelson Garrido
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    Castelo de Guimarães Nelson Garrido
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    Na rua de Santa Maria Nelson Garrido
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    Castelo de Guimarães Nelson Garrido
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    Casas na rua de Camões Nelson Garrido
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    Estátua de D. Afonso Henriques Nelson Garrido
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    Para a praça de São Tiago Nelson Garrido
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    Tasca Expresso Nelson Garrido
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    Praça de São Tiago Nelson Garrido
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    Os pregos no pão do Sr. Júlio Nelson Garrido
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    Aqui, cantaram-se as Janeiras Nelson Garrido
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    Instituto de Design (antiga Fábrica da Ramada) Nelson Garrido
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    Bar Rolhas e Rótulos Nelson Garrido
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    Tortas de Guimarães Nelson Garrido
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    Bar Projecto Nelson Garrido
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    Parque de Estacionamento da Mumadona (Siza Vieira) Nelson Garrido
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    Parque de Estacionamento da Mumadona (Siza Vieira) Nelson Garrido

Dez passeios por Guimarães, dez séculos de arquitectura(s) aos nossos pés

Por Sérgio C. Andrade

Capital Europeia da Cultura 2012 a fundo, num guia que inclui Guimarães em dez passeios e destaques, além de sugestões de bares, hotéis ou restaurantes.

MAIS GuimarãesBares | Restaurantes | Hotéis | Programa (destaques)


O turista tradicional é "despejado" pelo autocarro na colina do castelo e do Paço dos Duques de Bragança, aconselhado a descer a Rua de Santa Maria até à Praça de Santiago e ao centro histórico, e depois recolhido no Largo do Toural para regressar ao seu destino. Não podendo esquecer este roteiro, uma visita ao património histórico e arquitectónico de Guimarães, que no sábado é investida Capital Europeia da Cultura 2012, não deve ficar por aqui. Um passeio, em 10 andamentos, guiado pelos arquitectos Alexandra Gesta e Ricardo Rodrigues.

"Ad vos homines qui venistis populare in Vimaranes et ad illos qui ibi habitare volerint". Ler uma inscrição assim em latim, e emoldurada em calçada portuguesa, aos nossos pés acrescenta alguma patine e dá até uma certa solenidade ao passeio que podemos fazer no centro urbano de Guimarães, Património da Humanidade. É também uma forma diferente de viajar no tempo, em plena Praça de Santiago. Ficaremos depois a saber, pela tradução desta frase roubada ao foral do Conde D. Henrique que deu origem à povoação (1096) - "A vós homens que viestes povoar em Guimarães e àqueles que aqui quiserem habitar" -, que a mensagem não nos é dirigida tanto a nós, visitantes ou turistas acidentais, mas aos habitantes desta terra, de quem se diz que não são cidadãos iguais aos outros.

Não foi ao acaso que o arquitecto Fernando Távora (1923-2005), com raízes familiares vimaranenses, decidiu inscrever esta frase numa das praças do centro da cidade de cujo restauro se ocupou desde que, em 1980, elaborou o Plano Geral de Urbanização de Guimarães. A sua preocupação principal, e a da equipa do Gabinete Técnico Local (GTL) constituído pela câmara em 1983, foi servir, em primeiro lugar, os habitantes do centro histórico.

"O nosso programa teve como princípio ordenador não expulsar ninguém das suas casas; simultaneamente tivemos o cuidado de refazer o antigo sem deitar nada fora", explica a arquitecta Alexandra Gesta, vereadora da autarquia e responsável, desde o início, pelo projecto de requalificação urbana do centro histórico.

Quem chega a Guimarães e percorre as suas ruas estreitas e praças aconchegadas constata que esse programa foi concretizado com sucesso. A roupa a secar nas varandas floridas, as mulheres às janelas conversando com os vizinhos, as crianças a jogar à bola na rua, as bancas às portas das mercearias, as pessoas cumprimentando quem passa, mostram que estamos perante gente da terra. E que se distingue facilmente dos habitantes que, desde o século XVIII, fizeram crescer a cidade para fora das muralhas que delimitam o núcleo classificado pela UNESCO em 2001.

A pulsão humana no centro histórico é um motivo acrescido para uma visita a esta cidade onde os portugueses normalmente se deslocam para viajar no tempo e participar desse lugar mítico que esteve na origem da nacionalidade. Mas se um passeio por Guimarães não pode prescindir do circuito entre o castelo e o Paço dos Duques de Bragança, seguido da descida até à Praça de Santiago e à Igreja da Colegiada de Nossa Senhora da Oliveira, ele pode (e deve) ir além desse roteiro turístico convencional. E prestar atenção não só a outros sítios como a detalhes menos óbvios nos edifícios mais conhecidos, tanto do património histórico como da arquitectura contemporânea.

