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Varsóvia, a capital mal-amada

Por Luís Maio (texto e fotos)

Um centro histórico de fazer de conta, vários quarteirões de arranha-céus "high-tech", resmas de pré-fabricados soviéticos e um bairro operário convertido em sítio cool formam o peculiar tecido urbano que é hoje Varsóvia. Não será um caso de amor à primeira vista, mas a capital polaca é daquelas cidades que dão luta para além do Euro 2012.

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Há ruas com as fachadas trespassadas pelas balas nazis, bairros inteiros onde ainda falta rasgar a Cortina de Ferro. Já o centro antigo é estilo parque temático da História e o centrum de matriz soviética está a ser invadido por torres de escritórios e centros comerciais, abertos aos negócios das multinacionais do costume. Nesta downtown de Varsóvia as avenidas largas estão quase sempre congestionadas de trânsito e há batalhões de peões que se concentram nos semáforos, muito à semelhança das grandes cidades americanas. Mas é raro cruzarmo-nos com mendigos, gente mal vestida ou sequer com mais de 40 anos de idade.

O ambiente jovem e burguês do centro financeiro/comercial proporciona um contraste abismal com os bairros operários degradados, habitados por uma população deprimida, que se diria saída das filas de racionamento do pós-guerra. Como em tantas outras cidades europeias, artistas e alternativos estão a fixar-se nestas vizinhanças baratas. São agora cerca de três milhões a viver na grande Varsóvia, várias cidades articuladas numa só, que não pára de crescer e de se transfigurar. Não será a capital mais fotogénica da Europa Central, mas a cidade polaca é certamente uma das mais efervescentes.


A movida de Praga

Hoje em dia, todas as ruas em Varsóvia vão dar a Praga. Não propriamente à capital checa, mas sim ao bairro homónimo, na margem direita do Vístula, mesmo em frente à cidade medieval muralhada (quinze minutos a pé pela ponte Slasko-Dabrowski). É um dos burgos mais antigos e populares da cidade e agora também o epicentro da cena alternativa polaca.

Em Praga ficam a antiga Gare de Leste e a Igreja Ortodoxa de Santa Maria Madalena, entre as quais cresceu a comunidade de funcionários russos, destacados para a cidade polaca anexada ao império dos czares, nos inícios do século XIX. Foi também aqui que as tropas de Estaline estacionaram em 1944, enquanto esperavam que os alemães acabassem com os polacos do outro lado do rio, de modo a facilitar a sua "libertação" da cidade. Em Praga houve escaramuças, mas nada que se pareça com o grau de destruição massiva de que Varsóvia foi palco noutros quadrantes durante a Segunda Grande Guerra.

Depois da guerra, o governo pró-soviético deixou cair esta antiga área proletária, convertendo-a numa espécie de limbo do paraíso socialista, para o qual foi desterrando os bastardos do sistema. Por isso Praga se tornou no lugar mais inseguro de Varsóvia e ao mesmo tempo no mais genuíno, no sentido de ser das raras manchas urbanas que ficaram de pé e pouco mudaram desde o fim da guerra. É um bairro de grandes armazéns e fábricas em desuso, alternando com prédios de habitação operária, que ocupam quarteirões inteiros. Algures a meio de cada rua costuma haver uma passagem para um pátio interior, quase sempre centrado em imagens singelas da Nossa Senhora.

O estado de deterioração é tão fundo que muitas fachadas conservam os buracos das balas nazis e há prédios inteiros em que as varandas foram removidas para evitar que desabassem sobre os peões. Explorar estas vizinhanças, sobretudo em dias sem sol, é muito semelhante a entrar num filme de guerra a preto e branco. É essa realidade mais forte que a reconstituição que terá levado Spielberg a rodar no bairro algumas sequências de A Lista de Schindler e sobretudo Polanski a filmar parte substancial de O Pianista.

