E se fossemos à Grécia? O país está em crise, os preços devem estar mais baixos. Porque não vamos até lá? Vivem muito do turismo, devem precisar de ajuda.
Quer seja para aproveitar a oportunidade que a crise pode criar, quer seja por solidariedade, há quem pense em visitar a Grécia justamente por causa da crise. Porque ela significará que há menos turistas: os alemães fogem do país em que a sua chanceler, Angela Merkel, é apresentada como nazi na imprensa nacional; os britânicos e norte-americanos lêem artigos e "perguntas e respostas" sobre o que aconteceria às suas férias se a Grécia saísse do euro. Logo a seguir às inconclusivas eleições de 6 de Maio, houve 50 mil cancelamentos de férias reservadas em apenas dez dias.
Menos turistas traduzir-se-á em preços mais baixos, pensa-se. Além disso, a Grécia precisa do dinheiro dos visitantes: o turismo contribui para a economia - representa cerca de 17% do Produto Interno Bruto e é responsável por um em cada cinco empregos no país. O país recebe uma média de 16,4 milhões de turistas por ano.
Nos últimos meses têm sido criados sites a promover a Grécia e visitas como a de Brad Pitt e Angelina Jolie ou Robert De Niro têm ajudado a limpar meses de imagens de manifestações com duros confrontos com a polícia em Atenas (que coincidência ou não, começaram a esmorecer quando o tempo começou a ficar mais quente).
Se não fosse a crise que provoca medo de instabilidade monetária, ou as imagens de protestos e greves eas consequentes dúvidas dos turistas, a Grécia não precisaria de grandes campanhas para atrair visitantes. Tem bom tempo, boa comida, um mar delicioso e praias para todos os gostos. E história.
E depois há os gregos: que, sem dúvida, sabem receber."Zeus, o principal deus grego, é também o deus da hospitalidade", sublinha Barbara Papadopoulos, uma artista grega a viver em Berlim que está a passar uma temporada em Atenas. "Qualquer que seja a nacionalidade dos visitantes, até alemães - tenho a certeza de que serão muito bem recebidos", diz Barbara, gesticulando generosamente para sublinhar os seus pontos de vista.
Barbara tem razão: os gregos são até quase exagerados na arte de bem receber; não chegam a ser opressivos, mas serão talvez demasiado generosos. Estão em crise, mas são eles que convidam.
São gentis: sejam pessoas ligadas ao turismo como Harry, o porteiro do hotel que tem mapas em que rabiscou o que é obrigatório provar nos restaurantes (taztziki, o iogurte com alho e pepino, sim, mas também souvlaki, a carne grelhada em pão pita), seja genteque nada tem a ver com a indústria do turismo mas que quer sempre mostrar o que a sua terra tem de melhor.
Além disso, são muito comunicativos. E claro, se o viajante for português, é inevitável o sorriso cúmplice do interlocutor, o falar sobre a crise. Na Grécia os salários foram cortados, em alguns casos até 40%, houve aumentos nos impostos e nos transportes (alguns sites de turismo mostram um preço muito diferente dos bilhetes para o metro de Atenas, por exemplo: uma páginade 2009 indica que o preço normal era 0,80 cêntimos - hoje custa 1,40 euros) e a taxa de desemprego não pára de subir - 22,5% em Maio, mais de um em cada dois jovens não tem emprego. Harry, por exemplo, é reformado, mas trabalha em part-time na recepção de um hotel para ajudar o filho, um engenheiro desempregado.
Uma Acrópole sem turistas
Muitos gregos anunciam as suas casas no AirBnb, um site internacional de aluguer de casas de particulares muito popular, e que permite uma fonte de rendimento alternativa - é frequente que quem aluga o apartamento se mude por uns dias para casas de amigos enquanto recebe os hóspedes. No AirBnB há de tudo para uma estadia na Grécia, de quartos em apartamentos partilhados a luxuosas casas de férias.
Peter Economides (ver entrevista) é conhecido por um vídeo em que defendeu mudar a "marca Grécia": o vídeo tornou-se viral na Internet - e até já lhe pediram autógrafos por causa disso, conta divertido. Está envolvido numa série de campanhas para influenciar a opinião pública europeia e melhorar a imagem da Grécia. Estas não se esgotam no turismo, mas este não deixa de estar presente. "O turismo é uma grande contribuição para esta economia", diz Economides. "Mas é algo mais: o turismo é o contacto da Grécia com o resto do mundo", defende. "Se o efeito da quebra do turismo na economia do país é bastante grave, se andarmos perto da Acrópole e não houver turistas, ou se formos às ilhas e estiverem vazias, a psicologia vai também ser afectada. Por isso venham os turistas - seja por solidariedade ou para aproveitar os preços."
