O meu prego é melhor que o teu
Deixamos o mar pelas costas e adentramo-nos nas Astúrias rumo à Galiza. Quase lá chegaremos e até a avistaremos mas, para já, é só a nossa direcção. Desta vez, o sol anda a brincar connosco às escondidas e, graças à variedade de microclimas proporcionados pela geografia asturiana, conforme cruzamos montanhas e vales (ora por estradas secundárias ora pela gigantesca, polémica e onerosa obra de engenharia que é a Autovía do Cantábrico, uma cadeia de auto-estradas que anda a ser desenvolvida há um quarto de século, repleta de viadutos assombrosos e ainda por terminar), tanto podemos receber um raio de sol como uma cortina cerrada de nevoeiro. Contingências que também obrigam a saltar planos mas que, no caso, nos levam a optar por aproximar-nos do fogo.
À aldeia de Mazonovo, na região dos Oscos, a “dois passos” da Galiza, com pouco mais de uma dezena de habitantes, chega-se como se viajássemos numa máquina do tempo. Pelo caminho de terra batida, avistamos as casas baixas de pedra com os característicos telhados de ardósia, o verdejante vale, o ribeiro que corre manso. E junto a este, em funcionamento secular, uma forja e seu moinho de água, com roda limosa a marcar o passo. É, na verdade, parte do Conjunto Etnográfico Mazonovo. Mas não é apenas museológico. “Aqui fazemos de tudo, peças artísticas, souvenirs, mas agora até nos pedem coisas mais utilitárias, como martelos ou enxadas.” O jovem César, de viajada ascendência galega, é hoje o imperador do fogo, nesta oficina sombreada onde as brasas vão iluminando a escuridão da pedra e o martelo a bater ferro é a banda sonora.
A frágua é do século XVIII e passou parte do século XX parada. Até chegar o austríaco Fritz e pôr tudo a funcionar novamente, nos anos 1990. Mas, neste dia, não coincidimos com o mestre, ficamos com um aprendiz que cumpre bem as honras da casa. Mãos marcadas a ferro e fogo, o jovem ferreiro conduz as operações e deixa-nos também experimentar (qualquer um pode fazê-lo: por dois euros mexe fogo, bate ferro e sai com um recuerdo). Avental de cabedal, martelo na mão, estamos prontos para bater até mais não. Entre chispas e marteladas, sai no final um prego artesanal com a cabeça marcada pela nossa força. E eis como por minutos fomos ferreiros.
A visita ao conjunto etnográfico pode ser complementado com passagem (ao lado, em Ferreirela de Baxo) pelo Museu Casa Natal Marquês de Sargadelos, nobre industrial do ferro e da cerâmica do século XVIII. Mas, logo acima da ferraria, há outra atracção. Parece igualmente velha de séculos mas é nova de um ano. É o restaurante L’ Augua, que assume contornos idílicos entre o restauro detalhado, a varanda em madeira, o interior imaculado e, dizem-nos, uma cozinha asturiana com gosto. “Outro jornalista?”, pergunta-me Joaquín. É que, coincidências, calhamos passar aqui no dia em que o jornal asturiano La Nueva España dedica uma página à sua história, apelativa para quem vê tanta aldeia deserta. É que o renascimento desta casa deve-se a mais um novo rural, Joaquín Fernández, um filho pródigo, nascido na região, que deixou para trás uma carreira na banca para milionários na Suíça, decidido a viver com o companheiro e os dois filhos adoptivos no coração da natureza. “Ao princípio foi difícil, não havia nem caminho, os materiais desciam como podiam pela encosta, os vizinhos olhavam com a desconfiança…” Mas conversando vai-se a todo o lado e espantam-se os medos. Agora é ver por ali os vizinhos sorridentes e o restaurante a bom ritmo.