Depois de dois anos a conhecer Portugal passo a passo, como se sente um caminhante quando, por fim, descansa? "Um grande vazio". "Queria escrever e não conseguia. Só queria voltar a caminhar. Sinto-me parado", confessa-nos Nuno Ferreira, "parado" na Costa da Caparica. A confissão não surpreenderá ninguém. O jornalista, hoje com 49 anos, percorreu a pé o país de ponta a ponta, entre Fevereiro de 2008 e Novembro de 2011, "com percalços e interrupções pelo meio". O seu projecto pessoal, Portugal a Pé - que acaba de tomar forma de livro, a ser lançado no início de Dezembro -, levou-o de uma ocidental, "Sagres, precocemente primaveril e soalheira", a Cevide (São Gregório, Melgaço), o ponto mais a norte do país. Como um mar que corre para os rios, do Atlântico às águas interiores do Minho.
Entre partida e meta, com muita sola gasta, Ferreira descobriu um país desconhecido de muitos, longe dos centros de decisão, de "resistentes num país sem 'shoppings' e esquecido nas notícias". O tal Portugal dito profundo - que foi contando no "Expresso", depois no seu blogue ou no site Café Portugal - e que, agora, relata em mais de 400 páginas de texto a que se juntam centenas de imagens. E, se por um lado a descoberta do país o foi surpreendendo ou maravilhando, por outro deixou-lhe a mágoa de confirmar no terreno um Portugal "tão desertificado". "Uma coisa é falar sobre isso. Outra é andar de mochila às costas a descobri-lo".
Em Novembro do ano passado, num depoimento ao PÚBLICO sobre a viagem, Ferreira resumiria o sentimento: "Comecei em plena crise e estou a acabar com a crise ainda maior. Comecei com o interior de Portugal a desertificar-se e acabei com ele ainda mais deserto". Um ano depois, o lamento é mais lapidar ainda: "O campo deixou de existir", conta-nos. Mas, a pé por Portugal, como se vai vivenciando na sua obra, não há só terras em processo de desertificação. Há também a beleza das paisagens, a descoberta da amizade e companheirismo de pessoas únicas, momentos surpreendentes de revelação, hospitalidade ou partilha. E cansaço, que para isto de andar a pé milhares de quilómetros de mochila às costas é "preciso muita resistência física". "Sobes e desces uma serra e, quando chegas ao objectivo, estás derreado. Precisas de descansar, de um dia ou dois para recuperar".
Uma longa caminhada
Nuno Ferreira há muito que acalentava a ideia de andar por todo o país. Jornalista, tendo passado pelo "Expresso" ou PÚBLICO, já tinha sido premiado pelos seus trabalhos de viagens - casos de "Route 66, A Estrada da América", distinguido pelo Clube de Jornalistas do Porto e menção honrosa da Fundação Luso-Americana, ou "A Índia de Comboio", premiado pelo Clube Português de Imprensa. Pelo meio, outro livro com outras viagens: a partir das histórias de Pedro Faria, motorista de ilustres, escreveu "Ao Volante do Poder". O projecto Portugal a Pé acabará por ter parto natural a partir de uma retórica simples: "Se toda a gente anda a viajar e a escrever sobre todos os cantos do mundo (...), por que não revisitar o interior do meu país a pé e escrever sobre o que vou encontrando?". Pés ao caminho. E, quase sempre, longe de centros urbanos.