Praga conserva, portanto, essa camada de fuligem, reforçada pela forte demografia de idosos e negócios de outros tempos, como peixarias e sapateiros. Noutras moradas, porém, há velhas balaustradas de ferro forjado pintadas de fresco com cores berrantes, uma data de bonecos de peluche nos nichos das santas e muitas intervenções da chamada "arte de rua" - como as fabulosas imagens inspiradas na iconografia russa ortodoxa, que o ucraniano Linas Domarakas vai pintando nas árvores mortas do bairro. Boa parte destas criações encontra-se nas imediações ou mesmo no interior de velhas estruturas industriais ressuscitadas como espaços lúdicos e isso está a converter Praga no bairro mais efervescente de Varsóvia.

Cabe destacar a Fabryka Trzciny, centenária fábrica de marmelada, ressuscitada como galeria de arte, clube de dança e restaurante em 2003 e desde então sede da movida de Praga. Outra gigantesca estrutura fabril, a destilaria Konecer, continua a produzir vodka em parte das instalações, mas nos armazéns mais antigos optou por abrir exposições, uma loja de design e uma sala de espectáculo, oferecendo a área ao ar livre entre os edifícios para festivais de Verão. Já como parte do circuito nocturno das capelinhas de Praga estão bares e clubes quase sempre com arte e música ao vivo, como o W Oparach Absurdu (Os Gases do Absurdo), o Slad Butelek (Armazém de Garrafas) e o Sen Pszczoky (O Sonho da Abelha). Mas há lugares novos a abrir todos os dias e o mais importante é que ainda está tudo a acontecer. Praga em Varsóvia é o Bairro Alto, o Soho ou o Marais antes de chegar a rotina. 


Teatro da memória

Há qualquer coisa que não bate certo, no centro histórico de Varsóvia. Tudo é igual ao que era antes da guerra, desde as muralhas medievais aos hotéis Arte Nova. A diferença é que não se vislumbram sinais de desgaste urbano e o conjunto inteiro parece ser a estrear. A sensação de artifício é, na verdade, plenamente justificada, quando nada ou quase é autêntico por estas bandas. A maior parte não passa de uma colossal encenação, admirável na mesma medida em que se revela insólita. Rebobinando, Adolf Hitler planeava converter Varsóvia numa cidade alemã, antes mesmo de ocupar a Polónia. Uma cidade "ideal" de 130 mil habitantes, eventualmente sem polacos. Na prática, o colapso de Varsóvia deu-se por etapas, primeiro com os bombardeamentos de 1939, em seguida com a demolição do gueto judeu, mas sobretudo durante e depois da Insurreição de Varsóvia de Agosto de 1944.

Quando os últimos focos de revolta foram abafados, 800 mil civis tinham sido mortos (60% dos residentes) e cerca de 85% da cidade desapareceu do mapa. O governo comunista pós-guerra tomou a decisão inédita de restaurar na íntegra e com toda a fidelidade o centro antigo de Varsóvia. A operação envolveu toda a cidade e empregou pinturas antigas e fotografias de época, de modo a assegurar o rigor da duplicação. Desde a praça do mercado, coração medieval da cidade, ao palácio real na sua mais lustrosa versão barroca, passando por uma mão cheia de igrejas góticas e mansões renascentistas, tudo foi reposto tal qual era - cuidando inclusive de juntar falsificações convincentes, onde antes não havia nada.

Uma operação de regeneração desta escala nunca antes tinha sido ensaiada e veio a ser distinguida pela UNESCO. Foi uma incrível demonstração de tenacidade e de amor à camisola dos polacos, mas o centro antigo de Varsóvia nunca mais se vai livrar da aura de parque temático da História. Tem esse fascínio dúbio: o lugar mais sagrado da alma polaca é também o seu enclave mais teatral. A fuga à armadilha da fossilização passa por converter o centro antigo num novo pólo cultural da cidade e dar novos usos aos seus espaços antigos. É o que acontece com a galeria Zacheta, mansão neo-renascentista dedicada à exibição de arte polaca contemporânea, ou do novo museu Chopin, no neoclássico Palácio Ostrogski. O edifício é o mesmo, mas a exposição é agora um show completamente interactivo, que escandaliza os tradicionalistas e projecta o mais célebre habitante de cidade na Varsóvia do futuro.


