Fugas - Viagens

Ano Grande Brasil

Série Especial 24º Aniversário do Público

O Rio de Janeiro visto por Pierre Aderne

Pedimos ao músico brasileiro, radicado em Lisboa desde 2011, que elegesse os seus lugares favoritos no Rio de Janeiro. A escolha vai da lagoa Rodrigo de Freitas aos mais apetecíveis botecos da cidade.

Dois anos depois de ter deixado a Portela do samba e pousado na Portela aos pés Tejo, percebo que a saudade é o que mais pesa na bagagem, por isso guardo-a como um presente para o futuro, numa caixa bem bonita. Sou um Carioca de Ipanema, que cresceu banhado pelas águas de Março de Tom Jobim, pela voz mansa de João Gilberto, pelos pontos de candomblé e pelos bichos da mata de Lygia Clark. Quando fecho os olhos e penso no Rio, me transporto para os últimos sítios e terreiros de um Rio ainda não globalizado, que inclusive levou-me a pensar no meu próximo documentário, que filmarei por lá até o fim do ano: Suco, Barraca, Boteco, e que também serviu de inspiração para a construção do meu novo álbum, Caboclo, a ser lançado em breve. Estas são as minhas ilhas virgens dentro do meu Rio de mar. Meus dias no Rio, ainda hoje cumprem essa rotina, quase sempre nessa ordem.

1. Lagoa Rodrigo de Freitas

A lagoa talvez seja dos lugares mais belos do Rio. Sair do túnel Rebouças e encontrá-la é das poucas cenas a que meu coração frágil de saudade não consegue se acostumar. Lembro-me de ouvir um amigo de Tom Jobim contar-me que, certa vez, o maestro da bossa nova – na altura que já não estava bem de saúde em Nova Iorque – pediu para voltar urgente ao Rio. No dia seguinte, após convencer a família e os médicos pela viagem, pousa no Galeão e ainda dentro do carro, ao chegar na Lagoa, pede ao motorista para que pare o carro no meio da rua. Então abre a janela às lágrimas e diz: “Agora já posso partir tranquilo.” Gosto de acordar em Ipanema, caminhar ou remar em um caiaque, vendo a cordilheira de montanhas ao seu redor – da Pedra da Gávea ao Cristo Redentor – e depois parar em um quiosque, beber uma água de coco ( R$5.00, cerca de 1,6 euros) e ficar vendo o brilho da luz de Outono em seu espelho d’água.

2. Vista Chinesa

A Vista Chinesa é um mirante localizado dentro da mata atlântica próximo ao Alto da Boavista, criada em 1903. O início da subida de 5km até ela fica a pouco mais de 15 minutos a pé da lagoa, pode ser cumprida a pé ou de bicicleta (para os mais avançados) . No caminho de mata virgem, encontram-se jaqueiras gigantescas e ouve-se o barulho de cachoeiras. Dependendo da sorte, pode-se ainda encontrar borboletas azuis, o macaco-prego de cara branca ou um casal de tucanos. No meio da subida de alcatrão, pode-se entrar em uma de suas trilhas de terra e refrescar o calor na sombra de uma queda d’água. A intensa caminhada pode durar cerca de uma hora, mas ao chegar a vista certamente seus olhos jamais irão esquecer o belo Rio – de Copacabana ao Leblon – visto lá de cima. Vale cada gota de suor derramado.

3. Barraca de praia em Ipanema

A barraca de praia é um comércio ambulante de praia do Leme ao pontal. Normalmente o negócio é gerido por uma família, que aluga uma cadeira de praia (R$5.00) ou um guarda-sol (R$10, um pouco mais de três euros); também há caipirinhas ( R$8.00, cerca de dois euros e meio) ou uma “loira gelada” (Antartica Original R$6.00, perto de dois euros). Lembro-me ainda moleque de ir à praia em frente à Rua Joana Angélica, tínhamos uma conta “família” em uma dessas barracas. Ficávamos por muitas vezes até o pôr do sol. Na juventude, me revezava entre a Barraca do Carlinhos (em frente à Rua Vinícius de Moraes), a Barraca da Denise (em frente à Rua Farme de Amoedo), ou a barraca do Uruguai, no Posto Nove, onde jogávamos bola, na “pelada” , carinhosamente batizada de “Sangue e Areia”. De lá saíram as peças principais da nova engrenagem cultural carioca, a malta da minha geração. Carlinhos, Denise e o Uruguaio (hoje o filho) continuam por lá a fazer a alegria da malta.

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