De planta em planta
O nosso destino é a caverna Aroe Jari, na Fazenda Água Fria, a 46 quilómetros da Chapada. Jô tem esperança de no caminho vermos animais, mas o que vemos é, na terra molhada, sinais de que eles acabaram de passar há pouco — a nossa guia distingue cada pegada, e vai identificando — e aqui e ali uma saltitante seriema. Chegamos por fim ao pequeno bar de apoio ao nosso percurso, onde pomos as perneiras de pele, indispensáveis para andar pelo meio do cerrado, para nos proteger de cobras e outros animais indesejados. Devidamente equipados, seguimos Jô, que vai lançando gritos para chamar as araras.
O sol já começa a aparecer e percebemos o que Jô quis dizer quando falou do calor que vai ficar. “O cerrado da Chapada tem o maior número de plantas medicinais por metro quadrado do mundo”, diz a nossa guia, enquanto nos vai mostrando. “Este é o douradão, que desmancha pedra nos rins, aqui é a arnica, muito boa para hemorragias internas, esta é a mangaba, uma fruta do cerrado que só deve ser consumida madura, e ali o cajuzinho do cerrado, um caju mais pequeno, aqui tem muruci, fruta muito boa para chupar.” Paramos numa rocha com pequenas reentrâncias redondinhas. “Há 350 milhões de anos a Chapada foi mar, aqui seria um recife de corais.”
E assim, de fruta em fruta, de planta em planta, chegamos a um dos pontos mais bonitos do passeio, a Ponte de Pedra, “a maior do estado e talvez do Brasil”, local sagrado indígena. Percorremos a ponte de pedra até ao final (visto de cima parece que andamos sobre o dorso de um dragão) e abarcamos com a vista toda a região. Lá em baixo, no meio da vegetação, está tudo silencioso. “Quando há bicho grande, sobretudo onça, nenhum outro fala.”
Seguimos viagem, ainda pelo cerrado. Passamos pelo sabugueiro, “que é remédio para o dengue, em banho ou chá”, pela fruta de veado, pequena e doce, boa para comer, pelo pequi, muito utilizado aqui em alguns pratos, pela folha negra Mina, que ganhou o seu nome por causa das escravas negras que vinham do porto de Mina, em África, e que é usada na cosmética e boa para curar sinusite.
E de repente, sem aviso, a paisagem muda, e entramos na mata ciliar. “As árvores do cerrado são retorcidas e baixas, e têm uma raiz que pode ser cinco vezes maior do que elas”, explica Jô. Já aqui, na mata ciliar, as árvores são muito altas, a vegetação é intensamente verde, a humidade é muito superior. Atravessamos frágeis pontes de madeira sentindo-nos versões amazónicas do Indiana Jones. E encontramos coisas que não veríamos no cerrado, como um jatobá, árvore enorme — “são precisas três pessoas para a abraçar” —, e mais à frente uma colmeia de abelhas borá, sem ferrão (não se pense, por isso, que são menos perigosas, porque mordem), e depois uma caninha do brejo, boa para inflamações e para os rins. Um fruto meio comido no chão é sinal de que passou por ali uma cutia, mamífero roedor.
Já saímos da mata ciliar e entrámos novamente no cerrado. De repente, Jô avisa para termos cuidado. Olhamos para o chão e há um monte de formigas em grande actividade. “Muito cuidado, são formigas lava-pé, sobem pelas pernas acima e picam”. Mais à frente, outro perigo, uma palmeira com espinhos, o tucum. “Entra na corrente sanguínea, atenção.”