Estaline mix

Varsóvia tem um centro histórico, mas também um centrum moderno, coincidente com esse delicioso mamarracho que é a Gare Central. Nesta área, o programa pós-guerra ditou a construção de uma nova centralidade de acordo com os cânones do Realismo Socialista. Daí a retícula geométrica, definida por praças majestosas, cortadas por avenidas que se prolongam até aos subúrbios. O destaque vai para as praças vizinhas da Constituição e das Paradas, aquela com um conjunto neoclássico ao estilo Guerra Fria, esta dominada pela jóia da coroa comunista, o colossal Palácio da Cultura e da Ciência. Tem 213 metros de altura, 3288 divisões e empregou seis mil trabalhadores recrutados em países comunistas. Foi uma "prenda" de Estaline, que os polacos acabaram por pagar e odiar como símbolo da hegemonia soviética. Por isso foi eleito para o topo das coisas a abater, quando a democracia e o governo municipal foram restaurados, em 1990.

O Palácio acabou por sobreviver e ainda bem. Primeiro porque é a principal testemunha de quarenta anos de história polaca recente e, por isso mesmo, um dos principais spots turísticos da cidade. Depois, é uma peça de arquitectura como não há mais nenhuma: o arranha-céus capitalista tipificado no Empire State Building, na versão Realismo Socialista do russo Lev Rudynev, rematado com montes de pormenores da arquitectura do Renascimento Polaco. Mas o melhor, ou o mais interessante, é que o Palácio da Cultura e da Ciência ganhou uma segunda vida. Desde 1990 tem vindo a acolher uma série de empresas ocidentais e um casino, por sinal o maior da Polónia, mas também um sortido de espaços de arte e de cultura, que estão de moda sobretudo entre as gerações mais jovens.

O eclectismo que se verifica no interior do edifício repercute o que está a acontecer cá fora, sobretudo nos quarteirões ocidentais da Praça das Paradas, que se estão a tornar na maior concentração de arranha-céus envidraçados da Polónia. O destaque vai para Zlota 44, o sinuoso monólito de Daniel Liebskind, de 192 metros de altura, ainda em construção, mas que é já um símbolo privilegiado da Polónia do século XXI. Os familiares "logos" das grandes corporações internacionais (incluindo a rede bancária Millennium e a rede de supermercados Biedronka, de Jerónimo Martins) cintilam no alto destas novas folias arquitectónicas, proporcionando um sugestivo jogo de contrastes com o Palácio da Cultura, a Gare Central e todos os blocos de pré-fabricados que se conservam em pleno centrum. Algures nesta mistura caprichosa estará a nova alma da Polónia?


Guia prático

Na Internet
www.um.warszawa.pl


Como ir

A TAP voa de Lisboa para Varsóvia às terças, sextas e sábados, às 9h15 (TP582) e às terças, quartas e domingos com saídas às 17h05 (TP584). No sentido inverso, descola segundas, quartas e quintas pelas 7h40 (TP587) e às terças, sextas e sábados pelas 14h55 (TP581). Bilhetes de ida e volta desde 234,68 €. Os voos têm uma duração de cerca de quatro horas.

Como circular
Há uma linha de metro que atravessa a cidade no sentido norte-sul e outra em construção no sentido este-oeste, que atravessa o rio junto ao novo Estádio Nacional. Os eléctricos são preferíveis aos autocarros, porque ocupam as faixas centrais das avenidas e não são afectados pelos frequentes engarrafamentos. Um bilhete válido por 20 minutos para todos os transportes públicos custa 60 cêntimos.


Onde ficar

Bristol
Krakowskie Przedmiescie 42-44
Tel.: 0048 (22) 5511000
www.meridien.pl
Jóia Art Nouveau, inaugurada em 1904. Se não puder ficar, pelo menos vá tomar um café. Desde 120€ por noite com estadia mínima de duas noites e na época baixa.

