Quinta das Conchas
Herança tropical
Por baixo do friso colorido pendurado entre duas árvores a anunciar a festa de aniversário ao ar livre há uma batalha em curso. Deste lado do enorme relvado os miúdos dão com almofadas uns aos outros como se o mundo fosse acabar. Outros levaram bolas e bicicletas para aproveitar o sol de domingo. As duas esplanadas estão cheias e na zona de merendas há quem tenha de beber o branco de pé porque nas mesas já não cabe ninguém. Demasiado confuso? Nem por isso. Nos amplos prados abertos salpicados de arvoredo da Quinta das Conchas, no Lumiar, há lugar para toda a gente, ou não estivéssemos num dos maiores espaços verdes da cidade. São 24 hectares que mais parecem um campus universitário inglês, onde miúdos e graúdos se divertem - seja a descansar em mantas à sombra dos gigantescos eucaliptos depois do piquenique, seja a correr na mata ou a pedalar de bicicleta, junto à fi ada de palmeiras. Os eucaliptos estão classificados como sendo de interesse público, devido ao seu porte, o mesmo acontecendo com aquelas árvores de tronco curto cujas folhas enferrujam no Outono, ganhando tons acastanhados. Chamam-lhe elmo japonês.
Não foi por acaso que aqui vieram parar várias espécies exóticas. A velha quinta pertencia a um importante roceiro de São Tomé e Príncipe, que a comprou no final do século XIX juntamente com outra propriedade adjacente, a Quinta dos Lilazes, hoje também parte integrante deste espaço público. Os cursos subterrâneos de água que alimentavam a quinta foram entretanto postos a descoberto e aproveitados para fazer os canais e lagos que integram a paisagem.
Já fora do parque infantil, junto a um pequeno olival, ficam os escorregas cor-de-laranja. Adaptados ao declive existente, fazem as delícias da miudagem e não só. "São mesmo giros", diz um entusiasmado pai a um amigo ao telemóvel, enquanto o filho desliza monte abaixo.
À excepção da frondosa mata, onde os eucaliptos e pinheiros parecem querer tocar o céu, o parque é praticamente plano. Junto aos amplos relvados é frequente andarem melros pretos, mas é na zona mais densamente arborizada que se podem encontrar aves mais variadas, como a carriça, a toutinegra e os chapins. Do lado de lá do muro, a Quinta dos Lilazes tornou-se conhecida pelas espécies tropicais que albergava, papagaios incluídos. Hoje o espaço está mais descuidado, embora ainda ali exista um antigo lago com uma ilha arborizada a meio, símbolo das paragens tropicais onde enriqueceu o roceiro.
Quinta das Conchas
Alameda das Linhas de Torres, 200
Lumiar
Tel.: 217 594 516
Horário: das 6h00 à 1h00
Parque do Tejo e do Trancão
Paisagem luminosa
Se ainda fosse vivo, Dali não desdenharia pintar este arco-íris duplo. Inexplicavelmente largo depois da chuvada que acabou de cair, esconde-se por entre o cinzento-chumbo das nuvens antes de entrar na água. Da Torre Vasco da Gama em diante, em direcção a Loures, o mundo parece feito de céu e rio. De repente, os prédios do Parque das Nações encolheram, atrás dos relvados e do arvoredo. Já não se vêem torres, só o Tejo ali mesmo, tão próximo que lhe podemos tocar com a mão. E a ponte colada ao rio, como se dele sempre tivesse feito parte. Já não é um segredo bem guardado, este do Parque do Tejo e do Trancão. Mesmo quando o sol se esconde continua a ser das paisagens mais luminosas da cidade, num jogo de luz e sombras demasiado irreal para parecer verídico. As nuvens baixas ameaçam outra vez chuva, e mesmo assim há gente a correr de ténis e calções debaixo deste céu dramático. Correm sobre o rio e têm por companhia os maciços de pinheiros e os relvados bem cuidados, modelados em pequenas colinas. Pequenos pontões convidam quem passeia a deixar-se levar ainda mais longe por este sortilégio do estuário. Depois do parque infantil e de uma estátua de D. Catarina de Bragança, que partiu de Lisboa em 1662 para se casar com um rei inglês, entra-se no sapal. Junto a uma enseada, o passadiço de madeira que nos transporta Tejo adentro transforma-se em ponte, e desta vez é como se caminhássemos mesmo sobre a água. Há choupos, juncos e freixos, cigarras e gaivotas.