Fugas - Viagens

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  • O livro de Tiago Salazar (com olhos de Cristina Branco)
    O livro de Tiago Salazar (com olhos de Cristina Branco) DR

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O fado do viajante tem sempre versos de amor e saudade


Na mesma noite
Disse-me um dia um beduíno

Estava aquém do princípio rigoroso expresso por Benvenuto Cellini onde se diz: um homem deve ter mais de quarenta anos e ter feito algo de excepcional antes de assentar, preto no branco, a história da sua vida. Um ano e seis meses seria o tempo exacto de recapitular com minúcia e obstinação as minhas recordações. O grande feito, esse, podia nunca vir, excepto se amar fosse matéria de peso. Aí, por uma vez, talvez houvesse redenção.  

O fundo da ravina abria-se como um harmónio. A perder de vista,  um rio seco guardado por montanhas, uma garganta amena, devolvia o eco de ventos antigos. Parado sob o teu olhar lancei-me numa fantasia erótica de dois amantes libertos da gravidade. Beijei-te então diante de todos os séculos, acima de qualquer abismo.

Um dia escreves isto numa pedra do Fish River.
«Unidos para além da vida e da morte. E é só.»
- Não há limites onde nós estamos, respondeste.
Tinha vida nas pernas para querer uma felicidade tranquila. Mas,  dizem, a felicidade é perigosa, breve, e sobre ela não se pode fundar um futuro. Estava disposto a contrariar os homens das grandes verdades. Só importa o amor que conhece os seus desertos, porque «um ser amado sem medida, dominado sem medida, rouba-nos um mais alto destino».


2007, 8 de Janeiro

Cristina disse, ainda na cama, deitada à etrusca.
«Fixamos um ponto no horizonte e caminhamos para lá. Com duas pessoas faz-se uma fortaleza.»
Respondi, um pouco mais tarde.
«Projecto de vida demora a instalar-se, demora a crescer.»
Textos de viagens: língua, símbolos, significados, origens.
E.g.Pangkor Laut, expoente do luxo moderno… com dois mil anos.


2 de Agosto
O objectivo da viagem não é ir para onde quer que seja. É ver  e viver. A Vida dá-nos o problema para entendermos a nossa natureza.

14 de Agosto
Há duas espécies de homens neste mundo: os que ficam em casa e os outros. A vida encarrega-se de recusar os sonhos, mas nós, os trota-mundos, tratamos de a corrigir.

A bordo de um Airbus a caminho de Amsterdão.
Sofro de «horror do domicílio», segundo a expressão primorosa de Charles Baudelaire. A grave doença do vício do vazio. Sair: o motor, um princípio vital. Não há como lhe escapar.


19 de Agosto
Pensamento vespertino
Sou budista de Inverno e nudista de Verão (segundo o avisado princípio de Joe Gould). O viajante vai de canteiro em canteiro, como quem afaga flores.

25 de Maio
Noites de Sarajevo
«O “nós” entre nós às vezes parece-me tão vago… parece que há sempre mundo pelo meio e eu estendo a mão e não te vejo… é o mundo que trazes atrás de ti e que, quando eu não estou à altura, tu espreitas e vagueias… é a tua necessidade de escapar do centro. Eu não te dou liberdade para passeares como e quando quiseres pelo mundo, de ver tudo? Porque o mundo é mais cor-de-rosa e risonho do que eu? Porquê?»

Ficaste com essas ideias gravadas no fundo dos tempos e não as largas. Não quero uma boneca. Tenho uma mulher que amo e cuido. Quando tu quiseres, olhas para ti e gostas do que vês. Eu gosto do que vejo. Gosto mais ainda do que sinto.

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