Hostel Fabryka
11, Listopada 22 Str.
Tel.: 0048 (22) 515464209
www.hostelfabryka.pl
Hostel
numa antiga fábrica, também ocupada por teatros, bares e salas de concerto. A partir de 11€ por cabeça.

Nota: As sugestões de alojamento foram recolhidas pela Fugas no mês de Março. Nesta altura, é possível que seja difícil arranjar camas vagas e que os preços estejam bastante inflacionados.


Onde comer

Porto Praga
Stefana Okrzei, 23
Tel.: 0048 (22) 6985001
Primeiro restaurante chique/mundano no muito alternativo bairro de Praga. Ocupa uma antiga fábrica de farinha num décor refinado Art Nouveau/Art Deco. Cozinha internacional.

Fabryka Trzciny
Otwocka, 14
Tel.: 0048 (22) 6190513
A catedral da cena arty de Praga tem o seu próprio restaurante, especializado em versões fantasistas da cozinha tradicional polaca.

Latajacy Talerz
Saska Kepa
Tel.:0048 (22) 601211669
Cozinha de fusão num restaurante com capacidade para doze pessoas, onde todos os clientes se sentam à volta da mesma mesa.


O quer fazer

O Centro de Ciência Copérnico é a nova atracção familiar de Varsóvia, uma espécie de versão actualizada do nosso Pavilhão do Conhecimento, estrategicamente colocado à beira do Vístula, a dos passos do Estádio Nacional. Nas traseiras encontra-se a Biblioteca da Cidade Universária, um espantoso edifício-jardim, que merece igualmente a visita. De resto, Varsóvia está particularmente bem fornecida no capítulo dos museus da memória (da cidade, dos judeus, da independência), bem como de monumentos que lhes prestam homenagem, alguns no mais puro kitsch monumental do Realismo Socialista, como é caso daquele que recorda a Insurreição de Agosto de 1944.

Tours

Jacek Jaroszewicz toca baixo numa banda de jazz, vive no bairro de Praga e é guia oficial de Varsóvia. Fala um português perfeito e conhece a cidade como as suas mãos.
Tel.: 0048 608740729
www.guidendrive.pl


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Estádio Nacional de Varsóvia
Capacidade: 58.500 lugares
Capacidade no Euro 2012: 50.000 lugares
Número de jogos: 5

Jogos
8 de Junho: Polónia-Grécia (Grupo A)
12 de Junho: Polónia-Rússia (Grupo A)
16 de Junho: Grécia-Rússia (Grupo A)
21 de Junho: 1.º Grupo A-2.º Grupo B (Quartos-de-final 1)
28 de Junho: Vencedor do Quartos-de-final 2- Vencedor do Quartos-de-final 4

Situado na margem direita do Vístula, o novo Estádio Nacional da Polónia é doravante uma visão comum para quem se passeia na cidade velha, quase em frente na outra margem. Ganha vida sobretudo à noite, quando assume a forma de uma gigantesca coroa luminosa, recortada na negritude do parque envolvente. Inaugurado com o amigável Polónia-Portugal, no final de Fevereiro passado (0-0), tem capacidade para 58 mil espectadores de futebol (cerca de 73 mil de concerto), e vai receber o jogo inaugural do Euro 2012, opondo a Polónia à Grécia. Custou 500 milhões de euros, cerca do dobro dos outros três estádios construídos na Polónia para o evento. Foi construído no mesmo local onde existia antes o Estádio do 10.º Aniversário, que foi palco de múltiplas celebrações do regime comunista. Deverá mais tarde ser usado pelas duas maiores equipas de futebol da cidade. Há expectativas de retorno, para além dos ingressos, na publicidade e principalmente no aluguer da minicidade construída no subsolo do recinto.  

A Fugas visitou as cidades polacas a convite da TAP e do Turismo da Polónia

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