Para fazer este percurso, a Fugas contou com a ajuda de dois guias com um conhecimento especial da terra: os arquitectos Alexandre Gesta e Ricardo Rodrigues (também membro da equipa do GTL).

A ordem deste roteiro em dez etapas é arbitrária e adaptável aos interesses (e à disponibilidade de tempo) do visitante, que tanto pode demorar um dia inteiro, como fazê-lo em escassas horas. Mas deve ser feito a pé - pois é a pé, e devagar, que se vê longe.


1. Monte e santuário da Penha


Ver Guimarães de longe é um bom ponto de partida para esta visita guiada. Ao monte e santuário da Penha, na encosta nascente da cidade, chega-se de automóvel, de bicicleta, a pé e também de teleférico (demora pouco mais de dez minutos a fazer este percurso paisagístico de quase dois quilómetros). Lá em cima, comece-se por subir ao miradouro mais alto, encimado pela estátua do papa Pio IX. "Daqui vemos de que é feita esta terra, que não é uma cidade como as outras também do ponto de vista da ordenação urbanística; não é uma cidade canónica, como Braga, por exemplo", começa por dizer Alexandra Gesta, chamando a atenção para a leitura que daqui se pode fazer do núcleo central e da sua relação com as linhas de água e a envolvente verde, mas também com as novas faixas de crescimento urbanístico.

Mas é o santuário projectado por José Marques da Silva (1869-1947) a principal atracção arquitectónica deste lugar também marcado pela profusão de megalitos e grutas. O arquitecto portuense (Estação de São Bento e Teatro São João) desenhou o templo em 1930 (as obras começaram no ano seguinte e só acabaram em 1947), um edifício que é "uma profissão de fé no granito" e uma obra de "volume massivo e depurado", como o descreve André Tavares no seu livro Em Granito - A Arquitectura de Marques da Silva em Guimarães. Na descida à cidade, o visitante poderá depois ver de perto mais duas das várias obras que o arquitecto aqui projectou: o edifício da Sociedade Martins Sarmento (1900-08), que é "verdadeiramente a obra parisiense e de expressão Beaux Arts de Marques da Silva" - diz André Tavares à Fugas -, e a fachada do mercado municipal (1927-42), actualmente em estaleiro para a transformação no Centro de Artes José de Guimarães, mas onde é ainda notória a elegância das suas linhas.


2. Pousada de Santa Marinha

Na encosta poente da Penha fica a Pousada de Santa Marinha da Costa, instalada num edifício que remonta ao século IX. Ao longo dos tempos, o convento foi também colégio de artes e escola de teologia, até à transformação em pousada, em 1977. Fernando Távora foi o autor da adaptação, realizada após um estudo exaustivo da história do edifício. Seguiu o critério de "continuar, inovando" - como o próprio escreveu -, mantendo e actualizando a austeridade monástica que marca o conjunto convento-jardins-parque. Foi uma intervenção exemplar e de extrema simplicidade, que, no entanto, não deixou de motivar polémica, quando o arquitecto decidiu desenhar uma ala suplementar para o serviço hoteleiro em jeito de sequeiro rural, com uma linguagem moderna.

Na viagem no tempo que o visitante/hóspede pode experimentar nesta pousada, Alexandra Gesta sugere a visita a um recanto entre o claustro e igreja onde Távora deixou, em tosco, as sucessivas camadas de intervenção no edifício, desde os vestígios duma porta moçárabe até ao betão armado do século XX.

Esta mão silenciosa e sábia da arquitectura de Távora, vamos senti-la depois em muitos lugares de Guimarães. "Ele foi o verdadeiro mentor da nossa intervenção arquitectónica e paisagística na cidade", reconhece Gesta. Mas já lá chegaremos.


3. A Colina Sagrada/ Monte Latito

A caminho dos principais ex-líbris de Guimarães, vindo do teleférico, o visitante passa pelo Largo da Condessa Mumadona [Dias, c. 900-968], personagem a quem é atribuída a fundação de Vimaranes, quando determinou a construção de um castelo e de um mosteiro. Vale a pena parar e ver como o arquitecto Álvaro Siza dissimulou nesta praça a implantação de um parque de estacionamento automóvel, que no piso -1 tem luz directa e um jardim de camélias, como se fosse o prolongamento do passeio público. "É o mais belo parque de estacionamento que conheço, uma solução inteligente, onde não se vêem aquelas bocas de túnel a engolir-nos para debaixo do chão", elogia Alexandra Gesta.

