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    Uma das riquezas de Lisboa: os miradouros Rui Gaudêncio
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    Igreja de Santa Engrácia, Panteão Nacional Rui Gaudêncio

Viajantes do tempo à procura do que escondem as ruas de Lisboa

Por Catarina Durão Machado

Há cada vez mais lisboetas a descobrirem a história da sua cidade e mais empresas a liderarem o caminho. Acompanhámos um passeio de sábado pelas histórias de Alfama e arredores.

Dez horas em ponto. A Casa dos Bicos parece convidar um grupo de 12 pessoas a entrar, mas este não arreda pé dos degraus de entrada. Espera os passageiros atrasados para que o percurso se inicie. A tripulação está a postos, munida de mapas e de histórias, que transporta na mochila. Já estão todos. Bem-vindos a bordo. A viagem vai começar.

Raquel Policarpo e Inês Ribeiro, guias deste passeio e únicos elementos da tripulação, vestem t-shirts cor-de-laranja. É a cor que as caracteriza neste universo cada vez mais polvilhado de agências de animação turística em Lisboa. Pés e imaginação ao caminho, iniciam a viagem pela cidade medieval e quinhentista, que começa ali mesmo, no Campo das Cebolas, e terminará séculos à frente, no miradouro da Graça.

Têm ambas 28 anos e são arqueólogas de profissão. Tornaram-se empresárias há pouco tempo, quando inventaram o conceito Time Travellers, uma agência que se dedica "mais especificamente ao turismo histórico e arqueológico, dentro e fora de Lisboa", esclarece Inês Ribeiro.

Na capital, fazem sobretudo três percursos: o romano, o islâmico e o medieval, seguindo quase sempre um fio condutor arqueológico. Levam os seus clientes num trajecto durante o visitam o Núcleo Arqueológico da Rua dos Correeiros, o Museu do Teatro Romano, a Sé e o Castelo de São Jorge. São os locais mais emblemáticos para se conhecer melhor a cidade antiga, mas que estão, tantas vezes, escondidos dos olhos do lisboeta transeunte.

Mas hoje o caminho é outro e desvia-se do circuito convencional. A arqueologia vai estar mais escondida. São as estórias dos locais que vão pôr a imaginação dos viajantes a funcionar. Raquel e Inês vão falar de uma muralha que já mal existe: a muralha fernandina, cuja construção foi finalizada no reinado de D. Fernando, em 1376, e que servia de delimitação da cidade. "Graças à arqueologia têm-se descoberto novos vestígios da muralha", explica Inês aos seus viajantes. Esclarece ainda que foram descobertos tanques romanos de salga de peixe nas fundações da Casa dos Bicos, durante as obras mais recentes de que foi alvo o edifício.

Raquel, mais extrovertida, começa a motivar os participantes para a descoberta, mas falham-lhe as datas, para as quais, afirma, não tem tanta cabeça. Não se recorda do ano em que a Casa dos Bicos foi fundada, mas Inês completa o raciocínio: "Foi em 1523." De imediato, um dos participantes lança, com semblante carregado: "Em que mês?", mas logo expulsa uma pequena gargalhada que as tranquiliza. Afinal, o sentido de humor é algo que se quer nestas viagens.


Alfama recôndita

Uma planta quinhentista da cidade de Lisboa torna-se uma espécie de mapa do tesouro. Inês aponta com o dedo a muralha fernandina e indica o percurso que se vai realizar. O grupo segue, então, na direção de Alfama. O objectivo é conhecer os limites orientais da velha capital.

O primeiro desembarque faz-se no Chafariz d"el Rey, cuja história remonta à época de D. Dinis e termina com a reconstrução de Lisboa, após o terramoto. Fala-se de água, das regras rígidas de utilização das bicas do chafariz, no tempo em que ainda existiam escravos e Lisboa era um receptáculo de gentes vindas de todo o mundo. Observam-se e fotografam-se pormenores.

Alfama é o bairro a atravessar, mas as voltas tornam-se labirínticas a partir do momento em que se deixam para trás os caminhos mais conhecidos. Espreita-se um troço da muralha islâmica, anterior à fernandina, junto ao Chafariz do Poeta, como quem segue pela Rua da Judiaria para o interior do bairro. E, surpreendentemente, o grupo inverte de novo a marcha regressando à orla de Alfama.

Mais uma vez se descobrem histórias e recantos escondidos do lisboeta comum. O Largo das Alcaçarias surge, isolado e em silêncio, onde dois gatos se espreguiçam em cantos distintos do local. Raquel conta que foi em tempos um sítio para os nobres irem a banhos, até porque as águas das nascentes de Alfama eram conhecidas pelas suas propriedades curativas. Eram as chamadas alcaçarias, "uma espécie de spa daquela época", brinca Raquel. Uns metros mais à frente, no Largo do Chafariz de Dentro, o grupo volta a encontrar vestígios desse passado termal.