No entanto, Economides acusa os promotores do turismo grego não fazerem o seu trabalho suficientemente bem. Entre 2000 e 2010, 25 milhões de turistas visitaram a região. Destes, metade foram para a Grécia, 38% foram para a Turquia, 12% para a Croácia. Dez anos depois, um declínio: apenas 29% escolheram a Grécia e 53% optaram pela Turquia.
Mas estão as férias na Grécia realmente mais baratas?
Bom, depende. Os preços do alojamento desceram - mas não em todos os sítios, nem em todo o tipo de alojamento. E muitas vezes é preciso procurar ou regatear (sim, mesmo em hotéis de dimensão média e grande há quem receba descontos se os pedir).
Isto acontece em plenocentro de Atenas: a praça Omonia e ruas adjacentes já foram um dos locais emblemáticos da capital grega, com cafés e hotéis, edifícios elegantes com uma espécie de palas trabalhadas, para dar sombra. Mas hoje as palas mostram os sinais do tempo, os hotéis fecham as portas e este é um local dominado por pessoas que passam como fantasmas, com os maneirismos típicos de quem consumiu heroína; ou por imigrantes, muitos, alguns deles em situação ilegal, que deambulam, uns vendendo pulseiras ou produtos de contrafacção, outros por ali por não terem trabalho.
A insegurança atribuída ao desemprego e à imigração ilegal é vista por muitos como exagerada. Mas vários atenienses vão contando relatos de amigos assaltados. Harry conta que vários hóspedes regatearam a sua tarifa no hotel. E que à noite, a partir de uma certa hora, a porta da frente fecha-se - à chave.
Como em tudo, é preciso ter bom senso: há ruas em volta da praça - como aliás noutros locais do centro - onde a ideia de um passeio nocturno não parece especialmente boa, e não é.
Mas também não se deve ficar paralisado pelo medo: Atenas, que é em geral tida como uma cidade feia e que muitos turistas tratam como uma paragem obrigatória para ver a Acrópole e pouco mais, é uma capital vibrante, com iniciativas anti-crise e outras que se mantêm apesar dela, e se multiplicam de dia para dia.
De facto, a capital grega não é uma cidade especialmente bonita. Mas tem uma vida interessante, ainda que talvez um pouco escondida dos turistas que ficam no centro no seu único dia em Atenas, em trânsito para outras grécias. Há festas ou sessões de cinema improvisadas na rua, que parecem ter sido organizadas apenas por uma ou duas pessoas: pode ser uma festa no parque na zona de Thissio, com colunas pequenas e roufenhas ligadas a um computador portátil mal equilibrado num banco, o que não dissuade uma série de jovens que não parece pertencer ao mesmo grupo de dançar, aos pares, música dos anos 1950. Ou então uma sessão de filmes de Woody Allen na praça Merkouri, no bairro de Petralona.
Depois há grupos um pouco mais organizados a propor actividades gratuitas, desde visitas guiadas à Atenas judaica ou festas em antigas estações de comboio (no siteAtenistas.org, em grego, listam-se actividades e datas). Há ainda os festivais maismainstream como o Athens Festival, que decorre em Junho, quando a Fugas esteve na cidade, e que inclui, por exemplo, peças pela companhia de teatro berlinense Schaubühne (as várias sessões esgotaram - uma delas, ironicamente, no dia do jogo de futebol Alemanha-Grécia no Campeonato Europeu em que os gregos não conseguiram, como desejavam, bater os alemães).
E ainda fora do centro, locais já com algum nome turístico mas não menos interessantes: as tavernas da rua Troon, com as suas esplanadas encavalitadas na rua e um cinema ao ar livre, ou a vida do bairro de Halandri, a norte, já depois do Estádio Olímpico e com acesso mais difícil de transportes públicos. Ou o passeio marítimo de Volos e as suas praias, cada vez mais vazias à medida que nos afastamos da linha detram que, apesar de moderna, demora uma hora do centro (praça Syntagma) até ao final da linha. Ah, e uma nota: há praias em que se paga para entrar no café que dá acesso ao areal e a uma espreguiçadeira+guarda-sol. Mas basta andar cinco ou dez minutos para além da última estação para o evitar isso. Embora cinco ou dez minutos no calor de Verão de Atenas possa não ser tão fácil como parece, o esforço compensa.