A propósito, recorde-se que para este largo esteve projectado, e começou mesmo a ser construído, o projecto de Marques da Silva (1916) para os paços do concelho. A obra foi lançada em 1924, mas o golpe militar de 1926, que daria origem ao Estado Novo, acabou por resultar no abandono do projecto (duma anacrónica "ambição medievalista", nota André Tavares) e na aposta na reconstrução do Paço dos Duques de Bragança, a partir de 1936, segundo um desenho do arquitecto Rogério de Azevedo, e com supervisão da Direcção-Geral dos Edifícios e Monumentos Nacionais (DGEM).

Sobre este edifício - que em 1959, terminada a obra, foi erigido em residência oficial (na província) do Presidente da República e simultaneamente aberto ao público como museu -, vale a pena dizer que a sua arquitectura baralha qualquer tentativa de definição, e se afasta claramente do perfil da casa senhorial do século XV que o precedeu. "A influência das deslocações ao estrangeiro [de Rogério de Azevedo] levam a que sejam considerados para esta obra modelos alheios à tradição portuguesa (...), sendo apontadas influências italiana, normanda e francesa", escreve Eduardo Fernandes no seu recém-editado Guia de Arquitectura de Guimarães (Argumentum). Ricardo Rodrigues vê nele "um edifício flamengo", a copiar os modelos construtivos do Norte da Europa, com os telhados muito inclinados, por exemplo, mas curiosamente usando telhas dos edifícios modernos. No espólio de mobiliário, louças, armaria e tapeçaria que contém, o Paço dos Duques de Bragança guarda as cópias das famosas tapeçarias de Pastrana (século XV), atribuídas a Nuno Gonçalves, representando a conquista do Norte de África (Arzila, Tânger...), e cujos originais se encontram em Espanha.

E há o castelo, claro, também restaurado pela DGEM em meados do século passado, e sobre o qual não há muito a acrescentar à história documentada na informação turística - o mesmo acontece com a capela românica de São Miguel, ao lado, lugar onde se crê que D. Afonso Henriques foi baptizado. Uma experiência curiosa será comparar o perfil actual da colina do Monte Latito com as fotos do lugar anteriores à intervenção da DGEM, que estão na imperdível exposição Reimaginar Guimarães, no CAAA (Centro para os Assuntos da Arte e Arquitectura).


4. Da Rua de Santa Maria à Casa da Rua Nova

Descendo a colina em direcção ao centro urbano, temos a estátua de bronze de D. Afonso Henriques do escultor Soares dos Reis (1887), cuja figura ajudou a formar o imaginário histórico de muitas gerações de portugueses - já agora, vale a pena compará-la com a nova estátua de pedra de João Cutileiro (2001), no Largo da Misericórdia.

Ainda no Largo Martins Sarmento (ou do Carmo), os guias da visita chamam a atenção para a fachada ondulada das casas, situação que se repete, mais à frente, no Largo de Santiago. "Com o tempo, as casas começam a ondular e a ligar-se umas às outras, não sendo nada fácil intervir nelas separadamente", nota Ricardo Rodrigues.

Entramos depois na Rua de Santa Maria (antiga Rua da Infesta), que foi a artéria original de ligação do castelo ao mosteiro (depois Colegiada de Nossa Senhora da Oliveira) do tempo da Mumadona. O antigo Convento de Santa Clara, actual sede da Câmara Municipal, surge à esquerda. A Praça do Município é a primeira das quatro que foram reabilitadas por Fernando Távora, e que, mesmo na fonte desenhada pelo arquitecto, se coaduna com o estilo barroco pré-existente. "O arranjo de cada local reveste-se de um carácter próprio, de acordo com a sua forma, as suas funções, o seu ambiente construído", escreve Eduardo Fernandes no seu Guia, citando o próprio Távora. É assim que teremos, mais à frente, um figurino medieval na Praça de Santiago, renascentista no Largo da Misericórdia, e romântico no da Condessa do Juncal.

