Fugas - Viagens

Vrontados, ilha de Quios

Vrontados, ilha de Quios Yorgos Karahalis/Reuters

Quios não é a clássica ilha grega

Por Maria João Guimarães

Quios é uma ilha grega que não encaixa no estereótipo da ilha grega. Não há casas tão brancas que reflectem o sol com cúpulas azuis, encavalitadas umas nas outras numa encosta até uma praia de água cristalina. Mas em Quios há terreolas encantadoras, um cheiro incrível a flor de laranjeira na Primavera e praias vazias a que se chega depois de ziguezaguear por estradas.

Quios está mais perto da Turquia do que de Atenas. E isso nota-se. Na cidade de Quios, a capital e o principal porto da ilha, vêem-se montanhas na outra margem - são montanhas turcas. Vêem-se luzes - é Esmirna. Liga-se a TV e surgem canais turcos; o mesmo acontece com a rádio. O aeroporto é pequeno e os turistas em Quios são mais gregos do que internacionais. "Nunca investimos em apresentar a cidade e a ilha para turistas para fora", diz Nick Gavalas, habitante de Quios. "Eles preferem ir para a Turquia, é mais barato", confessa.

Em Quios, há algumas coisas obrigatórias a fazer. Uma é inevitável: cheirar o ar, saturado de citrinos, flor de laranjeira, de tangerina, dos pomares que parecem estar em todo o lado. Há que provar a típica tangerina, gomo a gomo ou em sumo ou em conserva (mas uma nota: os sumos de "tangerina de Quios" oferecidos nos cafés e restaurantes vêm em embalagens tetra pak; são feitos em Quios, sim, numa fábrica perto do aeroporto). Outra: comer o queijo local - chama-se mastelo - grelhado, com limão. E finalmente: experimentar a resina mástique, que a aroeira (a "mastic tree") produz, apenas na zona sul da ilha. Apesar de haver aroeiras em vários outros países, a resina é produzida apenas aqui.

Depois há o que Quios tem por ser uma grande ilha, a quinta maior da Grécia: mais de 200 quilómetros de costa recortada, sinónimo de muitas praias, completamente diferentes entre si, com cafés ao lado e guarda-sóis e espreguiçadeiras ou sem uma única estrutura de apoio à vista, praias muito concorridas cheias de gente, ou com poucas pessoas ou mesmo ninguém, de solo claro ou vulcânico. Vale sobretudo a pena para quem alugar um carro e que poderá assim percorrer a ilha, com recortes e cantos de praias escondidas onde não se chegará de transportes públicos.


A "guerra"


Para quem esteja sem transportes numa visita mais curta - Quios pode ser uma boa escala para quem faça uma viagem que inclua a Turquia e a Grécia - a cidade de Quios não será a povoação mais bonita, mas há transportes públicos para visitar vários locais, como o mosteiro de Nea Moni e os seus impressionantes mosaicos, património mundial da Unesco ou pequenas localidades antigas, pequenas jóias como Pyrgi ou Mesta. 

Pyrgi é a mais icónica: toda a cidade tem edifícios com desenhos geométricos e muito trabalhados, cinzento-escuro e branco. Ao longe parecem pintados, mas que ao perto se vê terem sido feitos raspando a parte branca, de gesso, e deixando a vista o cinzento. 

Perto de Pyrgi há um das mais conhecidas praias da ilha. Chama-se Mavra Volia e é famosa pelas águas no fundo de pedras negras, resultado de uma erupção vulcânica, que estão no lugar da areia. 

Também não muito longe está Mesta, uma cidade fortificada da era bizantina, com arcadas e ruas estreitas, pequenas casas feitas em pedra justapostas, e uma praça central com um café, um hotel e um gabinete de turismo em que são promovidas visitas a terrenos com aroeiras e se ensina o moroso e muito paciente processo de retirar a resina mástique, que não tem nada a ver com o que é usado, por exemplo, nos pinheiros. Aqui, as árvores vão deixando cair por furos feitos durante meses pequenas gotas translúcidas. Estas gotas caem depois no chão, que foi entretanto coberto com um pó branco para que elas fiquem mais visíveis. Segue-se depois todo um longo e trabalhoso processo de limpar a resina. 

No entanto, o local com a tradição mais original - e a mais perigosa - da ilha, será outra pequena localidade a norte da cidade de Quios. Durante a missa do domingo de Páscoa, duas igrejas ortodoxas de Vrontados envolvem-se numa guerra de projécteis em que cada uma tenta acertar no sino da outra. À boa maneira grega, é ilegal preparar e lançar os foguetes, mas isso não impede que todos os anos mais de 100 pessoas se envolvam nesta peculiar tradição.

No meio da troca de tiros, os padres continuam as missas (dias antes, os edifícios das igrejas foram protegidos, especialmente os vidros), e os habitantes tentam manter-se, a si e às suas casas, a salvo. Nem sempre é fácil: muitas vezes os foguetes caem longe do alvo e provocam incêndios. Alguns habitantes desabafam que estão fartos de pagar, ano após ano, pelos danos sofridos com os projécteis.

Ninguém sabe dizer exactamente como começou esta tradição, embora se pense que poderá estar ligada aos disparos de marinheiros contra piratas. E Quios é ainda uma cidade de marinheiros. A indústria naval emprega muita gente, e muitas pessoas da ilha estão ligadas ao sector. No meio da vegetação da ilha, encontram-se por vezes lampejos de grandes vivendas: são as dos patróes da marinha mercante. 

Esta não é a Grécia do postal, da brochura turística tradicional, mas para quem tiver um pouco mais de tempo ou disposição para e partir pelas estradas da ilha, Quios pode ser uma boa surpresa.

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