Quanto às ilhas gregas, o cartão de visita do turismo helénico, o cenário é diferente. A crise não é tão visível quantoem Atenas. Aí, uma boa maneira de beneficiar de férias mais baratas é fazer um turismo super-local, com alguns riscos: chegar a uma ilha, ou cidade, e tentar alugar um quarto, ou um apartamento, sem reserva (e, claro, sem rede). É certo que pode não correr bem: mas é aqui que o risco pode compensar. Há ainda relatos de que vários operadores turísticos obrigaram os hotéis gregos a descer os preços, em alguns casos até 35%. Mas quem quiser seguir o caminho do turismo solidário saberá que quanto menos "férias de pacote" fizer, mais ajudará a economia local.
A crise no prato e no carro
Alguns restaurantes têm preços especiais, mas não se nota que estejam tão mais baratos - alguns baixaram de facto os preços, ou trazem extras de graça (aquela sobremesa oferecida seria dada antes da crise? Não sabemos se é a simpatia normal ou se aumentou com a busca de mais clientes), mas o aumento dos impostos anula por vezes esta descida.
Comer na Grécia não é caro, mas as tavernas estão feitas para jantares de família e de grupo: vários pratos divididos por todos (e se houver convivas gregos, há grandes hipóteses de que os garfos vão directamente buscar a comida aos pratos "comuns", apenas o que está longe demais é colocado no prato).
Ainda em relação a preços, há algumas curiosidades se compararmos com aqueles praticados em Portugal. A água é barata: em geral custa 50 cêntimos, mesmo num café ou restaurante mais caro. Já a cerveja custa em geral quatro euros, mesmo que na taverna mais popular.
Para as viagens, por outro lado, é preciso gastar algum dinheiro, e viajar no interior da Grécia não é uma pechincha - as medidas de aumento de impostos fazem com que o combustível seja caro, e assim as viagens entre ilhas de ferrynão ficaram mais baratas, nem as viagens de avião internas, especialmente se compradas perto da data de ida.
Para quem pensar passear de carro na Grécia continental - a península do Peloponeso, Delfos - ou numa das grandes ilhas como Creta ou Quios (ver texto nestas páginas), a opção também pode ficar relativamente cara. O preço da gasolina é tão alto quanto em Portugal e numa viagem de duas horas numa estrada que só com alguma boa vontade se chamaria auto-estrada podem existir três ou quatro portagens.
Uma viagem à Grécia poderá sempre ser mil viagens diferentes. Pode privilegiar a cultura clássica, ou apenas as praias paradisíacas; pode ser uma viagem gourmet - a cozinha local já é deliciosa, e os legumes de algumas regiões, como Creta, são especialmente saborosos - ou do outro lado do espectro, o turismo anarquista (sim, há quem vá directamente para a zona de Exarchia visitar os vários colectivos anarquistas). E mesmo nas ilhas, encontram-se características para quase todos os gostos.
Os guias turísticos revelam "a ilha grega certa para si": os aficionados de praias em Creta ou Mykonos, os interessados em História em Rhodes ou Corfu; Creta aparece de novo na lista de quem gosta de andar, assim como Naxos, já a quem preferir andar de bicicleta o Lonely Planet aconselha Kos ou Thasos, para mergulhar Karpathos ou Paros, para turismo responsável Quios ou Creta; para comer Lesbos, Corfu e, de novo, Creta.
Assim, mesmo que os preços não tenham descidoa piquedevido ao factor crise - como por exemplo na Tunísia -, há muito boas razões para visitar a Grécia. E uma delas é aquela dose de loucura que permite que, como diz Economides, cada turista encontre alguém que do nada começa a cantar e dançar - o seu "Zorba". Ou a loucura que faz com que em Atenas as motas andem no passeio e os peões na estrada. Ou que, no limite, talvez seja o que os leva a fazer coisas. É quase certo que em alguma altura da viagem vai haver um momento em que se pensa: "estes gregos são loucos!"
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