Ainda no encalço da intervenção de Távora, Alexandra Gesta e Ricardo Rodrigues levam-nos à Rua de Egas Moniz para mostrar a Casa da Rua Nova (velho nome desta artéria junto à muralha), que é a sede do GTL. É uma pequena construção de três pisos do século XVII/XVIII, que foi recuperada pelo arquitecto portuense no início dos anos 80 (recebeu o Prémio Europa Nostra em 1985), e que se tornou num modelo para a política de intervenção da câmara no centro histórico. Nessa casa típica da terra, com primeiro piso em granito e os dois seguintes com fachadas em ressalto e em madeira (taipa de fasquio e de rodízio), Távora seguiu as técnicas e os modelos construtivos tradicionais para reparar a fachada pré-existente e reconstruir a parte anterior, que estava destruída. "Ele dizia: "Deixem os empreiteiros fazer como sabem fazer"", recorda Ricardo Rodrigues. No interior da casa, que, apesar de acolher os serviços municipais do GTL, está aberta a visitas, vários óculos abertos nas paredes fazem uma espécie de radiografia dos materiais e das técnicas utilizadas nas diferentes intervenções ao longo do tempo.


5. Igreja de Nossa Senhora da Oliveira

No regresso à História e ao centro urbano, desaguamos no Largo da Oliveira, onde as arcadas dos antigos Paços do Concelho fazem a ligação com a Praça de Santiago, mantendo o figurino medieval. Vale a pena entrar e subir ao primeiro piso da velha câmara para admirar, na sala das audiências, um tecto de madeira em masseira decorado com uma belíssima pintura a óleo representando a Justiça e a deusa grega Atena. Crê-se que a pintura, que foi restaurada recentemente, date dos séculos XVII-XVIII.

O Largo da Oliveira - lugar fundador de Vimaranes e que mantém uma "réplica" da árvore associada à lenda das origens - é dominado pela Igreja de Nossa Senhora da Oliveira, mandada construir no final do século XIV por D. João I, a assinalar a vitória em Aljubarrota. O seu interior "está cheio de cicatrizes da História", mostra-nos Ricardo Rodrigues, chamando a atenção, por exemplo, para os vestígios de pinturas sobre o granito das colunas e das paredes - "é errada essa ideia agora muito generalizada de que o granito era sempre deixado em pedra viva", diz o arquitecto - , mas também para as "coisas imperfeitas" que denotam o passar do tempo e nos dão pistas de leitura para as diferentes épocas e estilos.

Os roteiros do Turismo dão-nos a indicação de que há em Guimarães oito igrejas, três capelas e outros tantos conventos a visitar, todos eles com a sua história e a sua diferença. Ricardo Rodrigues aconselha a que se não perca, além da da Oliveira, as igrejas de São Francisco (também convento) e de São Domingos, construídas fora dos limites da muralha e por isso testemunhos do crescimento da cidade. Ambos os edifícios têm raiz gótica, mas foram alteradas sucessivamente, assumindo no século XVIII o perfil barroco. No interior, têm marcas de várias estéticas, na talha dourada, azulejos, frescos, mobiliário...


6. Museu de Alberto Sampaio e Sociedade Martins Sarmento

Geminado com a Igreja da Oliveira, o Museu de Alberto Sampaio (homenagem a um historiador local) abriu em 1928 nas instalações do velho mosteiro para mostrar a valiosa colecção da Colegiada: escultura medieval e renascentista, pintura, ourivesaria e peças icónicas dos primeiros tempos da nacionalidade, como o cálice românico de D. Sancho I, ou o loudel que D. João I usou em Aljubarrota. Vale também a visita o seu meio claustro, a mostrar mais uma dessas cicatrizes do desenvolvimento urbano.

Este museu e o da Sociedade Martins Sarmento (1881-85), fora das muralhas, são as instituições museológicas mais prestigiadas da cidade. O que acolhe o espólio reunido pelo arqueólogo que decifrou a Citânia de Briteiros desenvolveu-se também num processo idêntico ao do Alberto Sampaio, invadindo progressivamente, através do já referido projecto de Marques da Silva, os terrenos do convento de São Domingos, que fora destruído por um incêndio no século XIX, e do qual apenas sobreviveu o belo claustro do século XIV. Para além da arquitectura de Marques da Silva (o hall de entrada e o salão nobre), a visita a este museu de arqueologia oferece outra inesperada viagem no tempo, já que as peças são expostas de acordo com os princípios metodológicos de há um século. É também indispensável ver a biblioteca e o arquivo. µ