A partir daqui é sempre a subir. O grupo de viajantes depara-se com a Capela de Nossa Senhora dos Remédios, mandada construir por pescadores, em 1517. O portal é definitivamente manuelino. A capela tem uma lenda associada, segundo a qual terá sido encontrada uma imagem de Nossa Senhora dentro de um poço, ali instalado, cujas águas se tornaram milagrosas. O grupo ouve a explicação de Raquel, mas tem dificuldade na fotografia. Um automóvel está estacionado à porta da capela.

Prossegue-se viagem. A Igreja de Santo Estêvão surge, envergonhada, entre o casario de Alfama. Um pequeno miradouro serve de pausa para os viajantes, enquanto Inês se debruça sobre a história do local. As vistas de Lisboa para o Tejo são sempre surpreendentes, parecem dizer os olhos concentrados de alguns participantes que viram as costas à igreja. Chuvisca, mas ninguém dá importância. Ainda há muito trilho para completar.

Fôlego restabelecido, pés ao caminho. O grupo estranha os edifícios quinhentistas embaulados, nas vielas estreitas, e descobre histórias de palácios. Entra, por fim, em território da antiga jurisdição eclesiástica, pelo que Raquel aconselha, com humor: "Agora portem-se bem." Os pormenores pitorescos de uma Alfama mais recôndita surgem em catadupa e até a voz de Amália Rodrigues compõe o cenário, ecoando à janela de um rés-do-chão.


Estórias e lendas

O longo trilho desemboca, para surpresa de muitos participantes, na famosa Feira da Ladra, em plena manhã de sábado. Fervilha, lotada de pessoas com os olhos postos no chão. Entre o grupo, quase todo proveniente da Grande Lisboa, há quem nunca tenha visitado esta feira, cujas origens se perdem nos tempos medievais da cidade. "As senhoras, por favor, não se distraiam, depois de o passeio terminar, podem cá voltar", avisa Inês, cuja experiência lhe diz que os ouvidos se fecham às explicações quando os olhos procuram pechinchas.

Raquel delicia-se com as estórias da História de Lisboa. Desenrola ali mesmo, no jardim Botto-Machado, em plena Feira da Ladra, a lenda associada à Igreja de Santa Engrácia. Reza que um cristão-novo terá sido condenado à morte por um crime que não cometeu, corria o ano de 1631. O homem, julgado em auto-de-fé no terreiro onde se construía a Igreja de Santa Engrácia, terá lançado a maldição: "Tão cedo morrer inocente como as obras desta igreja nunca mais acabarem". Certo é que a igreja acabou por não ser construída, fruto de contratempos sucessivos. Hoje chama-se Panteão Nacional e a sua cúpula espreita, resplandecente, por cima de telhados, destacando-se na paisagem.

Os viajantes transpõem as portas da feira e alcançam a Igreja de São Vicente, que visitam por breves minutos. À saída, esticam as pernas, sentados na escadaria branca, enquanto observam um edifício de traça antiga. Raquel desfia a narrativa hollywoodescade um capitão de armada português que sobreviveu a múltiplos naufrágios e que terminou os seus dias num palácio junto ao Mosteiro de São Vicente. Aquele é o palácio. Num truque de ilusionismo colectivo, o capitão de armada vislumbra-se a espreitar a uma janela.

O périplo está quase no fim e requer um esforço adicional para subir a Rua Voz do Operário. É no miradouro da Graça que a viagem termina. Observa-se ao longe a parte ocidental da cidade, o restaurado Martim Moniz e um troço da muralha fernandina entre os novos apartamentos da EPUL. Sara, uma professora de 32 anos, viajante naquela manhã, agradece em nome do grupo: "Não é todos os dias que viajamos pela história da nossa própria cidade."

Com o som estridente dos sinos da Igreja da Graça, Raquel e Inês descansam, com os olhos postos em Lisboa. A sua viagem só agora começou.


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Viajar no tempo fora de Lisboa

A Time Travellers também estende a sua acção além-capital, explorando ruínas pré-históricas e romanas, castelos, palácios, mosteiros, locais de batalhas e centros históricos, um pouco por todo o país. E se o viajante tiver a ideia de fazer um percurso que não esteja disponível na página da Time Travellers, sempre poderá lançar o desafio às duas arqueólogas, que se encarregarão de pesquisar e preparar o roteiro proposto, através da modalidade "Faça a sua História". E quanto à logística, Inês Ribeiro tranquiliza: "Para as viagens de dois dias, o preço inclui transporte, alojamento, alimentação e entradas em monumentos. O cliente não tem de se preocupar com nada." O preço deste passeio por Lisboa, com a duração de 2h30, é de 15€ para os adultos e 5€ para as crianças até aos 12 anos. 

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