As medalhas acumulam-se nos armários e no quintal de 700 metros quadrados cultiva os alimentos que mete à boca e aos quais dá a maior importância. Construiu uma estufa e por ali nasce feijão, batatas, tomates, alfaces, praticamente todos os legumes que precisa para manter o corpo em máxima forma. Saudável da cabeça aos pés. Tem também animais. “Patos, frangos, coelhos, tudo criado em casa”. Carlos Sá sabe que os ovos têm outras proteínas quando as galinhas têm liberdade para esgravatar na terra. Prefere tudo ao natural. “São pequenos grandes pormenores”, diz o atleta que conhece bem o seu corpo e sabe do que precisa para aguentar horas e horas a correr e para cortar fitas de metas.
Em Julho deste ano, o atleta de Barcelos entrou para a história do desporto mundial. Venceu a Badwater, no Vale da Morte, nos Estados Unidos, considerada uma das corridas mais duras do mundo, equivalente a cinco maratonas sem intervalos. A imprensa norte-americana deu-lhe o merecido destaque, os medias europeus também e os posts que ia colocando no Facebook eram visualizados por mais de 180 mil pessoas. O telemóvel não parou de tocar e à porta do avião, no regresso a Portugal, ainda atendia chamadas de jornalistas. Foi recebido em clima festa no aeroporto do Porto. Trazia uma medalha de 15 dólares que confirmava uma vitória que ficará para a história do país e do mundo. No seu regresso a casa houve festa rija em Vilar do Monte.
Foi o primeiro português a participar e o primeiro a ganhar numa estreia que lhe deixou um sorriso sincero no rosto. Foi duro, mas a 70 quilómetros de terminar a prova, o ultramaratonista português acreditou que seria possível chegar em primeiro lugar. Estavam inscritos 98 atletas de 22 países. “É uma prova de grande resistência psicológica, os músculos ficam no limite”. O auto-controlo do atleta é fundamental. “Conheço bem o meu corpo, acima das 150 pulsações começo a entrar em esforço”. Na Badwater, depois de 15 horas a correr, o coração batia a 135 pulsações. Partiu com o mexicano que tinha vencido a edição anterior. Nada melhor do que perceber os passos do vencedor mais recente. Correram lado a lado alguns quilómetros, mas o mexicano acabaria por não aguentar o ritmo do português, aconselhando-o a ir em frente.
Na prova estava um atleta brasileiro que muitos reconheciam como forte candidato ao título e que arrancou com vontade. Carlos Sá não deu importância ao favoritismo e acabou por ultrapassá-lo a 15 quilómetros por hora. A meta aproximava-se e chegava-lhe a indicação que atrás de si, a 12 minutos, vinha um australiano bastante fresco. O ultramaratonista português decidiu manter o ritmo e não arriscar aumentar a velocidade sob o risco de o corpo ceder. Mesmo a correr com velocidades altíssimas, mais de 50.º graus, que lhe derreteram o chip de identificação, manteve a calma e acabou por vencer. O australiano ficou em segundo e o mexicano, o primeiro companheiro de viagem, em terceiro.
Carlos Sá tinha metido na cabeça que queria participar na Badwater, mesmo faltando alguns pequenos requisitos num currículo tão preenchido. Enviou um email para o organizador da prova com uma grande dose de confiança que poderia funcionar ou não. Escreveu que queria participar na ultramaratona e que acreditava que podia vencer.