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Lisboa vista de um aqueduto

Por Andreia Marques Pereira

Chamam-lhe o "maior ex-líbris de Lisboa" e não é em vão. A cidade vista do Aqueduto das Águas livres, aberto a visitas de Março a Novembro.

Portugal, o país dos aquedutos | Por Portugal, seguindo os monumentais aquedutos da História

No princípio há um jardim; no final um parque florestal. Por vezes, as pessoas saem do jardim e acabam a entrar no parque — já aconteceu depararem-se aí com a libertação de aves nocturnas. Esta é, porém, uma situação excepcional (na “Noite Longa dos Museus”) porque normalmente o que se encontra no fim do percurso é um portão fechado. É o percurso que conta — 941 metros, o arco ogival em pedra mais alto do mundo (65 metros) e histórias antigas que incluem a sobrevivência a um terramoto devastador e até um assassino em série. Um passeio pela história com vistas eclécticas de Lisboa — é o que oferece o Aqueduto das Águas Livres no seu troço sobre o Vale de Alcântara, que une Campolide a Monsanto.

A entrada faz-se em Campolide, por entre um emaranhado de prédios e estacionamentos caóticos. Tudo fica logo para trás quando se entra no pequeno jardim murado — um pequeno chafariz, água fresca, é a única presença aquífera. Na verdade, quase nos esquecemos que é pela água que estamos aqui: afinal, este gigante que agora olha sobranceiramente uma encruzilhada rodoviária (e avista outra ferroviária) só existe porque um dia foi necessário trazê-la de Belas para Lisboa.

Agora vemo-lo como o monumento que na realidade é — está classificado como Monumento Nacional. Esta foi, contudo, uma classificação hesitante: primeiro, em 1910, foi classificado no Vale de Alcântara, depois no Reservatório da Mãe de Água das Amoreiras, depois no chafariz da Esperança, “um dos mais requintados da cidade”, nota Pedro Inácio. Apenas em 2001 foi considerado monumento nacional na sua totalidade. “E veja-se que o aqueduto de Lisboa tem a particularidade de ter 58 quilómetros de extensão, considerando o aqueduto central (14 quilómetros) e os ramais que foram sendo construídos para aumentar o caudal e, em Lisboa, as galerias que faziam a distribuição de água pela cidade, alimentando uma série de chafarizes monumentais.”

Não é comum a visita que o Aqueduto das Águas Livres proporciona: dois passeios pedonais permitem percorrê-lo nesta travessia sobre o Vale de Alcântara, o seu troço mais visível e imponente, erguendo-se no topo de 21 arcos de volta perfeita e 14 arcos centrais em ogiva, uma opção para vencer a altura deste troço (no total, o aqueduto conta com 127 arcos).

Do lado Norte, por onde entramos, olha-se o que Pedro Inácio chama de “Lisboa rejuvenescida” — Campolide e Benfica, prédios antigos e outros a reluzir de novo; do lado Sul, Alcântara, Monsanto, uma nesga da ponte 25 de Abril e até o Cristo-Rei além Tejo: para nascente estão as Amoreiras. Nós seguimos para poente em modo contra-natura — em direcção a Monsanto, a montante.

Aos nossos pés a Calçada dos Mestres, na outra “margem”, o Bairro da Liberdade; ao lado o Bairro da Serafina e nós a olhar alguns dos milhares de carros que todos os dias cruzam a arcaria do Vale de Alcântara escutando a história do “assassino do aqueduto”, que recentemente foi tema de um romance. Diogo Alves, galego, tornou-se parte da memória colectiva do século XIX, depois de ter aterrorizado Lisboa na segunda metade da década de 1830. O que no início se pensou ser uma série inexplicável de suicídios viria a revelar-se ser obra de Diogo Alves (e da sua quadrilha): este escondia-se estrategicamente pela zona, assaltava os transeuntes e livrava-se destes atirando-os do cimo do aqueduto. Tão má fama alcançou o aqueduto que os seus passeios estiveram fechados durante várias décadas, mesmo depois do julgamento — e enforcamento — do assassino.

Hoje passeamos entre a sombra e o sol, os dois lados deste aqueduto dividido pela galeria onde outrora correu a água em duas caleiras (num total de 1300 m3 diários no início), entre as quais existe um passeio central que servia para a manutenção (com intromissões de colunas de betão do século XX) — neste, foi instalada uma conduta que apenas foi retirada este século, ainda que o aqueduto tenha sido desactivado em 1968, mais de 200 anos após a sua inauguração, em 1748.

Projectado por Manuel da Maia, nestes mais de dois séculos e meio de vida o Aqueduto das Águas Livres resistiu ao terramoto de 1755 quase incólume — terão caído alguns lanternins, o que explicaria a diferença entre eles (nos telhados, sobretudo alguns de duas faces outros de quatro); e à abertura das várias vias que agora atravessam os seus pegões. No chão, distinguem-se quadrados, rectângulos, cruzes que são as “assinaturas” dos autores das diferentes fracções — uma empreitada destas dimensões envolveu muitas pessoas.

O aqueduto segue para além da arcaria monumental do Vale de Alcântara, uma imagem que por si só constitui um dos ex-líbris da cidade. O seu final é no Reservatório da Mãe d’ Água das Amoreiras, edifício sóbrio mas majestoso, à vista do arco triunfal que assinalou a chegada da água a Lisboa (ambos projectos do arquitecto húngaro Carlos Mardel).

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