Fugas - Viagens

  • A dupla de
    A dupla de "Tanto Mar" DR/Ricardo Bravo
  • Guincho
    Guincho João Catarino
  • Praia do Amado
    Praia do Amado João Catarino
  • Rumo à Nazaré
    Rumo à Nazaré João Catarino
  • Granja
    Granja João Catarino
  • Lagido
    Lagido João Catarino
  • Cova do Vapor
    Cova do Vapor João Catarino
  • Tanto Mar
    Tanto Mar João Catarino
  • DR/Ricardo Bravo
  • Pedro Adão e Silva relata
    Pedro Adão e Silva relata DR/Ricardo Bravo
  • João Catarino ilustra
    João Catarino ilustra DR/Ricardo Bravo
  • Desenha-me uma praia
    Desenha-me uma praia DR/Ricardo Bravo
  • DR/Ricardo Bravo
  • A capa do livro
    A capa do livro DR

À descoberta das melhores praias de Portugal numa carrinha «pão de forma»

Por Mara Gonçalves

Viveram o sonho do Verão. Comeram sempre peixe, dormiram na praia, tinham o sol como despertador. Uma dupla deu a volta às "suas" praias lusas numa lendária carrinha "pão de forma" e o resultado está em livro sob a forma de "Tanto Mar", contado e ilustrado entre ondas e areia.

"Mesmo que não conheças nem o mês nem o lugar caminha para o mar pelo Verão". Guiados pelo conselho do poeta Ruy Belo, Pedro Adão e Silva, sociólogo e comentador político, e João Catarino, ilustrador, desbravaram a costa portuguesa numa carrinha "pão de forma" em busca das melhores praias do país, das idiossincrasias e das tradições que habitam o litoral.

Durante doze dias, entregaram-se à "utopia de serem escravos de prazeres inúteis", encontrando um país à beira-mar plantado que, apesar de pequeno, tem uma enorme diversidade de praias por (re)descobrir, que agora revelam com textos e ilustrações no livro "Tanto Mar".

Ao longo deste tempo, viveram o sonho da evasão sem destino ou compromissos, comeram sempre peixe e dormiram na praia, com o sol como despertador e o mar por horizonte. Atraídos pelo verão do sul, seguiram pelo litoral de Caminha a Vila Real de Santo António e sempre o mais junto à costa possível, ao ritmo lento da "auto-vivenda" amarela da Volkswagen, parando onde o corpo pedia - ora pela vontade de contemplar praias e vilas, dar um mergulho ou fazer surf, ora pela fome ou cansaço. "Acordávamos numa praia, estávamos ali um bocado, íamos a outra, almoçávamos noutra, depois seguíamos, ainda parávamos em mais duas ou três, jantávamos noutra", descreve Pedro Adão e Silva.

O objectivo, conta o comentador político e autor dos textos que percorrem o livro, era "descer integralmente e de seguida a costa e ver as praias todas sequencialmente", escrevendo e ilustrando em cada local. O percurso deu-lhes uma "percepção muito mais fina e precisa" da enorme diversidade e riqueza das praias portuguesas, encaixadas num litoral marcado por grandes descontinuidades e contrastes, quer pela ação do recorte da costa e dos ventos, quer pelo tipo de ocupação do areal e da zona envolvente.

A "longa planície quase desértica" que descobriram nas Dunas de São Jacinto contrasta com a malha urbana das praias do Porto e de Lisboa. Na Cortegaça viram como os pinheiros estão a cair sobre as dunas num cenário dramático mas "muito bonito", enquanto o pôr-do-sol que presenciaram em Odeceixe pareceu-lhes uma "exibição gratuita e coreografada de monumentalidade".

Já em Albufeira, os vultos de João Catarino pintaram-se do vermelho-lagosta dos ingleses e comeram fish&ships, enquanto na lota da Apúlia encontraram "o estereótipo da peixeira nortenha, malcriada, que apregoa [tantas] asneiras" que João foi incapaz de estar ao pé dela o tempo suficiente para retratá-la.

