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  • O Aqueduto de Pegões, em Tomar, edificado para abastecer de água o Convento de Cristo
    O Aqueduto de Pegões, em Tomar, edificado para abastecer de água o Convento de Cristo Renato Cruz Santos
  • Aqueduto de Pegões, Tomar
    Aqueduto de Pegões, Tomar Renato Cruz Santos
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    Elvas Daniel Rocha
  • Elvas
    Elvas Daniel Rocha
  • Óbidos, o chamado Aqueduto da Usseira
    Óbidos, o chamado Aqueduto da Usseira Renato Cruz Santos
  • Óbidos, o chamado Aqueduto da Usseira
    Óbidos, o chamado Aqueduto da Usseira Renato Cruz Santos
  • Lisboa, Aqueduto das Águas Livres
    Lisboa, Aqueduto das Águas Livres Renato Cruz Santos
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    Lisboa, Aqueduto das Águas Livres Renato Cruz Santos
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    Lisboa, Aqueduto das Águas Livres Renato Cruz Santos
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    Lisboa, Aqueduto das Águas Livres Renato Cruz Santos
  • Lisboa, Aqueduto das Águas Livres
    Lisboa, Aqueduto das Águas Livres Enric Vives-Rubio
  • Coimbra e os seus “arcos”
    Coimbra e os seus “arcos” Nelson Garrido

Por Portugal, seguindo os monumentais aquedutos da História

Por Andreia Marques Pereira

Algumas dezenas de aquedutos chegaram até aos nossos dias, embora nem todos com a mesma projecção. De Lisboa a Coimbra, de Vila do Conde a Tomar, por Óbidos e pelo Alentejo, uma rota monumental.

Portugal, país de aquedutos | Lisboa vista de um aqueduto


“Há hoje aquedutos que quase não têm uma expressão de monumentalidade mas têm uma expressão de serventia, de funcionalidade”, explica Pedro Inácio. Muitos foram construídos para fins agrícolas e povoam um pouco toda a paisagem portuguesa: quando deixaram de ser utilizados foram-se mutilando e hoje são ruínas.

Não se sabe, porém, é o número dos que não chegaram até nós. Em Beja houve um aqueduto semelhante ao de Évora, mas não há vestígios dele. “Terá havido alguma catástrofe natural ou talvez tenha deixado de estar em funcionamento por qualquer motivo”, aventa Pedro Inácio. E deixando de ter utilidade, caem em desuso e é possível que sejam desmantelados. Em Lisboa não está colocada de parte a existência de um aqueduto romano que começaria exactamente nas nascentes do aqueduto das Águas Livre. “Existe uma barragem romana, a barragem de Olissipo, e tudo leva a crer que esta armazenaria água e depois teria um aqueduto”, afirma Pedro Inácio.

No seu livro Aquedutos de Portugal, Pedro Inácio revisitou 22 exemplares. “Há mais e se calhar muitos mais. Quando entrei para este projecto foi para evidenciar os mais emblemáticos.” Não é um “trabalho de investigação puro e duro, é mais de um curioso”, assume — um curioso com mestrado em Museologia e Património, há muitos anos ligados à EPAL, onde já foi director do Museu da Água, e com um interesse profundo pela fotografia. “Interessei-me inicialmente pela temática da água, pela plástica da água, a brotar, a nascer, iluminada, depois interessei-me por este património.” As fotografias do livro são dele e já estiveram em várias exposições — no país e estrangeiro (próxima paragem: Boston). Se para o livro Pedro Inácio seleccionou 22 aquedutos emblemáticos em todo o país (incluindo Açores) “no sentido da monumentalidade” — embora também “sejam os mais representativos”, uma vez que estão ligados a “grandes cidades portuguesas” —, para a Fugas destacou oito “incontornáveis”, incluindo o aqueduto das Águas Livres.

Vila do Conde

Levou séculos a sair do papel e poucos anos a crescer em pedra. Quando foi fundado o Mosteiro de Santa Clara, em 1318, foi desde logo reivindicado o seu abastecimento de água mas passaram quase quatro séculos até que esta chegasse finalmente aos seus claustros. Na verdade, apenas no final de Quinhentos foram apresentados os primeiros projectos, provavelmente da autoria do arquitecto Filipe Terzi. Por motivos desconhecidos, não foi, porém, dado andamento ao projecto, que haveria de ser retomado em 1628, depois da compra da Fonte do Pinheiro. Novamente os planos foram abandonados e apenas em 1705 arrancaram definitivamente os trabalhos: em 1714 a água chega pela primeira vez ao convento. Atravessa cinco quilómetros (desde Beiriz) sobre 999 arcos de volta perfeita, e foi construído em tempo recorde e a baixo custo graças à abundante matéria-prima e mão-de-obra (bons pedreiros e mestres de cantaria) existentes na região.

