Fugas - Viagens

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    Jardim A Despensa de Tomate Adriano Miranda
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    Jardim + Zoom: Uma Realidade Aumentada, projecto de quatro arquitectas portuguesas Adriano Miranda
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    Jardim Saboreie a Subida Adriano Miranda
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    Pormenor de um dos jardins Adriano Miranda
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    Jardim Honey Scape Adriano Miranda
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    Jardim Labirinto dos Sabores Adriano Miranda
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    Pormenor de um jardim Adriano Miranda
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    Jardim A Fábrica de Paisagem Adriano Miranda
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    Jardim Radiante Adriano Miranda
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    Jardim Plástico Adriano Miranda
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    Jardim Plástico Adriano Miranda

Os jardins também se comem

Por Mariana Oliveira

Há sopa de sensações, batatas fritas loirinhas e uma casa de chocolate para a sobremesa. Os jardins, está visto, também se podem levar à boca. Em Ponte de Lima, até 31 de Outubro, também servem para outra coisa: para fazer campanha por uma alimentação saudável e pelas causas ambientais.

A sopa está pronta, as batatas fritas aloiradas e a pizza cortada. Há latas de tomate em abundância e a massa tem direito a uma fábrica. Para a sobremesa? Uma casa de chocolate e favos de mel.

A ementa pode parecer um pouco estranha para um festival internacional, mas por aqui as aparências podem iludir. É que não falamos de gastronomia, mas da 8.ª edição do Festival Internacional de Jardins de Ponte de Lima, dedicada ao tema Jardins p'ra comer. Até 31 de Outubro pode comprovar, numa margem do Lima junto à vila, que os jardins também se comem. Pelo menos com os olhos.

E por aqui a criatividade permite quase tudo. Mesmo um jardim sem flores. A provar isso mesmo está o Jardim Plástico, da autoria de um designer espanhol, um dos onze que o júri seleccionou de um conjunto de 49 propostas. "É uma sopa de sensações, cozinhada numa enorme panela e servida em pratos e tigelas", descreve o autor, António Carvalho, na apresentação do trabalho. Um prato raso azul e por cima outro, de sopa, vermelho, ambos a servir de base a uma tigela branca, que dentro ainda alberga um copo verde pintalgado de azul. Uma flor artificial sustentada num caule branco de madeira. E a receita repete-se às dezenas com variações de composição e cor que divertem os participantes convidados a passear entre colheres e garfos gigantes.

Mesmo ao lado, uma história de encantar serve de inspiração ao jardim de Catarina Lopes, que decora duas árvores com enormes chupa-chupas coloridos. Mas os mais novos quase ignoram essa primeira parte do projecto recheada por flores comestíveis, que pretendem alertar para algumas plantas ignoradas na alimentação. E deliciam-se com banhos no "caldeirão da bruxa", uma piscina de bolas azuis e laranjas, dentro da casa de chocolate.

Como saltamos da sopa directamente para a sobremesa temos de fazer marcha-atrás e voltar ao prato principal. Associando-se jardins consegue-se uma ementa mais completa. As batatas fritas gigantes que deslizam e baloiçam combinam bem com a pizza de grandes dimensões, que presta homenagem à dieta mediterrânica. Porquê fazê-lo através de uma pizza? As quatro arquitectas paisagistas que criaram o jardim explicam: "Nos dias de hoje a pizza é um prato que serve a mesa de todos os portugueses e está sempre associada ao conceito de fast-food, sendo intuito desta proposta desmistificar precisamente este preconceito. Assim, a ‘sugestão do chef' é uma pizza mediterrânica!" Comuns aos dois projectos, as begónias, que num caso simulam o ketchup (com a garantia de que a aproximação não vale nódoas na roupa) e noutro rodelas de chouriço.

Na Fábrica de Paisagem apresenta-se um percurso pelas diferentes fases de produção da massa, numa metáfora à cadeia de alimentação humana. Uma divertida árvore de massa, a que os autores chamaram Máquina da Vida, remata um ciclo que passa pelo cultivo, pela moagem e pela produção industrial. E a massa estendida vai oscilando ao sabor do vento. Pronta a comer com o molho armazenado na Despensa de Tomate, um projecto de dois engenheiros e uma arquitecta, todos espanhóis. Um tapete de latas vermelhas sobressai num chão basáltico. Penduradas em varões, mais latas transformadas em floreiras albergam salsa, tomilho e heras, entre outras plantas e flores.

Do natural partimos para o artificial, num projecto que recria a estrutura dos favos de mel. Uma teia de policarbonato alveolar em forma de arco é a essência da proposta de Gonçalo Castro Henriques, num jardim em tons alaranjados que se transfigura ao longo do dia ao sabor das sombras. E para explicar a complexidade do projecto vamos traduzi-lo em números. "A estrutura tem 210 painéis, 145 tubos, 260 discos, ou seja, cerca de 500 peças feitas em fábrica. Foi necessário identificar todas as peças para as montar no local. Utilizou-se um sistema de ligação simples e fácil com 1500 abraçadeiras reforçado com elementos metálicos", debita Gonçalo Castro Henriques.

Embalados pelos números chegamos ao Jardim da Abundância, onde podemos observar mais de 50 espécies de plantas num espaço labiríntico, que recria diferentes recantos. No centro, uma pequena sala intimista com vista para a paisagem. Menos contemplativo é o Saboreie a Subida, um projecto de quatro arquitectos dinamarqueses que oferece um jardim em socalcos. Uma estrutura de madeira com diversos níveis que se enche de vida entre os saltos e as corridas dos mais novos. Sobre o Ninho e o Labirinto dos Sabores optamos por não dizer mais que os nomes. Surpreenda-se com a visita.

Francisco Caldeira Cabral, presidente do júri e criador do recinto do festival, explica como são seleccionados os jardins, escolhas que admite serem sempre difíceis. Numa primeira fase, os juízes deixam-se seduzir pelas mensagens escritas dos concorrentes e pelos painéis onde se simulam as propostas. Depois há que analisar vários factores. "A resposta à temática de cada ano, a criatividade da forma como é abordada esta temática, a exequibilidade da solução em termos técnicos, e em termos de custo, uma vez que está regulamentado o investimento máximo por jardim, no valor de 10 mil euros", lembra o arquitecto paisagista.

O festival de Ponte de Lima, o único no país, foi uma aposta muito vanguardista, considera Caldeira Cabral, ao explicar que se inspirou no modelo francês de Chaumont, junto às margens do Loire, que este ano vai na 21ª. edição. "Na minha opinião, foi adaptado e melhorado em Portugal. A prova disso é a crescente participação e interesse das pessoas que anualmente visitam o festival, tendo atingido no ano passado cerca de 110 mil visitantes", afirma o arquitecto. O paisagista destaca a função pedagógica do evento: "Para os jovens é uma oportunidade de verem as suas ideias concretizadas e apreciadas pelos visitantes, e tem sido uma forma de revelar talentos no domínio da arte dos jardins." O ambiente também sai a ganhar. "O jardim deixa de ter um conteúdo meramente ornamental e passa a transmitir mensagens facilmente inteligíveis pelas populações visitantes de carácter ambiental", sublinha Caldeira Cabral.

Exemplo disso é o 12º. jardim do festival, o projecto mais votado pelo público no ano passado e que, por isso, é premiado com uma segunda participação. Um conjunto de árvores despidas num chão cinzento e vermelho e uma casa que debita fumo sensibilizam para a devastação dos incêndios florestais.

Caldeira Cabral resume o balanço de oito anos num facto: Ponte de Lima já serviu de inspiração a um festival, na Galiza, em Allariz, perto de Orense

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