Fugas - Viagens

  • Rio Zayandeh em Esfahan
    Rio Zayandeh em Esfahan Ana Catarina Almeida
  • Num restaurante em Teerão
    Num restaurante em Teerão Ana Catarina Almeida

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No Irão, uma viagem pelo inimaginável


O Irão de que não se fala 

Não cabe neste artigo abordar em profundidade o tema que me levou ao Irão. Falta espaço para expressar ideias e emoções que tornaram inesquecível a visita a lugares como Persépolis e Esfahan que pretendia conhecer desde a adolescência.

Ali se compreende noutra dimensão o Irão actual. As ruínas dos palácios ideados por Dario colocam o visitante perante a fragilidade e os limites das ambições humanas e a insensatez dos sonhos imperiais. As colunas de Persépolis e os relevos que representam os povos de 30 nações submetidas recordam o que havia de inviável no projecto da primeira tentativa de Estado Universal, a dos persas, implantado em três continentes. A soberania do “Rei dos Reis” abrangia territórios que iam do Danúbio ao Indo, da Arábia às estepes da Ásia Central. O sonho foi retomado muitas vezes e sempre fracassou.

Arqueólogos das grandes universidades da França, dos EUA e da Inglaterra, sob a direcção de colegas iranianos, realizaram um filme maravilhoso, um esforço para recriar Persépolis tal como era a partir do que dela sobrou. Fui obrigado a fechar os olhos quando vi aquilo. As portas de bronze da Apadana, os touros com cornos e cascos dourados, as colunas de mármore negro, os tectos de madeira trabalhada, as tapeçarias, as pinturas murais, o luxo das vestes bordadas, a profusão de pedras preciosas, tudo me atingiu como espectáculo inimaginável. No mundo antigo nada se fez comparável a Persépolis; povo algum voltou a erguer colunas tão altas como aquelas.

O sol do planalto iraniano queimava a terra ressequida, iluminando a fl oresta de ruínas que subia para um céu azul, sem nuvens. O calor era tamanho que afastava dali até as aves, refugiadas em manchas de arvoredo, distantes. Ambos conhecíamos imagens do conjunto palacial de Persépolis. Mas tudo nos pareceu desconhecido, novo, na Apadana, na Sala das Nações, nos palácios de Dario e Xerxes, no Palácio das Cem Colunas. Como pôde Alexandre, um príncipe culto, tomar a decisão bárbara de incendiar Persépolis? A pergunta nunca terá resposta.

O sol descia no horizonte quando avistámos Naqsh-i-Rostam. Os imperadores persas eram sepultados entre o céu e a terra. A grande necrópole dos aqueménidas nasceu de um desafio à imaginação. Num paredão de 64 metros, quase vertical, abrem-se, escavados na rocha, os sepulcros de Dario I, de Xerxes, de Artaxerxes I e de Dario II. O forasteiro é tocado pela mensagem irradiada por aqueles túmulos rupestres. As inscrições transmitem o discurso de um poder absoluto. O rei apresentava-se como o garante da paz e da felicidade colectiva: “Eu sou Dario, o grande rei, rei dos reis, o rei do país de todas as raças, o rei sobre esta grande terra que se estende muito longe, o filho de Hystapes, um aqueménida, um persa, um ariano de origem ariana”.

Interpretado hoje, agride como brado racista. Mas a política de Dario, paradoxalmente, não era racista. O império era um Estado multinacional, amálgama de povos muito diferentes que gozavam de ampla autonomia sob o governo de sátrapas persas. O arianismo de Dario diferia do proclamado por Hitler. Uma política racista teria destruído uma construção frágil como era o Império Aqueménida, um território de 5 milhões de quilómetros quadrados.

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