A inscrição foi validada. Seguiu-se outra fase. Reunir apoios, formar uma equipa. Não foi fácil. A um mês de partir, faltavam coisas importantes. Formou uma pequena equipa de quatro pessoas, médico incluído, para o acompanhar e conseguiu patrocínios. Chegou aos Estados Unidos com vontade de confirmar o que tinha escrito no email. “Arranjámos uma carrinha de apoio, de sete lugares, que pouco depois de arrancar começou a acender as luzes”, recorda.
A viatura aguentou-se, Carlos também com apenas cinco paragens nos 270 quilómetros — quatro para urinar e uma para confortar o estômago com mais calma, num abrir e fechar de olhos, 30 segundos no máximo. O tempo custou a passar e as elevadas temperaturas distorciam-lhe a paisagem que lhe parecia sempre igual. “Ao fim de quatro, cinco horas, parecia que estava no mesmo sítio. Ao fundo, via uma linha preta. Não há ambiente mais hostil para testar limites”.
O corpo preparado com antecedência tentava cumprir as ordens do cérebro. A cabeça em muitas outras coisas, também em Barcelos, em Vilar do Monte, no filho de 14 anos, na filha de oito. “A família é a base de tudo isto”, garante. Nessa corrida, perdeu seis quilos. “Uma corrida é quase como um período da nossa vida”, diz. Para o ano, lá estará outra vez. “Nem que esteja manquinho, mas estarei na linha de partida”, brinca.
É um homem da aldeia. Nas ruas de Barcelos há poucos que não o conhecem e muitos que ficam sentidos se o atleta não pára para um cumprimento mão na mão e dois dedos de conversa. Marca o nosso encontro no coração de Barcelos, perto da igreja e a dois passos do extenso parque de estacionamento que às quintas-feiras se transforma numa das maiores feiras do país. Fato de treino vestido, calções por baixo, sapatilhas calçadas, mochila às costas com o computador onde guarda parte da vida. Chega à hora marcada.
Na terra onde nasceu e vive, gostaria que houvesse mais condições para a prática do desporto. Sabe do que fala. O rio Cávado segue a sua vida ali perto e o atleta lembra-se quando aquelas águas apareciam tingidas de cores garridas que denunciavam as escolhas das fábricas têxteis que palpitavam ao redor. Hoje gostaria que a zona ribeirinha de Barcelos fosse reabilitada e tivesse um visual mais atractivo para quem gosta de mexer o corpo. “É um cenário fantástico”, comenta, enquanto olha para o rio e sugere que mais adiante ficaria bem uma ponte que ligasse as duas margens.
Obstinado, persistente, focado, disciplinado, calmo, sereno, Carlos Sá sabe o caminho para chegar onde quer. Há uma palavra que gosta de substituir no seu vocabulário. “Não gosto de chamar provas, mas sim desafios”. Treina todos os dias, sobretudo na serra do Gerês e na serra D´Arga. “Temos de estar focados. Torna-se muito difícil passar 200 vezes no mesmo sítio e à mesma hora”. Continua apaixonado pelo atletismo, pelo alpinismo e outros desportos outdoor. Tem uma motivação: “Ando em busca dos meus limites, mas felizmente ainda não os encontrei”. E garante que não há uma fórmula infalível para partilhar. “Não existe um comprimido milagroso, o comprimido está na nossa cabeça”.
O atleta é saudado do outro lado da rua, ali bem perto do centro de Barcelos. Não adia o cumprimento, olhos nos olhos, mão na mão. “Vão andando que eu já vos apanho”, diz-nos. E nós sorrimos.