Inspirados numa viagem semelhante feita pelo ilustrador na EN2 e nas obras de Ramalho Ortigão ("As Praias de Portugal"), Orlando Ribeiro ("Portugal Mediterrâneo e Atlântico") e Raul Proença ("Guia de Portugal"), empreenderam uma odisseia arqueológica, procurando não apenas a memória milenar da natureza, das suas rochas e enseadas, como a história dos lugares e a forma como a praia é, e foi, vivida. "A praia é um óptimo observatório da memória geográfica, física e material, mas também das transformações sociais", defende Pedro Adão e Silva.

Se no Minho encontraram a mesma "luz húmida de incomparável doçura" descrita por Orlando Ribeiro, na Granja perceberam porque é "o sítio do mundo" de que Ramalho Ortigão mais gostava e confirmaram que a ilha do Baleal continua o oásis relatado por Raul Brandão. Já a Póvoa do Varzim mantém-se "coalhada de gente" como no final do século XIX, enquanto a praia de Algés desapareceu por entre obras de aterro e expansão urbana, tornando-se agora reduto de barcos abandonados e de braseiros improvisados em bidões.

Diferente está também a utilização da praia, que deixou de ser exclusiva dos ricos, medicinal e vivida mais nos casinos do que no areal. A "estratificação social no modo como se ocupa e utiliza a praia" mantém-se, principalmente nas praias de famílias como São Pedro de Moel ou São Martinho do Porto, mas já "não é tão marcada como a que o Ramalho Ortigão descreveu", afirma Pedro Adão e Silva. Com o 25 de Abril, Portugal democratizou o bem-estar, as férias na praia, a liberdade de expor o corpo. Bebe aí a escolha de uma canção de Chico Buarque para título do livro, embora remetendo sobretudo para a imensidão de mar e de praia que ainda há por explorar.

Por isso, apesar de reconhecerem existir uma "atracção pelo aglomerado" que faz com que as pessoas se encontrem e se viciem sempre nas mesmas praias, são os areais selvagens do Litoral Alentejano e Costa Vicentina que elegem como "o melhor de Portugal".

Aqui - onde já não chegam as descrições de Ramalho Ortigão - o lado de monumentalidade do mar exposto ao Atlântico alia-se ao calor do verão, num conjunto de praias "muito bonitas e preservadas". Se no Malhão, Pedro Adão e Silva viu as ondulações devolverem-lhe "recordações da adolescência" e "todo o imaginário associado a longas férias de verão", João Catarino encontrou na Costa Vicentina um "ambiente quase igual ao que era há 200 ou há dois mil anos atrás", com "ângulos em que não se vê uma casa, [antes] uma natureza muito exuberante".

A maior peripécia da viagem aconteceu na Mata dos Medos, perto de Sesimbra, onde ficaram atolados na areia. "Sem rede de telemóvel, com um calor, com a carrinha a fazer dois metros de meia em meia hora, com [a ajuda] dos tapetes, paus, tudo o que encontrámos", recorda João Catarino. "A maior aventura foi ao lado de casa" e acabou por servir de metáfora perfeita àquilo que queriam provar com a viagem: não é preciso ir para destinos exóticos com pacotes pré-comprados para ter umas férias de aventura.

"Se há coisa que eu gostava que resultasse da leitura do livro é a vontade de fazer esta viagem", revela Pedro Adão e Silva, recomendando o mês de Setembro, quando acabam as nortadas, e um período entre dez e quinze dias para explorar o litoral desconhecido e redescobrir as praias de sempre. "São umas férias que têm aventura, são muito económicas, muito reveladoras e que estão aqui ao lado. É só preciso quebrar essa fronteira mental que muitas vezes nos impede", garante.

Em jeito de incentivo terminam o livro com as dez praias, de Norte a Sul, "onde não pode deixar de mergulhar antes de morrer": Moledo (Viana do Castelo), Cabedelo (Viana do Castelo), São Pedro de Moel (Marinha Grande), Pedras Muitas (Peniche), Foz do Lizandro (Ericeira), Guincho (Cascais), Costa da Caparica (Almada), Malhão (Vila Nova de Mil Fontes), Odeceixe (Aljezur) e Barril (Tavira).

_
"Tanto Mar - À descoberta das melhores praias de Portugal", de Pedro Adão e Silva (texto) e João Catarino (ilustrações), é uma edição Clube do Autor. Tem 168 páginas e preço de capa de 16,50€

--%>