Já o filho ia com poucas expectativas, repelido pela visão, ora saudosista, ora mercantilista que se tem de Angola. Regressou de preconceito enxotado e "a adorar". "É um país topo para se viajar em África: são das pessoas mais simpáticas, muito divertidas, cultas. Luanda é uma cidade muito cosmopolita, com muita noite e atividade". Só há um problema. Se Angola é afinal de contas "o Brasil de África", também é a Coreia do Norte do continente. "Não dão vistos a ninguém", conta o filho, relembrando o mês que ficaram em Kinshasa, capital da República Democrática do Congo (o ex-Zaire), à espera de permissão para entrar no país. Bateu o "recorde da paciência", num total de 110 dias passados em capitais e 88 idas a embaixadas e consulados para tratar de vistos durante toda a viagem. Valeu-lhes a perseverança, e também o apoio da diplomacia portuguesa, para ultrapassar os apertos da papelada.
Perguntem-lhes e eles responderão sem hesitar: a burocracia foi a única experiência "menos boa", que os fez alongar mais três meses a viagem. Malárias? Quatro superadas, até a pior, que fez Pedro Dias, um amigo que os acompanhou parte da viagem, ficar em pele e osso. Roubos? Nove, nenhum que os fizesse voltar para trás. Cinquenta e sete idas ao mecânico e 25 furos? A Catrela foi escolhida por ser fácil de arranjar e chegou cá.
"Uma viagem grande é como um livro" (e esta sai mesmo para as livrarias em Fevereiro), conclui Carlos filho, relembrando que têm de existir momentos menos bons para uns serem superados e outros surgirem. "Às vezes estávamos duas horas à espera que o sol viesse para aquecer o motor. Eram duas horas que ficávamos a beber café nas aldeias e a falar com as pessoas, que depois nos ajudavam a empurrar", conta.
Queriam fugir ao turismo de "picar o ponto" e viver quase como africanos, "sentir a mesma lama, comer a mesma comida", recorda o pai. Estiveram mesmo em "aldeias que nunca tinham tido um europeu a dormir", relembra o filho. Foi quase um ano, mas não chegou.
O pai regressa a Marrocos, enquanto não puder voltar ao Mali por causa dos conflitos que entretanto rebentaram. O Abas, um menino de sete anos, deu-lhe a mão para o ajudar a descer a falésia onde tinham ido visitar as antigas casas do País Dogon, apesar de momentos antes Carlos se ter recusado a dar-lhe dinheiro (são contra o estímulo à mendicidade). O gesto de Abas tocou-o e fá-lo agora querer voltar para ajudar a financiar os estudos da criança.
O filho regressa à Etiópia em 2013, agora como guia para a agência onde trabalha (a Nomad). O "país fetiche desde há muitos anos" superou as espectativas, com as "histórias de encantar" a confirmarem-se no terreno e um "povo espectacular, muito bonito e simpático". O que não voltará a acontecer é odisseia semelhante. "É uma viagem tão única que nem vale a pena repetir", confessam.
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