Fugas - Viagens

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    Contra a velocidade do mundo, o tempo do desenho Daniel Rocha
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    World Sketching Tour. Luís Simões
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    Marrocos, Tafraoute
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A volta ao mundo de Luís Simões desenha-se em cinco anos

Por Luís J. Santos

Luís Simões prepara-se para viajar durante cinco anos pelos cinco continentes, sempre a desenhar, passo a passo. Designer gráfico e desenhador do quotidiano, baptizou o projecto de World Sketching Tour. Uma odisseia do desenho.

Dar a volta ao mundo. Cruzar dezenas de países pelos cinco continentes. Andar nas calmas, sempre a desenhar. Um sonho. Mas... cinco anos? À frente dos álbuns e blocos de esboços em descanso, Luís Simões, armado de um sorriso paciente de quem já está muito habituado ao espanto inerente à pergunta, não vacila: "Tinha que ser. Cinco continentes... cinco anos...". Ou, de forma mais prática: quando começou a delinear o projecto de andar a desenhar por todo o mundo, deu voltas e mais voltas no Google Maps, assinalando os lugares que queria visitar e o tempo que queria ficar em cada um. E "o resultado era sempre quatro anos e qualquer coisa. Decidi-me pelos cinco. Afinal, isto é a viagem de uma vida."

Tempo assente, nasceu a World Sketching Tour deste designer gráfico de 32 anos apaixonado por registar, com canetas e aguarelas, momentos, cenários e vidas. Deixa para trás um emprego seguro - era motion designer na SIC - resolveu famílias, compromissos e relações e, a partir de 16 de Março até 2017, deverá visitar, pelo menos, uns 75 países.

"Até agora, a ideia com que ficava quando viajava é que tudo era muito rápido. Nas férias apetecia-me sempre mais, ficar, conhecer o país, as pessoas. Isso é que é a viagem, teres esse contacto. É o que me cativa. E, como desenho, preciso desse tempo de contemplação, de absorção". Para "comprar" tanto tempo, poupou: "Já ando a juntar dinheiro há uns três anos, não faço extravagâncias. Abdiquei de sair à noite, de gastar em saídas".

"Bem sei que há quem pense ‘o gajo é um menino rico' ou ‘trabalha na SIC, tem muita facilidade de contactos' mas as coisas não são bem assim", atira. "Eu conheço pessoas e isso é bom mas se o projecto não tiver interesse ninguém pega. É mais um. Inicialmente, fiz tudo para mim. Mas comecei a pensar também em termos de projecção, de marca. Invisto pessoalmente mas é também um investimento de vida, porque é isto que quero fazer". Além disso, também se vê a trabalhar ao longo da viagem, preferencialmente na área de desenho, mas não a vender os seus trabalhos na rua. Porém, "se for preciso, também vendo. E, se tiver que trabalhar a lavar chão, lavo. Não há mal nenhum. Desde que consiga continuar a minha viagem". A sua resolução é convincente e ninguém duvida, especialmente quando acrescenta: "Agora, acordo feliz todos os dias. Ainda há pouco vinha a andar para aqui, a aproveitar o sol, e a pensar ‘já devia ter feito isto há mais tempo'".

Grand Tour
A odisseia de Luís Simões, que irá contando online e em revistas, é fácil de resumir: fazer todos os continentes, tomar tempo em cada aldeia, cada vila, cada cidade, para desenhar e conhecer outros urban sketchers (os desenhadores de diários gráficos) como ele, uma comunidade a que pertence há alguns anos.

Mas a sua descoberta a sério das viagens começou há mais tempo, por volta dos 20 anos. E, antes de tornar-se um desporto em si, teve origem, precisamente, num desporto: no corfebol. Simões foi chamado várias vezes à selecção portuguesa desta modalidade. "Quando viajava, mesmo para jogos, punha o despertador para acordar às 6 da manhã e desenhar os sítios por onde passava". Foi um mundo que foi descobrindo "aos bocadinhos". "Não foi tipo ‘quero ser viajante mochileiro e desenhista'". Mote: "Quando desenho estou a viajar naquilo tudo. Quando viajo, é para ir atrás do desenho".

Até porque um dos seus objectivos é aprender com outros artistas, documentar (também em vídeo) o seu trabalho, "aprender outras maneiras de ver". A viagem, diz, é "radicalmente low cost" e vai sendo feita sem recurso a avião. "À boleia, em camiões, em velhos autocarros, a pé...". Sistema similar para estadas e afins: vai ficando em casa de conhecidos e desconhecidos, usando o CouchSurfing (digamos, sofás grátis para convidados), aproveitando os convites de outros desenhadores do quotidiano. Já tem alguns contactos e apoios, mas o grande apoio inicial chega através de um consenso familiar.