7. Largo do Toural

É tempo agora de sair do núcleo histórico. Não para retomar a camioneta dos turistas apressados, mas para fruir a cidade na sua face "exterior". O Largo do Toural é uma espécie de "sala de visitas", que, fruto da intervenção apadrinhada pela Fundação Guimarães 2012, hoje apresenta um perfil diferente do das últimas décadas. A sua história remonta ao século XVI, mas a configuração actual vem de Setecentos, do tempo da construção da Igreja de São Pedro (que ficou incompleta, faltando-lhe a segunda torre) e principalmente da dita "frente pombalina" (um desenho enviado pela Rainha D. Maria I), e cuja unidade contrasta com as fachadas do centro histórico. A recente intervenção neste largo, e na Alameda de São Dâmaso que lhe dá continuidade urbanística, teve assinatura da arquitecta Maria Manuel Oliveira, e o novo piso (representando o mapa do núcleo histórico classificado pela UNESCO) foi desenhado pela pintora Ana Jotta. Nele não deixa de causar alguma perplexidade ver o pavimento colado aos troncos das jovens árvores que aí foram plantadas, sem lhes deixar espaço para o crescimento natural. Dizem que é para mostrar como a natureza simultaneamente dialoga e rompe com o espaço edificado!...

Ainda que dizendo não gostar de falar de arquitectura, nem da obra dos seus colegas de profissão - "há regras gerais, e depois cada um faz o que lhe aprouver, e assina", diz -, Alexandra Gesta vê na intervenção no Toural e na Alameda "um projecto de actualização dos espaços públicos que continua a permitir a leitura da cidade e é coerente com a política urbanística geral". (O visitante pode também comparar a imagem do Toural de hoje com a de há cerca de um século na já citada exposição de fotografias no CAAA).


8. Couros e Ilha do Sabão

O bairro ou Núcleo Industrial de Couros (ou Pelames) foi um importante centro de actividade económica em Guimarães, desde a Idade Média. Nos séculos XVIII-XIX, na era pré-industrial, este lugar conheceu um grande desenvolvimento com a instalação, nas margens da ribeira de Couros, de várias manufacturas de peles. Actualmente, perdida a importância dessa actividade que praticamente desapareceu da cidade, a autarquia incluiu a intervenção no bairro nas prioridades da Capital Europeia da Cultura. Esse trabalho está em curso, e nele avulta o projecto - com assinatura de Ricardo Rodrigues - de restauro da antiga Fábrica Âncora e da Ilha do Sabão. A primeira é especialmente notada pela rede de tanques de lavagem e tratamento das peles, que se estende por 500 metros, e que é um exemplar único na Europa desta forma tradicional de tratamento dos curtumes - e que o arquitecto afirma ser comparável, em dimensão, aos tanques de curtimento de Fez, Marrocos. A intervenção na antiga fábrica, iniciada em 2005, teve como preocupação central o reparo das estruturas existentes, mantendo, na medida do possível, a sua estrutura arcaica - edifícios e pavilhões em pedra e madeira, pintadas de branco e vermelho. Já aí funcionam, nos edifícios anexos, uma creche, um centro de dia, um Instituto de Design (arquitecto José Manuel Soares) e uma pousada de juventude (arquitectos Pedro Botelho e Maria do Rosário Beija), e a Câmara de Guimarães projecta também a instalação de centros de Ciência Viva e de Pós-Graduação da Universidade do Minho.

O passeio por esta face mais escondida de Guimarães deve ser completado com a passagem pela Ilha do Sabão, um pequeno núcleo habitacional que é uma espécie de "Portugal dos Pequenitos", e que pertenceu a uma família de grandes proprietários da manufactura dos couros. Ricardo Rodrigues quis manter também aqui a traça e a atmosfera originais, com o objectivo de devolver as casas aos habitantes, àqueles que aí já viviam e aos novos que são agora convidados a reocupar e humanizar esta zona deprimida da cidade.


9. Centro Cultural Vila Flor

Do bairro de Couros à Avenida D. Afonso Henriques, que nos leva ao Palácio/Centro Cultural Vila Flor, é um saltinho. Este palácio barroco que começou a ser construído no século XVIII e só foi acabado no século XX foi adquirido em 1976 pela câmara, inicialmente para funcionar como extensão da Universidade do Minho. Em 2005, foi transformado em centro cultural, e dotado com um novo módulo (atelier Pitágoras), com dois auditórios (800 e 200 lugares), restaurante, café-concerto, sala de ensaios e de serviços administrativos, para além de um parque de estacionamento. Transformou-se com naturalidade no principal pólo cultural da cidade, acolhendo, entre outras estruturas, a Oficina de Teatro. O minimalismo do moderno edifício vai bem com o palácio barroco (sede actual da Fundação Guimarães 2012). É entre estes dois espaços que vão decorrer muitas das iniciativas do calendário da Capital Europeia da Cultura (ver caixa). E, nos intervalos, justifica-se fazer um passeio pelos jardins do Vila Flor, e ver na fachada posterior do edifício antigo as estátuas dos primeiros reis de Portugal.


