Quando, há cerca de uma década, José Miguel Ribeiro (n. Amadora, 1966) saiu de Lisboa em direcção a Évora “à procura de um novo rumo” para a sua vida, Montemor-o-Novo surgiu-lhe apenas como um topónimo nas placas de saída da auto-estrada. Na capital do Alentejo, foi surpreendido com o elevado preço dos aluguéis que lhe pediam para espaços onde imaginava poder continuar a sua carreira no cinema de animação, e também a sua vida.
No regresso a Lisboa, decidiu experimentar a velha estrada nacional e parar pelo caminho: entrou em Montemor-o-Novo, e acabou por ficar por lá. “Apontei para Évora, mas fiquei a meio caminho”, diz.
Presentemente, o realizador de A Suspeita (1999), o único fi lme português a vencer o Cartoon d’Or/Prémio Europeu do Cinema de Animação, está de pedra e cal nesta cidade do Alto Alentejo. Instalou uma produtora — a Praça Filmes — no mercado da cidade, vive numa casa arrendada na Herdade do Freixo do Meio (ver Fugas de 23 de Novembro último), a uma dúzia de quilómetros de distância, e já se sente um alentejano, algo que é facilitado pelo código genético, já que os pais são originários desta região.
“Cada vez gosto menos de sair de Montemor; gostava de poder viver mais cá, usufruir da cidade, da casa onde habito e do espaço do Alentejo, que me dá a tranquilidade de que preciso em contraposição com a inquietação da criação”, confessa o animador e professor.
A vida profissional e artística é que não lhe permite, por agora, a satisfação plena dessa ambição. O trabalho de professor dividido entre o Instituto Politécnico de Portalegre e a Universidade Lusófona em Lisboa — “é o meu ganha-pão, é com esse dinheiro que pago a minha casa e ajudo as minhas duas fi lhas”, salienta —, o cargo de presidente da Casa da Animação, com sede no Porto, e as sucessivas viagens que a animação o obriga a fazer ao estrangeiro para participar em cursos, workshops ou festivais, fazem de José Miguel Ribeiro um viajante permanente.
Viagem a Cabo Verde
Mas, às vezes, há viagens que surgem por outras motivações. Aconteceu assim com a sua Viagem a Cabo Verde. É o título da sua última curta-metragem, terminada em 2010, mas, antes de se transformar num fi lme, foi uma aventura pessoal intensa e única. “Aquela foi outra viagem, não voltei a fazer nenhuma igual, mesmo se todas as semanas penso voltar a fazê-lo.”
Depois de terminar Passeio de Domingo (2008), um filme de animação de volumes sobre um domingo de lazer de uma típica família portuguesa, José Miguel Ribeiro achou que chegara o momento de experimentar uma viagem diferente de todas as que tinha realizado até ao momento, “sem antecipar o dia seguinte”. Seria tanto uma viagem física como interior. Pegou nas botas, na mochila e no seu inseparável caderno de desenhos e rumou a Cabo Verde. Durante dois meses, percorreu seis ilhas do arquipélago, conheceu os seus habitantes, fez amigos, viveu o quotidiano deles… e desenhou.
“A experiência de Cabo Verde foi uma viagem em que me disponibilizei para a aventura, para prescindir das coisas da vida comum de todos os dias”, recorda o realizador, que quis correr o risco de se colocar “em situações em que deixava de controlar as coisas”, aceitando “aquilo que é uma espécie de destino”.