São Sebastião, Coimbra

Faz parte da malha urbana de Coimbra o aqueduto de São Sebastião, cuja arcaria acompanha a frente do jardim botânico da cidade mesmo ao lado da universidade. O que não se pode imaginar olhando agora o cenário é a dificuldade que foi concretizar o projecto de levar água à parte alta da cidade. Foi D. Sebastião quem, a “serviço de Deus, dele e bem do povo”, ordenou a sua construção (1568), levada a cabo por Filipe Terzi a partir de um aqueduto romano já existente. Os problemas surgiram porque a água era captada em terrenos próximos à Quinta de Santa Cruz, que sempre havia utilizado estes mananciais para seu uso exclusivo. Os cónegos Crúzios que aí viviam e boicotaram a obra, reivindicando os seus direitos sobre as águas. A intervenção do rei levou à cedência; contudo, conta-se que os cónegos, descontentes com a decisão, entulharam as valas por onde passaria a água. O aqueduto foi concluído em 1570 e também é conhecido pelos “arcos”.

Pegões Altos, Tomar

Diz-se que a inspiração terá vindo do aqueduto romano de Segóvia e foi construído para abastecer de água o Convento de Cristo. Para tal, a água era captada em Pegões, nos vales do Pote e da Pipa e na Mata Nacional dos Sete Montes, cruzando montes e vales, numa extensão de seis quilómetros, até chegar à fonte do claustro principal e ao lavabo do dormitório. A obra foi encomendada por Filipe I a FilipeTerzi e em Pegões apresenta-se no seu máximo esplendor. Desenhando um desvio, o aqueduto cresce em altura (até aos 30 metros) até se ver com duas ordens de arcaria — a inferior ogival, a superior de volta perfeita — em elegante simetria que percorre campos e matos. Também na travessia de Pegões é possível subir ao aqueduto, através de uma das casas abobadadas que pontuam as extremidades: descarnada, grafitada, a casa terá servido para decantar a água que depois seguia pelo encanamento.

Amoreira, Elvas

Atravessa o vale de São Francisco ao longo de 1113 metros, ergue-se até 31 metros em quatro ordens de arcaria apoiada em contrafortes circulares: mesmo sendo Elvas, mesmo tendo a fortaleza seiscentista a espreitar, é impossível ficar indiferente ao aqueduto das Amoreiras. A sua construção foi iniciada em 1529 para trazer água das nascentes da Amoreira até uma praça-forte que possuía então apenas um poço. O seu trajecto difícil (quase 8km) ditou diversas interrupções na obra, que acabou com uma arcaria muito irregular (para responder à força dos ventos) e uma variedade inesperada de estilos arquitectónicos. Afinal, quase cem anos foram precisos para erguer o aqueduto, que começou com 371 arcos e recebeu em intervenções posteriores mais 462 — num total de 843 arcos.

Água de Prata, Évora

A sua inauguração foi marcada pela pompa e circunstância que se esperaria num dos locais preferidos da família real: estiveram presentes os reis, a corte e a poderosa nobreza de Évora. Corria o ano de 1537 e em torno de um chafariz junto ao arco romano da Praça do Giraldo reuniram-se as principais personalidades da sociedade para ver chegar a água à cidade. Sete anos antes, D. João III havia encomendado a Francisco de Arruda um projecto para levar água até Évora – com o projecto veio uma sugestão: trazer a água da Nossa Senhora da Graça do Divor, onde existiam mananciais ricos. Os trabalhos começaram em 1531 e criaram uma arcaria de cerca de 18 quilómetros até aos muros da cidade — ainda hoje é junto à muralha, no seguimento da Rua do Cano, que o aqueduto se exibe mais notavelmente.

Serpa

É iniludível na silhueta de Serpa: a coroar a cidade, a muralha do castelo com uma inusitada presença — pilares que terminam em arcadas de volta perfeita assentes na própria muralha e a sustentar o “cano”. O aqueduto de Serpa é invulgar na paisagem portuguesa e não é apenas por este capricho arquitectónico: foi construído para abastecer uma casa privada. Não uma casa qualquer, claro, o palácio dos condes de Ficalho, uma das mais poderosas famílias do Alentejo à época, que está integrado num dos panos da muralha do castelo. A sua construção data do final do século XVII e 19 arcos ligam a nascente a um tanque no jardim do palácio que tem tanto de decorativo como funcional — recebia 16 mil litros de água, despejadas de uma altura de 12 metros. A água captada na nascente era elevada por uma nora que está adossada à muralha.

Usseira, Óbidos

De Usseira a Óbidos são seis quilómetros de caminho, pelo menos se seguirmos o percurso do aqueduto (para acompanhá-lo temos apenas três quilómetros, já que os outros três são subterrâneos) mandado construir — e custeado — por Catarina da Áustria, mulher de D. João III e senhora da vila. Não o fez apenas por generosidade — em troca recebeu as terras e rendas da Várzea do Mocharro — mas veio colmatar problemas crónicos de abastecimento de água em Óbidos, servida por um único poço até à construção do aqueduto. Este chega a Óbidos pelo lado sul, ladeado por um vasto parque de estacionamento de terra batida e campos, em arcaria de alvenaria que desenha arcos perfeitos, e a água derramava-se, originalmente, no chafariz monumental da Praça de Santa Maria.

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