"Mesmo que não conheças nem o mês nem o lugar caminha para o mar pelo Verão". Guiados pelo conselho do poeta Ruy Belo, Pedro Adão e Silva, sociólogo e comentador político, e João Catarino, ilustrador, desbravaram a costa portuguesa numa carrinha "pão de forma" em busca das melhores praias do país, das idiossincrasias e das tradições que habitam o litoral.
Durante doze dias, entregaram-se à "utopia de serem escravos de prazeres inúteis", encontrando um país à beira-mar plantado que, apesar de pequeno, tem uma enorme diversidade de praias por (re)descobrir, que agora revelam com textos e ilustrações no livro "Tanto Mar".
Ao longo deste tempo, viveram o sonho da evasão sem destino ou compromissos, comeram sempre peixe e dormiram na praia, com o sol como despertador e o mar por horizonte. Atraídos pelo verão do sul, seguiram pelo litoral de Caminha a Vila Real de Santo António e sempre o mais junto à costa possível, ao ritmo lento da "auto-vivenda" amarela da Volkswagen, parando onde o corpo pedia - ora pela vontade de contemplar praias e vilas, dar um mergulho ou fazer surf, ora pela fome ou cansaço. "Acordávamos numa praia, estávamos ali um bocado, íamos a outra, almoçávamos noutra, depois seguíamos, ainda parávamos em mais duas ou três, jantávamos noutra", descreve Pedro Adão e Silva.
O objectivo, conta o comentador político e autor dos textos que percorrem o livro, era "descer integralmente e de seguida a costa e ver as praias todas sequencialmente", escrevendo e ilustrando em cada local. O percurso deu-lhes uma "percepção muito mais fina e precisa" da enorme diversidade e riqueza das praias portuguesas, encaixadas num litoral marcado por grandes descontinuidades e contrastes, quer pela ação do recorte da costa e dos ventos, quer pelo tipo de ocupação do areal e da zona envolvente.
A "longa planície quase desértica" que descobriram nas Dunas de São Jacinto contrasta com a malha urbana das praias do Porto e de Lisboa. Na Cortegaça viram como os pinheiros estão a cair sobre as dunas num cenário dramático mas "muito bonito", enquanto o pôr-do-sol que presenciaram em Odeceixe pareceu-lhes uma "exibição gratuita e coreografada de monumentalidade".
Já em Albufeira, os vultos de João Catarino pintaram-se do vermelho-lagosta dos ingleses e comeram fish&ships, enquanto na lota da Apúlia encontraram "o estereótipo da peixeira nortenha, malcriada, que apregoa [tantas] asneiras" que João foi incapaz de estar ao pé dela o tempo suficiente para retratá-la.
Inspirados numa viagem semelhante feita pelo ilustrador na EN2 e nas obras de Ramalho Ortigão ("As Praias de Portugal"), Orlando Ribeiro ("Portugal Mediterrâneo e Atlântico") e Raul Proença ("Guia de Portugal"), empreenderam uma odisseia arqueológica, procurando não apenas a memória milenar da natureza, das suas rochas e enseadas, como a história dos lugares e a forma como a praia é, e foi, vivida. "A praia é um óptimo observatório da memória geográfica, física e material, mas também das transformações sociais", defende Pedro Adão e Silva.