10. Arquitectura moderna e contemporânea

Já aqui vimos que o património de Guimarães não se esgota no castelo, no Paço dos Duques de Bragança e nas igrejas. A cidade tem vindo a ser também marcada, nas últimas décadas, com intervenções e edifícios modernos, alguns dos quais entraram já por mérito próprio no roteiro arquitectónico da cidade - como se pode ver pelo guia de Eduardo Fernandes. Alexandra Gesta regressa, uma vez mais, ao papel de Fernando Távora na mudança de paradigma estético na cidade. "A vinda dele deu também a Guimarães uma arquitectura corrente renovada e de qualidade acima da média, que seguiu a sensibilidade introduzida na gestão municipal", diz a arquitecta-vereadora.

Dois exemplos a visitar. A Casa António Rocha (Delfim Amorim e Oliveira Martins, 1947), junto ao Largo do Carmo, "é a primeira casa de desenho moderno construída no centro histórico de Guimarães; os seus autores tiveram de enfrentar alguma resistência das autoridades municipais" para levar por diante este projecto, que denota a influência de Corbusier, diz Eduardo Fernandes. Os seus autores integraram o grupo ODAM (Organização dos Arquitectos Modernos), que no final da década de 40 introduziram a linguagem moderna na arquitectura portuguesa. O Edifício Muralha (António Gradim, 1985), sede da Polícia Municipal, no Largo da Condessa do Juncal, constituiu uma excepção à regra do ordenamento camarário, já que o arquitecto, que trabalhou em colaboração com Távora, pôde fazer uma intervenção moderna neste lote duplo atravessado pelas pedras medievais. Manteve a fachada original, do lado da Alameda, e abriu uma grande superfície envidraçada na outra face, que permite ver (e também visitar, como espaço público) como o edifício preserva e expõe a própria muralha. Também os arquitectos Álvaro Siza (Plano de Pormenor dos Pombais, na Avenida de Londres), Pedro Ramalho (Plano da Quinta da Senhora da Conceição, bairro social que, no ano passado, foi objecto de obras de conservação com a assinatura colorida da designer espanhola Agatha Ruiz de la Prada), Eduardo Ribeiro (Casa na Rua Joaquim de Meira, 1987-88, um prédio misto de habitação e comércio que faz bem a ponte entre a vizinhança histórica do Monte Latito e o tempo moderno) projectaram em Guimarães. E há muitos outros exemplos dispersos pela cidade: o Hotel Fundador (Sergio Fernandez e Pedro Ramalho, 1969-77), o Edifício Salgueiral (Manuel Graça Dias e Egas José Vieira, 1998-2003), a intervenção no Estádio D. Afonso Henriques para o Euro 2004 (Eduardo Guimarães, 2001-03). Ou, já mais fora de portas, o invulgar e muito discutido cemitério de Monchique na colina da Penha (Maria Manuel Oliveira e Pedro Mendo com o paisagista Daniel Monteiro, 1996-2004), cujo desenvolvimento se tem afastado, contudo, do projecto que em 2005 valeu aos autores o Prémio Nacional de Arquitectura Paisagística.

Este roteiro pela arquitectura mais recente obriga já ao uso do automóvel. Alexandra Gesta sugere que o passeio termine na colina oposta à Penha, a olhar na encosta do vale do rio Selho a casa da família de Távora (Quinta da Covilhã), uma propriedade que o próprio arquitecto recuperou - como "um acto de amor", escreveu o próprio - de forma "muito simples e muito culta". Desse miradouro, observamos a mancha rural que envolve uma cidade que mantém essa matriz, mas que simultaneamente quer projectar-se de forma cosmopolita para o futuro. "Entre estes lavradores que aqui vemos a trabalhar a terra e os músicos chineses e finlandeses que estão a tocar na Fundação Orquestra Estúdio há dez minutos de distância. É esta a realidade do nosso território", diz Ricardo Rodrigues.

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