Abra-se um parêntesis. De início, a família não reagiu da melhor maneira a este desaparecimento pelo mundo durante tanto tempo. Os pais ainda tentaram uns "vê lá, vais-te demitir, pensa bem". Simões manteve-se irredutível. Até que, por fim, chegaram a um "E se nós fôssemos também?". "No way!". Lá chegaram a um consenso: os pais, já reformados, embora nunca tivessem sido grandes viajantes (o pai odeia avião), pensaram e decidiram fazer a sua própria aventura: compraram uma autocaravana e vão viajar um ano pela Europa. Um plano paralelo, que permitirá que Simões vá à sua vida mas que, quando possível, poderá levar a coincidir num encontro ou outro. Já que surgiu a possibilidade, Simões aproveita e é com os pais que segue, à boleia, desde Portugal. "Vamos andando, à medida que as coisas forem aparecendo, vamos decidindo".  Mas isto é no primeiro ano. E, nos outros quatro, nem lhe passa pela cabeça interromper o "passeio" para voltar a Portugal. Nem pelo Natal? "Não". Mas não faltarão visitas de amigos e familiares.

Desenha-me o mundo
A viagem de Simões é também uma verdadeira recusa da velocidade, uma espécie de adaptação ao tempo da sua arte. Na verdade, é até uma rejeição da vida-ao-computador. Veja se reconhece esta imagem: anos e anos colado ao computador, dia e noite... É uma tour que, para ele, significa igualmente a libertação das amarras da máquina. Anulando-a (pelo menos a tempo inteiro), opta por dedicar-se ao "artesanato", à lentidão humana do desenho. É assim que sairá calmamente de Portugal a 16 de Março, cruzando Espanha, subindo França pelo norte, indo até Inglaterra, toda a Europa à proa. Lá pelo Verão, espera estar pela Escandinávia, para aproveitar a luz. Depois, mais Europa, até chegar o grande momento do Transiberiano.

É que, para ele, a Europa é "estágio" e a aventura começará, de facto, é no próximo ano, quando o Transiberiano o levar a paragens menos similares, para "perder-se" pela Ásia e na Índia, para pôr à prova o seu fascínio por Auckland e a Oceânia, para seguir pelas Américas. O fim será no continente "mágico": África acima até terras marroquinas. "Curiosamente, a última viagem que fiz foi a Marrocos". Foi uma das "viagens de treino", outras foram à Croácia e França, sempre sem usar hotel, ficando em casas particulares e usando a rede CouchSurfing. "Mantém-se um contacto incrível com as pessoas, faz-se amigos. É um lado humano que eu gosto. Isso é o mais aliciante". E, como quer ir "devagarinho", sem ser "absorvido pela viagem", nem planeia nada para quando regressar. Talvez um livro, "algo longe do normalíssimo livro de viagens", talvez exposições, talvez um trabalho documental sobre os urban sketchers deste mundo. "Vamos a ver até que ponto isto é interessante para as pessoas. Se no fim essa riqueza for interessante para mais gente, ok, vamos lá partilhar."

Entretanto, tem-se dedicado a uma tour mediática, porque também tem a convicção de que é bom para o projecto "passar a palavra". Para mais, já conseguiu alguns apoios relevantes: a venerada Moleskine vai oferecer-lhe pelo menos 70 blocos para desenhar tudo o que lhe apeteça, a portuguesa Montecampo ofereceu uma gigante mochila de viajante profissional, a recente Frozen deu vestuário. E que se leva na mochila para uma viagem desta envergadura? "Levam-se uns 75 kg", ri-se. Basicamente, uns três pares de calças, casaco, cinco ou seis camisas e T-shirts, toalha, materiais de desenho, câmara, telemóvel, laptop, calçado. Acrescenta-se bússola, lanterna, canivete, kit de primeiros-socorros, cadeados, carregadores das máquinas...  

Para a viagem, é capaz de levar também a mesma lógica que usa para o desenho: "Não há undo. Há borracha, claro, corrector. Mas não vale a pena. A melhor forma de ultrapassar o erro é seguir para a frente, não risques o erro. Erras, oops, salta".  

A meio caminho da conversa, o nosso fotógrafo entrega-lhe um globo para a sessão fotográfica. Com ele ao colo, os seus dedos percorrem, sem erro, os países, um a um, traçando a linha prevista da sua viagem. "Olha, tenho o mundo nas mãos". E tem mesmo.

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Seguir a World Sketching Tour

A viagem poderá ser seguida no site e Facebook e também será resumida na revista Vida e Viagens da Visão. Pode ver o mapa @ Google Maps.

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