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  • Enric Vives-Rubio
  • Montemoro- Novo retratado por José Miguel Ribeiro
    Montemoro- Novo retratado por José Miguel Ribeiro
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A Montemor-o-Novo de José Miguel Ribeiro

“A grande disponibilidade e curiosidade” que os habitantes desta terra têm pelas coisas da cultura decorre — explica o realizador — de uma prática lançada pela autarquia local logo a seguir ao 25 de Abril de 1974, com a criação, numa das salas do Teatro Municipal Curvo Semedo (poeta local do movimento Nova Arcádia, criado no final do século XVIII, e que integrou também Bocage), de uma oficina de criação artística para crianças. Esta oficina continua hoje a existir, no mesmo espaço, e a sua história “foi já um caso estudado na Europa”, diz Ribeiro. “Vale a pena ver as exposições; muita gente não percebe se são trabalhos de crianças ou de artistas adultos”, nota o animador, comparando este trabalho com as ofi cinas que a Gulbenkian dinamizou em tempos em Lisboa, “numa interligação entre o espaço crítico e a liberdade de expressão, e em que o acompanhamento é feito de uma forma muito inteligente e muito livre por pessoas que deixam as crianças exprimir-se livremente”.

Esse espírito de formação e essa prática aberta à criação inventiva, José Miguel Ribeiro propõe-se mantê- las no seu Praça Filmes, que ocupa, na frente exterior do mercado, uma fracção contígua à que já foi habitada pela livraria Fonte de Letras, que este ano se mudou para Évora.

“Para uma livraria, entende-se que aqui não haja o mercado de leitores suficiente, mas há coisas a acontecer em Montemor-o-Novo com uma dimensão e uma força que levam gente a dizer que esta cidade abafou Évora a nível cultural”, diz o realizador, realçando a atenção que a autarquia continua a dar à cultura. “Bastava que um décimo do que é dispensado em Montemor-o-Novo à cultura fosse dado a nível nacional, que a situação do país seria completamente diferente”, garante. 

Será, de resto, aqui que José Miguel Ribeiro espera poder avançar com o seu próximo projecto, Estilhaços, uma curta-metragem sobre o stress pós-traumático dos combatentes na Guerra Colonial. O facto de o seu pai ter sido combatente não é estranho a este projecto, para o qual, e pela primeira vez, escreveu o argumento e de que será também o realizador. “São três gerações de jovens que combateram na Guerra Colonial e que quando regressaram, principalmente depois do 25 de Abril [de 1974], encontraram um Portugal completamente diferente, e onde a guerra era um tema desconfortável e tabu”. Ribeiro traça um paralelismo com o trabalho que, por exemplo, o cinema americano fez com a Guerra do Vietname, tópico de que sempre se falou muito e que depressa se tornou tema de fi lmes. “Em Portugal, isso não aconteceu, e os nossos soldados vieram com stress pós-traumático, uma doença crónica que provoca consequências graves na vida das pessoas”, diz Ribeiro, que para a preparação deste projecto tem trabalhado com a associação Apoiar. 

Lá mais para a frente, o realizador pensa aventurar-se numa outra viagem: uma longa-metragem de animação e imagem real a partir de uma peça de teatro de Mia Couto e José Eduardo Agualusa, Caixa Preta. “É uma coisa que está a nascer”, diz. E Montemor-o-Novo parece ser uma boa terra para José Miguel Ribeiro concretizar os seus projectos.

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